Texto, fotos e vídeos por Marcelo Costa
De volta ao Brasil pela terceira vez, após shows solo em Curitiba e Rio de Janeiro em 2006, e em São Paulo em 2019, Patti Smith – acompanhada do grupo SoundWalk Collective – deu um grande susto na plateia que esgotou em novembro passado (em apenas 1 minuto) os 1400 ingressos para as duas noites de shows no belíssimo e renascido Teatro Cultura Artística, na região central da capital paulista: enquanto declamava o terceiro número da apresentação, “Cry of The Lost”, Patti Smith – que estava sentindo uma forte enxaqueca nos últimos dias – sentiu-se mal com tonturas e sofreu uma queda, caindo para trás agarrada ao pedestal do microfone, que amplificou o barulho ao chocar-se ao chão deixando todos os presentes preoucupados.
Integrantes do coletivo e um médico a auxiliaram imediatamente, e ela deixou o palco de cadeira de rodas após minutos (tensos), mas acenando ao público, em direção ao camarim para uma avaliação mais cuidadosa. Um tempo depois ela retornou (ainda de cadeira de rodas) dizendo que não estava se sentindo bem e, por recomendações médicas, não poderia continuar a apresentação, mas fez questão de cantar a capela “Wing” (com imagens do filme “O Evangelho Segundo São Mateus”, de Pasolini, ao fundo – segundo ela, o cineasta italiano apresenta Jesus Cristo como um grande revolucionário, “e sua revolução é o amor”) e, dizendo-se energizada pela plateia, despedir-se com o hino “Because The Night”.
A performance “Correspondences”, uma visão da profunda correspondência entre som, poesia e os frágeis fios que conectam a humanidade e o meio ambiente, até então, seguia o padrão da turnê que Patti Smith vem apresentando mundo afora com o SoundWalk Collective: enquanto ela lê textos densos como “Filhos de Chernobil”, “Príncipe da Anarquia” e “O Choro dos Perdidos”, o quarteto que a acompanha faz intervenções sonoras e visuais de com imagens de algumas das paisagens mais remotas do planeta.
Em certo momento, um dos integrantes passa um longo tempo caminhando sobre algo que parece ser o vidro frontal estilhaçado de um carro (consegue imaginar o som?); em outro trecho, o fundador Stephan Crasneanscki passa todo o número esculpindo e “solando” uma enorme pedra de gelo enquanto imagens marinhas fazem o pano de fundo para versos como “Começou com momentos de horror / Espalhados pelo mar / Mas ainda calculáveis / Essas explosões de dinamite / Causando caos intermitente / Debaixo d’água” que remetem ao universo também tenebroso de “Nação Tomada Pelo Medo”, de Thom Yorke e Stanley Donwood.
A apresentação completa de Patti Smith com o SoundWalk Collective conta com seis números extensos (“Children of Chernobyl”, “The Prince of Anarchy”, “Cry of the Lost”, “Rublev”, “Medea” e “Pasolini”) e mais um bis, solo, em que Patti resgata alguns hits da carreira (normalmente a capella, mas, dependendo da oportunidade, acompanhada por participações especiais, como a de Peter Buck, do R.E.M., que tocou violão numa versão de “People Have The Power” em Santiago, poucos dias atrás). No momento da queda, a poetisa estava no trecho final de “Cry of the Lost”, na parte em que fala de golfinhos tentando escapar do terrível som que permeava seu mundo com dinamites em busca de petróleo contaminando o ecossistema.
O terrível som da queda de Patti Smith – amplificado pelo som do microfone chocando-se ao chão – deixou todo o teatro com um nó preso na garganta, e os longos minutos que se passaram até que ela fosse colocada numa cadeira de rodas, e acenasse ao público demonstrando estar consciente, amargurantes. Entre os presentes, parecia um consenso que todos ali queriam não apenas sua recuperação, mas que ela se resguardasse e verificasse com cuidado sua saúde. Ainda assim, Patti Smith voltou ao palco, pediu desculpas, chorou e cantou mais duas canções, uma maneira de acalentar uma plateia provavelmente mais assustada do que ela própria, um encerramento emocionante para uma noite tensa. Cuide-se, Patti Smith, cuide-se.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.