Entrevista: Jake Smith fala sobre o primeiro disco ao vivo do White Buffalo, e sobre Caetano, punk rock e Iron Maiden

 entrevista de Daniel Tavares

No começo dos anos 2000, Jake Smith era um simples garçom em São Francisco que compunha nas horas vagas e tocava seu violão pela cidade. Tudo mudou quando uma gravação pirata sua caiu nas mãos do surfista Chris Malloy, que decidiu incluir “Wrong”, uma música de Jake, já denominando-se White Buffalo, na trilha sonora do filme de surf “Shelter” (2001) ao lado de canções de Jack Johnson, Air e Shins (assista no final da entrevista).

A inclusão na trilha era o impulso que Jake precisava: em 2002, ele lançaria seu primeiro álbum solo, “Hogtied Like a Rodeo” e também um EP, mas a sorte demoraria a cruzar seu caminho novamente, pois um novo disco (“Once Upon a Time in the West”) só seria gravado 10 anos depois da estreia. O álbum que abriria as portas do mercado para Jake, no entanto, seria seu terceiro registro, “Shadows, Greys, and Evil Ways” (2013), que teria várias de suas faixas fisgadas para a trilha sonora da última temporada da série “Sons of Anarcky”.

De lá pra cá, The White Buffalo segue lançando discos (“Year of the Dark Horse”, de 2022, é o mais recente de estúdio), fazendo shows (em setembro passado saiu o disco ao vivo “A Freight Train Through the Night”) e cedendo músicas para séries como “This Is Us”, “Longmire: O Xerife” e “O Justiceiro”. Às vésperas de sua passagem pelo Brasil em novembro (em que tocou em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba), Jake conversou com o Scream & Yell sobre seu primeiro disco ao vivo e, métodos de compor e… Caetano Veloso, punk rock e Iron Maiden.

Jake, em setembro você lançou um álbum ao vivo. Pode nos contar mais sobre isso?
Então, no dia 20 de setembro, lançamos nosso primeiro álbum ao vivo, inicialmente em vinil. Foi uma experiência incrível gravar durante duas noites no Belly Up, em San Diego. Estou superanimado com o resultado. O álbum captura aquela sensação genuína de estar ao vivo, como se você estivesse na sala com a gente. A abordagem que adotamos para a performance ao vivo é algo muito diferente do que fazemos em estúdio. A paixão e a emoção são muito mais viscerais e cruas ao vivo. Não que eu esteja insatisfeito com meus álbuns de estúdio, mas há algo na interação com a multidão e os fãs que é difícil de replicar. Este é o nosso primeiro álbum ao vivo em mais de 20 anos de banda. Até nosso baterista está comigo há 22 anos, então é realmente uma coleção especial. O vinil tem cerca de 16 músicas e é prensado em 180 gramas, o que garante uma qualidade sonora incrível. Estou muito animado para compartilhar essas gravações ao vivo com todos. É uma oportunidade de sentir a energia e a intensidade das nossas apresentações de uma forma que os álbuns de estúdio não conseguem capturar. E isso é apenas o começo; teremos mais gravações ao vivo sendo lançadas pela primeira vez.

E como foi a escolha do nome “A Freight Train Through the Night”?
Há uma música chamada “How the West Was Won” que eu tenho. Então é uma frase dessa música. Foi o nosso baixista que sugeriu: “Ei, que tal dar um nome diferente? Algo que não seja apenas ‘ao vivo em tal lugar’, mas algo novo e fresco.” E assim surgiu a ideia de “A Freight Train Through the Night”. Essa metáfora do trem de carga pela noite reflete a vida nômade de um músico em turnê. Cada noite é uma nova experiência, você chega, faz o show e segue em frente. É uma representação perfeita do que é ser um músico na estrada. Achei que esse conceito se encaixava perfeitamente para um álbum ao vivo, capturando a essência de se conectar emocionalmente com o público que vem nos ver todas as noites. Queríamos garantir que essa conexão fosse sentida, que cada apresentação fosse única e intensa. Demorou um tempo para encontrar o momento certo para fazer isso, porque eu queria que fosse bem feito. Muitas gravações ao vivo não capturam bem a audiência ou a energia do show. Por isso, contratamos Mike Butler, que já trabalhou em muitos álbuns ao vivo de grandes artistas, para garantir que tudo fosse capturado da melhor forma possível. Estou realmente animado com o resultado e acho que conseguimos transmitir essa experiência ao vivo de forma autêntica.

