Entrevista: Pedro Freire fala sobre seu filme “Malu”, premiado como Melhor Filme no Festival do Rio

entrevista de Renan Guerra

Pedro Freire tem uma ampla carreira como curta metragista, trabalhou nos bastidores de muitos filmes brasileiros e tem um histórico de trabalho como preparador de elenco, porém para seu primeiro longa-metragem ele decidiu mergulhar em uma dolorosa história familiar. “Malu” conta a história de sua mãe, Malu Rocha – Pedro é fruto do casamento dela com o também ator Herson Capri –, importante atriz de teatro dos anos 1970 e 1980, que participou de montagens históricas como “Hair” e trabalhou ao lado de diretores como Plínio Marcos e Zé Celso Martinez Corrêa. De personalidade forte e de atuação política engajada, Malu também chegou a circular por obras populares do cinema e da tv brasileira, mas se afastou da atuação artística com o avanço do mal de Príon, uma doença rara que atinge o cérebro. Pedro Freire não foca a sua lente na carreira artística de Malu, mas sim na intimidade familiar da artista, destrinchando as relações entre mães e filhas de uma forma complexa e cheia de nuances.

“Malu” foi exibido no Festival de Sundance, fez interessante carreira por festivais ao redor do mundo e saiu do Festival do Rio com cinco prêmios: Melhor Roteiro, Melhor Filme, Melhor Atriz para Yara de Novaes e o prêmio duplo de Melhor Atriz Coadjuvante para Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha. E como já contamos em crítica aqui no Scream & Yell, este “é um filme de atrizes. Yara de Novaes, Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha criam uma trinca raras vezes vista no cinema brasileiro. Não existe hierarquia entre elas, as três estão num ponto e num nível muito alto, em que a sinergia é que determina a força e importância do filme”. Para além da atuação bem construída do elenco, é importante ressaltar que “Malu” é um filme com um roteiro bastante delicado e que consegue dar conta das nuances dessas personagens, mesmo com as suas mais complexas relações.

Para entender como foi esse processo de investigar e mergulhar em uma história tão íntima, tivemos um bate-papo franco com o diretor Pedro Freire, que nos contou detalhes sobre seu processo de escrita, sobre a direção de atores e sobre a caminhada que o filme tem feito até esse momento. Confira a entrevista na íntegra abaixo:

