Oscar 2025: “Ainda Estou Aqui” levará ao menos um Oscar (talvez dois) e “Anora” ganhará Melhor Filme, aposta Inagaki

texto de Alexandre Inagaki

Eu tentei. Paguei ingresso para ver “Emilia Pérez” tentando abstrair todas as suas tramas rocambolescas fora das telas, protagonistas por uma atriz cancelada e um diretor boçal.

Em tempos nos quais apreciar uma obra sem levar em consideração os seres humanos infelizes que a conceberam é cada vez mais difícil nestes tempos de evasão de privacidade (Neil Gaiman me faz olhar com dor a minha estante de livros repletas de obras dele), o pensamento que tive foi: ok, minhas expectativas já estão no pré-sal do subsolo. Era o ambiente ideal para que “Emilia Pérez” me surpreendesse positivamente, certo?

Errado. Totalmente errado.

Agora entendo perfeitamente por que centenas de espectadores mexicanos estavam pedindo reembolso do valor que pagaram com o ingresso. Saí da sessão chocado com a constatação de que, se não fossem pelas postagens que causaram o cancelamento de Karla Sofía Gascón, teríamos corrido o sério risco de ver o Oscar perpetuar um crime tão grave quanto no ano em que a Academia fez com que “O Segredo de Brokeback Mountain” perdesse a estatueta de Melhor Filme para “Crash – No Limite” no Oscar 2006.

Vejam, eu gosto de musicais. De “Cantando na Chuva” a “Dançando no Escuro”, passando por “Uma Noite na Ópera” (minha comédia favorita dos Irmãos Marx), “Bete Balanço”, “RRR” e “Os Irmãos Cara de Pau”, há obras dos mais variados formatos, idiomas e estilos que exploram criativamente o gênero. E mesmo no cinema francês, há dois ótimos exemplos de musicais: “Os Guarda-Chuvas do Amor” (inspiração direta para “La La Land”) e “Uma Mulher é uma Mulher” (o resultado feliz do encontro entre Jean-Luc Godard, Michel Legrand e Anna Karina).

8 ou 80. A ousadia criativa da história do chefe de um cartel mexicano de narcotráfico, que se revela ser uma mulher trans almejando viver sua verdadeira identidade, em uma narrativa que adota a forma de um musical não-diegético, tinha tudo para ser uma obra-prima. E, de fato, em um primeiro momento a crítica cinematográfica achou que “Emilia Pérez” se enquadra nesse caso. Ganhou dois prêmios no Festival de Cannes, 13 indicações para o Oscar, diversos outros reconhecimentos. Enquanto isso, mexicanos denunciavam o filme como “zombaria eurocêntrica racista” e críticos transgêneros o descreveram como “retrato profundamente retrógrado de uma mulher trans”. Estes estavam certos o tempo todo. Jacques Audiard, diretor e roteirista de “Emilia Pérez”, poderia ter sido bestial. Lamentavelmente, não passa de uma besta.

Além de todos os problemas de representações equivocadas da cultura mexicana e da péssima representação estereotipada de sua protagonista trans, que mostram o quanto o roteiro é preguiçoso e porcamente pesquisado, “Emilia Pérez” é um filme de personagens rasos. Não esbocei um sorriso sequer, não me emocionei em nenhum momento, as cenas de amor são tão cativantes quanto uma tampa de bueiro, as reviravoltas da trama aparentam ter sido geradas por um prompt ruim de ChatGPT. Por mais que o elenco se esforce, nenhum personagem ganha tridimensionalidade; todos estão ali como elementos estáticos, tão naturais quanto suco Tang, buscando dar algum sentido a uma suposta história de redenção que culmina na patética tentativa de beatificação de uma figura vilanesca. No fim, a única emoção que “Emilia Pérez” me causou foi a raiva por ter desperdiçado duas horas da minha vida com um filme tão oco.

Menos mal, enfim, que o mundo parece ter despertado deste horrendo delírio coletivo chamado “Emilia Pérez” a tempo de não o coroar com todas as 13 categorias a que foi indicado no Oscar 2025. Se levar dois prêmios, já será demais.

* * * * *

Em meio a isso tudo, “Anora” se tornou o grande favorito para levar os principais prêmios do Oscar 2025. Ganhou o Critics’ Choice Awards de Melhor Filme, em uma votação feita antes de toda a crise catalisada pelos tweets de Karla Sofía Gascón, o que mostra que já tinha conquistado o significativo apoio da crítica norte-americana. Depois, venceu os prêmios dos Sindicatos dos Produtores e dos Diretores.

