entrevista de Guilherme Lage
O ano de 2024 chegou ao fim e realmente foram 12 meses a se comemorar para quem gosta de música pesada. Na gringa ou no Brasil, houve lançamentos históricos e imperdíveis. Pense bem, foi durante este ano que vimos algo que beira o inacreditável: um disco de death metal ser considerado um dos melhores pela conservadoríssima Time Magazine (“Absolute Elsewhere”, do Blood Incantation).
No nosso país, houve um álbum que mescla dois estilos que caíram nas graças do brasileiro já há mais de uma década: o stoner rock e o doom metal, com o lançamento de “Profane Smoke Ritual” (2024), da banda paulistana WeeDevil. O som do grupo é como o gênero deveria ser: arrastado, carregado, riffs atrás de riffs esfumaçados, tal qual um Black Sabbath acordado há 12 horas no meio do deserto se entregando ao peiote, pois, algo que não pode faltar no sludge é a reverência aos mestres. Bendito sois vós, ó, cramunhão!
O disco é o segundo longo da banda, que segue o sensacional “The Return”, de 2022. O grupo – formado por Flávio Cavichioli (bateria), Poison (vocal), Paulo Ueno (guitarra), Henrique Bittencourt (guitarra) e Claudio HC Funari (baixo) – também conta com dois EPs (“WeeDevil” e “The Death Is Coming”), além do Split “Cult Of The Devil Sounds”, dividido com a banda mexicana Electric Cult.
O WeeDevil nasceu em 2019, mas apesar do “pouco” tempo, quem compõe a banda não é novato, visto quem se dispôs a dar essa entrevista: Flávio Cavichioli conta com um certo status de lenda na cena brasileira, seja para a farra, seja pelo absurdo talento para espancar tambores. Flávio já fez parte de grandes bandas, como Pin Ups e Forgotten Boys, nesta segunda, se sacramentando como um dos bateras mais versáteis do underground tupiniquim. O músico falou sobre sua paixão pelo instrumento, causos da estrada e seu amor pelo som que faz hoje ao lado da WeeDevil.
É uma pergunta clichê, mas não há como fugir dela: como você acha que “Profane Smoke Ritual” se diferencia do “The Return”? Normalmente os álbuns de estreia são feitos um pouco mais na pressa. Com o segundo disco foi possível ter um pouco mais de calma? Trabalhar os detalhes para o lançamento?
Apesar da WeedDevil ser uma banda relativamente nova, é uma banda que passou por algumas formações. Do “The Return” para o “Profane Smoke Ritual”, o único integrante que gravou os dois álbuns fui eu. É natural que soem distintos um do outro, acho que o “The Return” tem uma sonoridade mais próxima do stoner doom com músicas longas, enquanto o “Profane Smoke Ritual” tem uma pegada com influências de heavy metal além do stoner doom. Acredito que a WeeDevil tem uma identidade sonora, mesmo com essas mudanças na formação você ouve e consegue identificar a sonoridade da banda, e tanto o “The Return” quanto o “Profane Smoke Ritual” foram feitos na correria. O último, fizemos durante o carnaval de 2024. Foi feita uma pré em fevereiro. Em março e abril concluímos o álbum, que foi todo gravado e mixado no Bay Area Estúdios, assim como todos os outros trabalhos da WeeDevil, e acredito que no próximo álbum vamos ter mais tempo para trabalhar com mais calma, sem pressão e correria.
O disco foi lançado por um selo mexicano em CD e por um holandês para o vinil. Se não me engano, vocês já trabalharam antes com a DHU. Como rola esse intercâmbio? A internet facilitou esse contato com músicos e selos de outros países? Como foi esse primeiro contato? Foram as gravadoras que já demonstraram interesse em vocês?
Sim, o “The Return” e o “Profane Smoke Ritual” saíram em vinil pela DHU Records, e temos também um split que saiu em CD com a banda mexicana Electric Cult, lançado pela Smolder Brains Records do México, que também lançou o CD do “Profane Smoke Ritual”. Com certeza a Internet facilitou muito o acesso a selos e bandas de outros países, antes da Internet era por carta ou fax esse tipo de contato, e raramente tinha alguma resposta. O contato com os dois selos, tanto DHU quanto Smolder Brains, vieram através da nossa assessoria, a Bruxa Verde Produções, que fez a ponte inicial. O interesse da DHU Records pelo WeeDevil veio com o lançamento do EP de 2021 “The Death is Coming”, e com a Smolder Brains veio com a ideia do lançamento do split com uma banda brasileira e uma mexicana, o “Cult of Devil Sounds”. Este foi o primeiro lançamento da Smolder Brain.
E por falar em começo, pode contar um pouco como foi o início da banda? Você sempre transitou por meios musicais bem diversos: punk, hard rock, metal. Como surgiu essa fagulha de criar algo no território doom/stoner? Já havia antes esse amor pelos estilos?
Tive a ideia de formar a WeeDevil em 2019. Foi assim: só tinha eu e a ideia, antes de montar a banda eu já estava com o contato da Abraxas, isso no meio de 2019. Em dezembro do mesmo ano já tínhamos lançado um single e feito o nosso show de estreia abrindo para os suecos do Asteroid no Jai Club. Eu só estava fazendo alguns shows esporádicos com o Pin Ups e já estava de saco cheio de tocar aquele tipo de som (risos). Eu queria voltar às origens, eu sempre gostei de metal, sempre fui fã de Black Sabbath, ouvia algumas bandas de stoner como Kyuss, Fu Manchu, Corrosion of Conformity, mas a fagulha pra finalmente montar o WeeDevil veio com o lançamento do “The Sciences”, o álbum da volta do Sleep. Nisso eu fui me aprofundando cada vez mais no estilo.