E a propósito, seu último álbum de estúdio foi há dois anos. Você já tem algum som novo? Você já começou a pensar em algo para o futuro?
Sim, absolutamente, estou sempre escrevendo e tendo ideias, mas elas são sempre tão soltas que leva um tempo. Eu realmente preciso sentir que estou quase pronto. Muitas vezes, leva apenas um empurrão de outra pessoa para perceber que uma ideia é boa e vale a pena ser desenvolvida. Tenho algumas frações ou pedaços de músicas neste ponto, e algumas ideias. Com o último álbum, “You Are the Dark Horse”, explorei sonoridades mais abertas, o que me deu liberdade para ir em qualquer direção no futuro. Estou sempre buscando novas inspirações e ideias. É um processo contínuo de descoberta e exploração. Estou sempre aberto a novas direções, seja algo mais simples e pessoal ou algo mais elaborado e complexo. E francamente, são as músicas, elas que mandam, o que quer que as músicas se prestem a ser e como querem que as abordemos. Mas sim, estou sempre escrevendo, mas não tem nada definido em relação a um cronograma ou um tempo que vamos gravar as coisas. Vamos sempre pensando e até chegar a hora que entendemos que Sim, está na hora de começar a focar nisso. A música é uma jornada constante, e estou sempre curioso para ver onde ela me levará.

Quando você escreve, o que vem primeiro? As letras ou a música? Você meio que toca o violão acústico e encontra alguma melodia, e então constrói as letras sobre essa melodia, ou a melodia vem primeiro?
Sabe, isso varia um pouco, mas muitas vezes estou apenas sentado com meu violão e tudo acontece ao mesmo tempo. No começo, parece um monte de bobagens, sem muito sentido. Mas aí, de repente, eu digo algo e penso: “Oh, isso é uma boa ideia! Essa é uma linha legal que eu tenho.” Não é algo que eu planeje, é mais como uma improvisação que vem do meu subconsciente. Descobrir o que isso significa é realmente a chave para mim. É como se eu dissesse: “Ok, essa é a parte legal. Agora, o que isso pode significar? Para onde posso ir a partir daí?” Às vezes, a letra e a melodia surgem juntas. Meu jeito de tocar violão não é nada extravagante; ele serve mais como uma paleta para a composição. A melodia vocal geralmente dita para onde devo ir com o violão, então elas quase sempre vêm juntas, pelo menos na ideia inicial. Depois, a melodia fica meio que definida, ou pelo menos tem um roteiro, e então eu volto e descubro para onde a música pode ir e qual será o propósito. Porque, de uma linha, você pode ir em um milhão de direções diferentes. Acho que um dos meus dons é pegar uma ideia muito simples e pequena e pensar: “Ok, eu posso fazer isso. Posso escrever um verso sobre isso.” E isso é algo pessoal, uma história humana. E então, posso expandir para algo mais universal, algo que se expande um pouco mais. Muitas vezes, as pessoas conseguem se relacionar com essas histórias, e isso é incrível. Eu me lembro de uma noite em que estava todo chapado e pensei: “Meu Deus, será que descobri o segredo que as pessoas não sabem?” Mas aí, acabei esquecendo disso. Agora, estou lembrando novamente.

Como você se sente sobre tocar o coração das pessoas com seus próprios sentimentos?
É uma bênção. Mas, de certa forma, também pode ser uma maldição. Não exatamente uma maldição, mas muitas vezes as pessoas que entram em contato comigo, seja por mensagens diretas ou de outras formas, compartilham histórias terríveis e de partir o coração. Existe um consolo estranho em compartilhar dor e sentimentos comuns. Nem todas as minhas músicas são sombrias e deprimentes, mas essas são mais fáceis para mim de canalizar. A ideia é que a composição seja pessoal, mas também aberta e vaga o suficiente para que as pessoas possam anexar suas próprias vidas a ela. O que uma música significa para um ouvinte não é necessariamente o que significa para mim. O ponto é que cada pessoa pode fazer da música sua própria história, como se fosse dela. Por isso, muitas vezes não gosto de explicar sobre o que é uma música. Prefiro a ambiguidade, as áreas cinzentas, porque isso permite que as pessoas tragam suas próprias interpretações. Às vezes, as pessoas têm ideias completamente diferentes do que a música é, e elas moldam isso para torná-la sua própria, o que acho bonito. Não me importo se a interpretação delas não é exatamente o que eu pensei. Para mim, a beleza está em como as pessoas podem se conectar emocionalmente com a música de maneiras únicas. Minha carreira tem sido sobre atingir as pessoas emocionalmente, mesmo que isso seja um pouco estranho. Eu sou como todo mundo, com altos e baixos no meu bem-estar mental. Se você me conhecesse em um bar, nunca diria que sou um compositor. Eu provavelmente inventaria alguma história, diria que sou um vendedor de aspiradores ou algo assim, porque não gosto de falar sobre isso. Sou muitas vezes bastante feliz e jovial, e você não pensaria que escrevo músicas sombrias e introspectivas sobre desgosto e amor não correspondido. Mas sempre fui capaz de tocar as pessoas, de ter essa dualidade entre momentos de alegria e momentos de escuridão.

