midsummer madness lança duas coletâneas de covers para festejar 35 anos: “Fiquei feliz com o resultado”, diz Rodrigo Lariú

entrevista de Marco Antonio Barbosa

O midsummer madness não é uma gravadora igual às outras. A começar pela insistência em se apresentar apenas em letrinhas minúsculas, marca registrada que nasceu ainda nos tempos de fanzine, muito tempo atrás (1989), numa galáxia muito distante (Niterói, RJ). De lá para cá, nadando contra todas as correntes do mainstream (desculpem a redundância), o selo construiu um dos mais vastos catálogos do rock alternativo brasileiro. E tornou-se uma instituição do indie brazuca, com os ônus e bônus associados a essa condição.

Depois de 35 anos de peleja, o selo conquistou o direito legítimo de celebrar a si mesmo. A gravadora diferente de todas as outras lança agora a coletânea “Not Like You”, uma revisão de seus 35 anos de história. O álbum, já disponível no QG do selo no Bandcamp, é ambicioso no escopo e lúdico no conceito. São 65 músicas – 37 inéditas – e 53 artistas, divididos em dois volumes: “Gotta Love Yourself” e “Gotta Love Someone”. O vasto catálogo do mm é revisitado no primeiro volume, com artistas como Pin Ups, Snooze, Pelvs, Valv e Superbug regravando “clássicos” lançados pelo selo desde 1994. A segunda parte traz nomes do cast atual da gravadora (The Cigarettes, Loomer, Low Dream, Second Come, The Gilbertos…) em covers de artistas “de fora” do selo.

“O maior motivo para celebrar são as próprias bandas. Ativas ou inativas. Há bandas que estão nos dois volumes, há outras que nem estavam mais tocando e se reuniram só para participar da coletânea”, conta Rodrigo Lariú, jornalista, produtor, fundador e CEO do midsummer madness desde 1989. A ideia da coletânea para comemorar os 35 anos nasceu durante conversas em um grupo de WhatsApp criado por Lariú, reunindo artistas do passado e do presente da gravadora. “Esse grupo de Zap é o que há de mais legal nessa história toda. Neste sentido, talvez seja uma ‘scene that celebrates itself’, um espaço para nos divertirmos”, diz Lariú, referindo-se à jocosa expressão criada pela imprensa musical britânica para rotular a cena shoegaze, no começo dos anos 1990.

Gravar covers – com ironia ou sinceridade, de forma reverente ou iconoclasta – é uma tradição no indie rock, exercitada também durante a história do midsummer madness. Lariú observa, em seu típico tom sardônico: “De certa forma, as bandas às vezes pensam assim: ‘OK, vamos tocar uma cover para ver se alguém presta atenção…’” Ao selecionar as faixas da coletânea “30 em 3” (2021), o produtor notou a grande quantidade de regravações espalhadas pelo catálogo. “Percebi que havia covers suficientes para fazer um disco bacana. A ideia ficou guardada e, no grupo de WhatsApp, algumas pessoas sugeriram uma compilação de versões de outras bandas do mm. Acabou virando um disco duplo, com um volume só de bandas tocando músicas lançadas no catálogo e o outro volume só de covers ‘externas’, lembra ele.

Daí temos, em “Gotta Love Yourself”, o Outsider Broadcast tocando Pelvs (“Bric-a-bric Between Aspirins”) e Pelvs tocando Stellar (“Titanium White”). Sorrystate relendo Pin Ups (“Weather”) e os Pin Ups relendo Killing Chainsaw (“Evisceration”). Green9 repassando Superbug (“Flannel Shirt”) e Superbug repassando Sleepwalkers (“Scandal! Not My Cup of Tea”). E um monte de gente (Snooze, Minds Away, Professional Whistlers, Toilet) tocando Cigarettes. São vários sabores de indie rock, indo da psicodelia lesada ao shoegaze rascante. Um interessante exercício de recontar a história do selo, de modo quase metalinguístico.

“Minha coletânea-tributo favorita ainda é o “Heaven & Hell vol 1”., com Nirvana, Ride, Telescopes e Chapterhouse, entre outros, tocando Velvet Underground”, cita Lariú. “Mas não me inspirei nela para criar o ‘Not Like You’, nem em qualquer outra. Lembro que a Rough Trade fez um disco parecido: bandas que eram ou tinham sido da Rough Trade, tocando músicas de outros artistas da gravadora (nota: “Stop Me If You Think You’ve Heard This One Before… Rough Trade 25”, de 2003). Mas nem ficou bom, talvez porque o catálogo seja meio heterogêneo demais.”