Mais do que isso, cara. Como foi seu início na bateria? Você é conhecido por ser um batera bem versátil. Suas influências vêm necessariamente do rock n’ roll ou outros estilos também encontram espaço no seu repertório e aprimoram seu jeito de tocar?
Minha relação com a bateria vem de berço. Meu pai era baterista, mas peguei gosto mesmo pela coisa com a primeira vinda do Kiss ao Brasil em 1983, aquele som de batera do álbum “Creatures of the Night” me deixou maluco, e quando vi pela TV o Eric Carr tocando aquela bateria em cima de um tanque de guerra… Aquilo na época, nos anos 80 pra uma criança de 9 anos, moldou meu caráter e o que viria a ser depois. Posso citar como minhas maiores influências Bill Ward e John Bonhan, mas não sou bitolado. Curto muito outros estilos, posso citar aqui Elvin Jones, Tony Allen e batuques de terreiro de Macumba, sou adepto e casualmente toco atabaque em algumas giras.
Você já é um veterano. Há quanto tempo está tocando com bandas? Algumas histórias legais para contar? Você já faz som desde os anos 80, certo? Alguns causos sobre essa época? E claro, algumas loucuras pra dividir sobre a época de Pin Ups e Forgotten Boys?
Minha primeira banda foi uma banda de thrash metal chamava-se Evil Doer. Fiz meu primeiro show nessa época, em 1987. Dessa época tenho algumas histórias: uma delas é de quando conheci e fiquei amigo dos irmãos Cavalera na época do lançamento do “Schizophrenia” do Sepultura. Sempre que vinham tocar em São Paulo, eles ficavam hospedados na casa de parentes deles na Vila Leopoldina, bairro onde morei e cresci.
Era muito legal essa época, aquelas coisas de moleque descobrindo o mundo. Pulava o muro do cemitério pra tomar pinga, namorar… até que a polícia uma vez pegou de uma só vez uns 20 metaleiros invadindo o cemitério da Lapa. Eu não rodei, mas uma dúzia ali passou a noite na delegacia (risos). Eu era o mais novo da turma, na época de Pin Ups e Forgotten Boys. Principalmente no Forgotten, era muita loucura, confesso que lembro de pouca coisa dessa época. Parece que ficou uma nuvem negra.
Um dos momentos mais insanos que eu lembro foi no dia que o Forgotten abriu pro Guns N’ Roses , eu estava virado há uns três dias. Lembro de fumar um skunk com o Sebastian Bach e o cara não parava de falar, não soltava o baseado. Lembro também que nesse dia tomei um ácido que acabei quebrando (sem querer ou não) a mesa do camarim (risos). Era muita loucura, a maioria não lembro, o muito pouco que lembro é impublicável (mais risos)
De uns anos pra cá algumas bandas como o próprio Jupiterian ganharam notoriedade no cenário brasileiro. Você acha que há um crescimento, uma estabilização da cena doom no Brasil? Existe de fato uma cena para esse tipo de música?
O cenário doom metal aqui ainda é muito restrito, coisa de nicho. Muita gente aqui no Brasil não valoriza o estilo, aqui se valoriza muito o som extremo. Sinto que as bandas de doom aqui no Brasil são deixadas um pouco de lado dos eventos de metal. Sinto que o WeeDevil, apesar de nunca ter ido tocar fora, tem um reconhecimento e um respeito maior na gringa do que aqui. Tipo, se eu fosse depender de algum selo daqui pra lançar nosso vinil, isso nunca ia acontecer.
E como foram os shows em promoção desse disco? Há um planejamento para turnês mais extensas?
Os shows do “Profane Smoke Ritual” estão sendo ótimos. Apesar do que eu respondi na última pergunta, eu sinto que a WeeDevil está cada vez mais conquistando público. Estamos meio que saindo do “nicho” do doom metal, e isso é ótimo pra nós. Acredito que deve ser por causa da sonoridade mais heavy metal adotada no novo álbum. Fizemos recentemente a abertura do show do Lucifer, e fomos muito bem recebidos. Tocamos mais cedo, éramos a segunda banda e mesmo assim pegamos a casa cheia, e no final do show o público pedindo bis foi legal pra caralho, esse reconhecimento… Pro ano que vem, temos algumas datas pra fora de SP e, quem sabe, uma mini tour pela América Latina.
E por fim: riffs, batera, bagulho, capeta! Tudo isso sempre fez um bom disco doom/stoner. Podemos continuar esperando essa combinação feita no inferno nos próximos lançamentos?
Sem dúvida não se faz um bom stoner doom sem esses elementos, principalmente o “bagulho” (risos). Com certeza essa combinação é a fórmula da WeeDevil mas nunca estamos fechados a novas experiências com outros estilos dentro do metal.
– Guilherme Lage (fb.com/lage.guilherme66) é jornalista e mora em Vila Velha, ES. Leia outras entrevistas dele!