Três shows em SP: Travis, Keane, Vaccines

textos e vídeos por Bruno Capelas
fotos por Fernando Yokota

Travis na Audio Club (5/11)

Já houve um tempo em que o Travis foi uma das maiores bandas do mundo. Uma era em que havia medo do bug do milênio e o Coldplay era apenas uma bandinha qualquer. Esse tempo se foi: hoje, os medos digitais são muito diferentes e Chris Martin, além de lotar estádios pelo mundo, é convidado de luxo em “Raze the Bar”, canção que dá nome à turnê do Travis pela América Latina em 2024 – a primeira vinda, vale lembrar, foi em 2013, na última edição do saudoso Planeta Terra. Nas semanas que antecederam o show, muita gente duvidou que os escoceses esgotassem os 3 mil lugares da Audio – e promoções antecipadas indicavam tal risco. Mas, assim que Fran Healy e seus companheiros subiram ao palco numa terça fria diante de uma casa uns 80% lotada, parecia que estávamos de volta a 1999 – ou, ao menos, a uma época em que o pop britânico, de bases acústicas e estrutura radiofônica de canção, podia dar as cartas no planeta. De cabelo laranja, o simpático e levemente estabanado Healy talvez não seja ideal para comandar grandes plateias em estádios. Pouco importa: seja ao microfone ou saltando da bateria à la Pete Townsend, ele é capaz de transformar qualquer casa noturna em um mar de mãos alçadas ao ar, como fez ao relembrar petardos como “Driftwood” e “Writing to Reach You” – esta última, introduzida por uma confissão tardia de roubo aos acordes de “Wonderwall”, do Oasis. O clima delicioso continuou com uma sequência de hits que poucas bandas da atualidade têm o prazer de enfileirar: “Sing”, “Closer” e “Side”. Mais do que nostalgia, porém, o Travis mostrou vitalidade com as belas canções de “LA Times”, lançado este ano – vale a pena prestar atenção no refrão de “Alive”, no “lá-lá-lá” de “Gaslight” ou no clima de “Bus”, que abriu o concerto. Já estava bom, mas o bis foi ainda melhor: em rodinha de violão e boné de Ayrton Senna na cabeça do baterista Neil Primrose, o quarteto veio para a frente do palco para tocar a fofa “Flowers in the Window”. Depois foi a vez de uma cover. Mas não qualquer cover: “A gente podia tocar Led Zeppelin e tal, mas vamos mesmo é tocar Britney Spears”, exaltou Healy, antes de irromper com a releitura inesquecível de “…Baby One More Time”. Generosa, a banda ainda sacou do bolso dois belos números, “My Eyes” e “Selfish Jean” (que só não é plágio de “Lust for Life” porque não ritmo não entra no tribunal), antes de fechar com seu hit maior: “Why Does It Always Rain On Me?”. Dessa vez, porém, a chuva era de lágrimas de alegria, em um dos shows mais bonitos do ano.