No entanto, “heterogêneo” é um termo aplicável a “Gotta Love Someone”, o segundo volume de “Not Like You”. Aí é a hora do recreio, com o cast do mm celebrando suas influências e confessando prazeres culpados. Há harmonizações previsíveis, como os Pin Ups com Velvet (“Sunday Morning”), Churrus com Teenage Fanclub (“Can’t Feel My Soul”), The Gilbertos com Chico Buarque (“Samba e Amor”) e Loomer com My Bloody Valentine (“Never Say Goodbye”).

Mas as combinações inesperadas são ainda mais saborosas. O The Books verteu “Surfista Calhorda”, dos Replicantes, para o inglês (“Fuckin’ Surfin’ Bastard”). “Como Eu Quero”, do Kid Abelha, vira dream pop na mão do Electric Lo-Fi Seresta. O Enzzo leva “Come Together” (a dos Beatles) à praia, transformada em ska. Em um registro desencavado de 2002, a Pelvs se apropria de “This Is the Day” (The The). E por aí. Ainda no capítulo arqueológico, merecem nota as inclusões do Stellar (em uma gravação de 1997 de “The Top”, do The Cure) e do Second Come (a clássica versão de “Justify My Love”, da Madonna).

“Gosto de todas as versões, mencionar uma favorita é arrumar encrenca”, esquiva-se Lariú quando questionado sobre os destaques da compilação. “Fiquei feliz com o resultado, nenhuma versão ficou meia-boca. Acho que a audição, apesar de longa, vai ser divertida para quem conhece o cast do selo ou gosta das bandas que a gente curte.” Mas ele acaba confessando algumas preferências – como a versão de “Say It Ain’t So”, do Weezer, feita pelo Valv. “Essa foi dedicada à Fernanda Azevedo, a Fernanda da Motor Music, que faleceu em maio deste ano”, lembra o produtor. Ele também cita a banda paulista The Books tocando “So Strange”, de autoria da banda baiana brincando de deus. “Messias que me perdoe, mas talvez seja melhor que a original.”

Perguntinha capciosa, para dispersar a saia-justa: se Lariú pudesse contar com QUALQUER artista tocando QUALQUER canção do catálogo do mm, qual seria a combinação: “Putz, difícil”, suspira o produtor. “Óbvio que ter a minha banda favorita – My Bloody Valentine – tocando qualquer música do selo seria uma baita honra. “Mas eu ficaria feliz também com Galaxie 500, Swirlies, Casiotone for the Painfully Alone tocando algo do selo.”

Três décadas e meia de trabalho, quase 400 lançamentos no catálogo, e uma obra que hoje é indissociável de seu arquiteto principal. “Não consigo pensar em como seria a minha vida sem ter o midsummer madness. Já fiquei de saco cheio muitas vezes, mas nunca pensei em parar”, pondera Lariú. “Um bom motivo para celebrar esses 35 anos é a minha própria persistência. As bandas parecem gostar disso. Não conheço tantos selos no Brasil com 35 anos. De anonimato então, acho que só a gente.”

A busca de uma compensação mais material por toda essa persistência motivou o lançamento, simultâneo ao de “Not Like You”, de um novo formato de monetização para o midsummer madness. O acervo e as novidades do selo passarão a ser oferecidos em esquema de assinatura, com anuidades a partir de 30 libras (cerca de R$ 220; o preço é na moeda britânica porque Lariú mora em Londres). Os inscritos terão, além de acesso a todo catálogo para streaming e/ou download em alta qualidade, descontos nos lançamentos, vinis e CDs de brinde, lançamentos exclusivos, vídeos, podcasts e newsletters.

“É o nosso Patreon, nosso Substack”, compara o criador. “O catálogo é tão extenso, há tanta coisa que poderia ser explorada. Restaurar gravações ao vivo, fanzines, fotos, cassetes. Para citar só um exemplo: tenho um registro do show do Shellac no Rio de Janeiro (2008) com o Smack abrindo. Filmado com duas câmeras, áudio direto da mesa de som. Mas nunca consegui parar para editar. Para ter tempo de fazer isso, eu precisava que o mm fizesse mais grana.” As possibilidades são muitas, ainda que Lariú mantenha, como sempre, o pé no chão. “Minhas expectativas são baixas. Não consigo entender se as pessoas percebem esse tesouro que está nos nossos arquivos e no catálogo. Mas, se eu não tentar, como descobrir?”

Em cima: Private Dancers, Stellar e Digital Amerindio; embaixo: Rodrigo Carneiro, Lautmusik e Churrus

Primeira foto: em cima The Cigarretes, Tamborines e Looomer; embaixo Superbug. Devilish Dear e Fish Magic

– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br). 

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