A última vez em que uma produção vencedora de ambos os sindicatos perdeu o Oscar de Melhor Filme foi em 2019, quando “1917” foi superado por “Parasita”. Levando-se em consideração que, além de todas estas premiações recentes, o filme dirigido, roteirizado, editado e co-produzido por Sean Baker também levou a Palma de Ouro em Cannes (outro prêmio, aliás, conquistado por “Parasita” em sua trajetória vitoriosa), é impossível negar que “Anora” é o amplo favorito para conquistar o Oscar de Melhor Filme.

Mas eu sei que o que você, torcedor brasileiro, quer mais saber, é: “Ainda Estou Aqui” vai levar algum Oscar?

E eu te respondo: ôpa! Em 97 anos de Oscar, o momento de o cinema brasileiro ser consagrado na mais relevante de todas as premiações cinematográficas está muito próximo de acontecer. O período de votação final, no qual os mais de 10 mil membros da Academia decidirão, entre os indicados, quais serão os vencedores das 23 categorias, começou no dia 11 e irá até 18 de fevereiro.

Na minha previsão atual, haverá uma pulverização de prêmios. Nenhum filme vencerá mais do que 3 estatuetas. E “Ainda Estou Aqui” levará pelo menos uma delas: o Oscar de Melhor Filme Internacional (aposta que já está sendo corroborada por sites especializados como Gold Derby e Variety).

Sobre as chances de Fernanda Torres, o grande termômetro de avaliação será a premiação do BAFTA, cujos resultados serão divulgados no dia 16 (dois dias antes do término das votações do Oscar). Aqui, Fernanda não foi indicada e restará à torcida brasileira secar Demi Moore. Porque, se a protagonista de “A Substância” vencer o BAFTA, muito possivelmente acabará confirmando também o seu favoritismo atual no Oscar.

Se o BAFTA de Melhor Atriz for parar nas mãos de Cynthia Erivo, Marianne Jean-Baptiste, Karla Sofía Gascón ou Saoirse Ronan, ótimo para o Brasil. Agora, se a ganhadora for Mikey Madison por “Anora”, segurem-se nas cadeiras: Moore, Torres e Madison disputarão voto a voto o Oscar de Melhor Atriz e qualquer uma das três poderá ter seu nome anunciado quando o envelope for aberto no dia 2 de março.

Chamem-me de masoquista, mas eu torço para que Mikey vença a premiação britânica. Como bom cinéfilo, gosto de fortes emoções. E nada seria mais incrível do que um plot twist para encerrar esta temporada cinéfila em grande estilo, com uma atriz brasileira arrebatando o Oscar por uma atuação em português.

* * *
P.S. 1: Ainda sobre o BAFTA, fiquem de olho nas premiações das categorias de Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Filme Internacional. Se “Emilia Pérez” perder para, respectivamente, Ariana Grande (cuja atuação em “Wicked” pode desbancar a de Zoe Santaña) e “Ainda Estou Aqui”, estará solidificada a maldição que se abateu sobre o péssimo longa francês.

P.S. 2: O Oscar de Melhor Longa de Animação tem um favorito destacado: “Robô Selvagem”, grande vencedor dos Annie Awards 2025 (o Oscar das animações) e de outras premiações importantes como Critics’ Choice Awards e o sindicato dos produtores. Porém, assim como em 2024 “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” era o favorito e acabou sendo desbancado nos Oscars pela animação “O Menino e a Garça” (do mestre Hayao Miyazaki), estou achando que o mesmo roteiro se repetirá neste ano, desta vez com “Flow”, animação que também representa a Letônia na categoria de Melhor Filme Internacional. Será uma das minhas apostas arriscadas do bolão de 2025.

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– Alexandre Inagaki é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, e consultor de mídias sociais. Já escreveu para a Rolling Stone Brasil, Trip e foi responsável pela criação e planejamento de campanhas online para Coca-Cola, Sony Pictures, entre outros. É curador da Campus Party e youPIX Festival. Publica textos na internet desde 1999. Começou em blogs coletivos e em seu próprio e-zine, chamado SpamZine. Além do Pensar Enlouquece, também foi um dos criadores do InterNey Blogs, um portal brasileiro de blogs.  (linktr.ee/alexandreinagaki)

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