Keane – Espaço Unimed, 9/11

Acompanhar a agenda de shows em São Paulo pode propiciar exercícios curiosos de comparação entre bandas, muitas vezes escolhidos ao acaso. Cinco dias após o Travis, foi a vez do Keane – outro membro do clube dos “melancólicos pós-Radiohead” ou dos “quase Coldplay” – tocar na capital paulista. Entre os escoceses e o grupo de Tom Chaplin, porém, há um universo de diferenças: além de praticamente não usar guitarras ou violões, o Keane não lança um disco de inéditas desde 2019, tem uma turnê nostálgica comemorando os 20 anos de “Hopes and Fears” e, a despeito disso, esgotou três noites no Brasil – incluindo o difícil público do Rio de Janeiro e um espaço para 8 mil pessoas na capital paulista. Não é difícil entender como isso ocorreu– e a resposta vai além do fato de “Somewhere Only We Know” e “Everybody’s Changing” serem figurinha fácil nas rádios easy listening nos consultórios de dentista. Ao longo de duas décadas, o Keane se tornou uma banda pop até a medula, sem medo de soltar chuva de papel picado já na terceira música, “Bend and Break” – um dos 11 números de “Hopes and Fears” que apareceram ao longo da noite, com apenas “On a Day Like Today” ficando de fora. Mais de 70% do repertório do show, aliás, já passou da maioridade, com outras seis faixas vindas de “Under the Iron Sea”, de 2006. Por outro lado, do disco mais recente do grupo só apareceu uma faixa – “The Way I Feel”, filhote das canções agitadas do U2 para arenas. Por falar em U2, vale a análise: a despeito de ter ficado conhecido como “sub Coldplay”, o Keane bebe mesmo é na fonte de bandas como o grupo de Bono, Tears for Fears e Duran Duran (preste atenção em “Crystal Ball” ou “Is It Any Wonder?”), enquanto os trejeitos de Tim Rice-Oxley ao piano remetem mais aos esforços pop de Sir Elton John e ao lado mais baladeiro do Queen (não à toa, há até uma cover de “Under Pressure” no repertório). Se há um ponto em que o Keane se liga ao grupo de Chris Martin, ele está na aura programada do show: com visual de quarentão simpático no lugar das bochechas avantajadas da juventude, Tom Chaplin comanda um espetáculo em miniatura para estádios, pedindo coros, fazendo coreografias e flertando com a plateia. Até mesmo os discursos parecem ensaiados – do show da antevéspera no Rio, só não foi repetida a blague com o “olê olê, Ki-nê, Ki-nê”. Não que isso importe para o público, que se esgoela tanto nos hits como em lados- B como “The Frog Prince” ou “Sovereign Light Café”. Uma noite de entretenimento – e se alguém reclamar, vale o aviso: it’s only English Pop, but I like it.


The Vaccines – Cine Joia, 21/11

Ao tentar convencer bandas estrangeiras iniciantes a tocarem no Brasil, empresários e produtores da música vira-e-mexe usam argumentos como “construção de público” ao negociar cachês em dólares cada vez mais esparsos. Se em muitos momentos o discurso pode parecer balela de vendedor, em alguns casos ele se mostra verdadeiro – e para quem precisar de um exemplo, o caso do Vaccines poderá servir de prova aos negociantes do futuro. Hype no início da década passada ao emular tédio adolescente e guitarras em primeiro plano com sujeira calculada à moda dos Strokes, o grupo britânico veio ao Brasil por duas vezes entre 2012 e 2013. Na época, a banda ainda era a última bolacha do pacote e encantou jovens millennials com as canções da estreia “What Do You Expect from the Vaccines?”. Mais de dez anos e uma porção de álbuns bem menos inspirados se passaram desde o último encontro, mas a boa impressão causada lá no passado (e a nostalgia, essa pantera) ajudou o quinteto liderado por Justin Hayward-Young a esgotar os ingressos do Cine Joia na produção da Balaclava Records – um “sold out de verdade”, como foi entreouvido na casa. A ampla presença do público fez o espaço ficar quente de maneira desconfortável, e olha que lá fora o termômetro só marcava 19º. Para quem aguentou o calor, porém, foi a chance de curtir um honesto show de rock, com três canções do álbum de estreia sendo executadas logo de cara – “Wreckin Bar”, “Post Break Up Sex” e “Wetsuit”. Visivelmente empolgado, Hayward-Young estava empenhado em compensar a falta de originalidade e graça dos trabalhos seguintes com um diálogo vigoroso com o público, pedindo palmas, dançando e tudo mais. Seguindo a máxima de Jeff Bebe, ele é um daqueles vocalistas que procuram pelo único cara que não está se divertindo e o faz se divertir. É uma tarefa destemida – e já que o Vaccines não tem hits o suficiente para fazer um show na teoria do W, intercalando altos e baixos, o jeito é tentar fazer um U com uma queda ligeira. Em pouco mais de 90 minutos, dá certo, especialmente ao guardar “If You Wanna”, “All in White” e “A Lack of Understanding” para o final. Uma noite bacana, que ainda teve o climático show de Apeles na abertura: em roupagem estilosa, o baixista do Ludovic mostrou canções que passeiam entre o pós-punk e o rock de pista em sua carreira solo. Quem roubou a cena com belas contribuições na guitarra, porém, foi Lucas Gonçalves (da Maglore), mais uma vez mostrando por que é um dos grandes nomes de sua geração.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.