O que você sabe sobre a música do Brasil? Tem alguém que você conhece?
Para ser honesto, não sei muito. Acabei de descobrir que o Sepultura é do Brasil, o que eu não sabia. Isso mostra o quanto eu conheço. Se eles são um dos maiores, espere, qual é o nome daquele cara? Acho que era um músico brasileiro, mas ele tinha um estilo mais de violão, meio jazz flamenco. Pensei que ele fosse brasileiro, mas talvez eu esteja enganado.

Caetano Veloso.
Sim. Como você diz, Caetano Veloso? [aqui ele pediu para ensinar como se diz Caetano Veloso]

Caetano Veloso.
Isso, mas ele é mais velho, certo?

Sim, ele é um dos nossos maiores artistas no Brasil (atualmente em turnê com a irmã, Maria Bethânia).
Então eu deveria ter mencionado ele. Todo mundo me faz essa mesma pergunta. Mas não tive tempo de pesquisar, e continuo errando e distorcendo quando você diz o nome. Mas sim, sou fã dele, embora ele esteja por aí há muito tempo, certo?

Quando você estiver no Brasil, e tocando em São Paulo, há uma coincidência que vai acontecer na época do seu show, pois o Iron Maiden estará tocando na cidade também a cerca de dois quilômetros de onde você irá tocar. Então isso me leva a uma pergunta, porque sua música é obviamente muito diferente do Iron Maiden, mas eu queria saber se você ouve nesse tipo de música mais pesada como Iron Maiden e Metallica? O que você gosta entre todas essas bandas?
Não ouço tanto esse tipo de música. Quando eu era mais jovem, estava mais envolvido na cena punk do sul da Califórnia. Bandas como Bad Religion, Circle Jerks e The Descendents (nota: as duas últimas tocaram poucos dias depois dele em São Paulo) definitivamente fizeram parte da minha formação. Essa estética punk e o ethos “faça você mesmo” foi muito importante para mim. É sobre ser apaixonado pelo que você faz e se entregar completamente em cada performance. Isso foi um momento crucial na minha vida, especialmente durante o ensino médio, antes de eu me tornar músico ou pegar uma guitarra. Essa influência é evidente na minha música, pois há uma agressividade em algumas das coisas que fazemos. Com o álbum ao vivo, você sentirá ainda mais essa paixão e agressividade, porque realmente é um nível diferente. Eu gosto de Danzig, e o último show que levei meu filho foi dos Misfits e Metallica. Também gosto um pouco de Iron Maiden. É curioso, porque não entendo completamente por que, mas de alguma forma, minha música tem um crossover com o público do metal. Muitas vezes, especialmente nos gêneros mais pesados, as pessoas são muito leais ao seu estilo. Se você é um cara punk, geralmente não ouve heavy metal, e vice-versa. Mesmo dentro do metal, há tantos subgêneros como metalcore ou emo, e as pessoas tendem a se apegar ao seu nicho. Mas, de alguma forma, minha música se tornou uma espécie de caminho alternativo que atrai fãs de metal. Talvez sejam as músicas com temas de assassinato ou a conexão com “Sons of Anarchy”. Não sei ao certo, mas é interessante ver como minha música ressoa com pessoas de diferentes gêneros. Não sei exatamente por que minha música ressoa tanto com fãs de heavy metal, mas acho que é porque ela é muito emocional. É quase a antítese do machismo. Não que eu não me considere um homem masculino, mas falo sobre coisas que partem o coração e sobre meu bem-estar físico e emocional. Historicamente, isso não é visto como algo muito masculino. No entanto, de alguma forma, pessoas que gostam de heavy metal ou de gêneros mais pesados conseguem se conectar com esse lado mais suave da minha música. Não é que minha música seja necessariamente mais suave, mas ela é menos agressiva em termos de distorção e gritos. Ainda assim, há algo de pesado ali, talvez na intensidade emocional. Acho que é isso que cria essa conexão inesperada com fãs de diferentes gêneros.

– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza. Colabora com o Scream & Yell desde 2014.

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