Para começar, eu queria falar que eu fui assistir o filme e não tinha muitas informações sobre o filme. E quando subiram os créditos, eu fiquei ali um pouco ainda. Eu já estava mexido com a história do filme e me surpreendeu muito que era uma história pessoal sua. E aí, para começar, eu queria entender um pouco como foi esse processo de transformar um pouco da sua vida e das suas vivências num filme tão pessoal.
Então, foi um processo muito duro, muito emocional, porque a minha mãe faleceu em 2013. Decidi fazer um filme sobre ela no velório dela, no Teatro Oficina. Ela era atriz, começou a carreira no Teatro Oficina. Então, a gente pediu para o Zé Celso [Martinez Correa] fazer o velório lá. Ele deixou, foi um velório muito bonito. E aí, no velório pensei “quero fazer um filme sobre essa mulher”. Mas demorei anos para tomar coragem e fazer mesmo, porque era muito duro. Toda vez que eu tentava fazer, eu ficava muito emocionado. Aí parava. Foram uns quatro anos até eu tomar coragem de dizer “não, já passei pelo meu luto, a morte dela já está um pouco mais assimilada, acho que agora eu consigo”. Achando que eu ia tirar de letra, né? Então comecei a escrever. Nossa, mas eu chorava. Chorava muito. Chorei muito escrevendo esse roteiro. Chorei muito filmando este filme. Chorei muito editando este filme. Foi só na correção de cor que eu parei de chorar, porque a correção de cor dá um certo distanciamento. É muito técnico, né? Aí consegui finalmente me distanciar um pouco mais do filme. Mas ainda muito cedo, quando eu estava pensando nas ideias para o filme, não tinha nem uma escaleta nem nada ainda, me toquei que eu tinha que tomar muito cuidado para não fazer desse filme um processo de autoanálise. Eu não podia transformar esse filme numa coisa para mim, para a minha cura, sabe? Se ele fosse ter alguma utilidade curativa para mim, que isso fosse uma consequência e não uma busca, sabe? E eu entendi isso muito rapidamente. Essa foi a minha sorte, eu acho. Porque uma vez que eu entendi isso, comecei um processo que foi muito importante de separar o joio do trigo. Ou seja, separar o que eu tinha que levar para análise do que eu tinha que levar para o filme. Separar o que era punheta mental, o que era coisa para mim, para eu me resolver com os meus traumas, com a minha saudade da minha mãe, e o que realmente podia se tornar uma história que interessasse a outras pessoas. E não só a mim. E aí no momento que eu dei esse clique, eu comecei a separar e aí começou a se formar na minha frente uma possibilidade de um filme. E eu comecei a entender que realmente tinha uma possibilidade de fazer uma coisa muito bonita: contar uma história muito emocionante, muito forte, que talvez pudesse interessar a todo mundo. Mas ainda assim é um material muito próximo de mim. Sabe quando o negócio está tão perto de você que você não consegue ver direito? Acho que filho é um pouco assim. Então eu precisava muito da opinião de outras pessoas de fora para lerem aquilo e me dizerem “olha, isso aqui está funcionando, isso aqui eu não entendo muito o que você quer dizer, isso aqui eu achei bobo”. Enfim, para poderem me dar um retorno. Eu nunca mostrei um roteiro meu para tanta gente. Porque eu acho legal mostrar, mas realmente no caso desse filme particularmente foi muito importante mostrar para os meus amigos, para consultores de roteiro, para ter um retorno, para ter um olhar de fora. E aí os meus amigos me ajudaram muito, me salvaram.

Sim, você falou essa questão do roteiro, eu acho interessante que no filme, por mais que sejam personagens reais, e você está falando ali de histórias muito próximas, não há em nenhum momento um julgamento do filme perante essas personagens, né? Eu acho que elas são todas – as três mulheres, principalmente – muito complexas e elas têm nuances, então elas têm ali seus defeitos e suas qualidades. E eu queria entender um pouco como foi esse trabalho de lapidar mesmo essas personagens para chegar nesse roteiro final do filme.
Então, eu acho que algo de autoanálise foi inevitável, né? E acho que algo que foi muito curativo para mim, mas repetindo, foi curativo como consequência, não como uma busca minha. Foi que ao saber, como roteirista que sou, que essas personagens precisavam ser complexas, eu precisei buscar uma complexidade nelas que às vezes a minha memória traumatizada não permitia. Então, por exemplo, eu passei a minha vida inteira falando mal da minha mãe, reclamando da minha mãe por causa dos traumas que ela me causou. E por mais que eu soubesse que ela era uma mulher maravilhosa em muitos aspectos, eu fiquei muito amargurado, muito rancoroso. E aí, ao botar ela no papel, na primeira versão do roteiro, a minha mulher leu e falou – minha mulher é poeta e é editora literária, então ela é uma mulher muito sensível, muito artística -; ela leu a primeira versão do roteiro e falou “olha, é bom, mas falta poesia”. Fiquei meio irritado, né? Mas percebi que ela tinha razão. E aí fui pesquisar, fui reler o roteiro e pensei “por que ela está falando que falta poesia?”, e aí fui perceber que faltava realmente poesia, porque o meu retrato, o primeiro retrato da Malu, era muito árido, era muito áspero, era uma mulher muito dura, muito enraivecida. E faltava justamente o lado lindo dela, o lado exuberante, o lado da gargalhada contagiante, o lado da busca por justiça social, o lado insubmisso, o lado feminista, o lado bonito, o lado admirável dela. Fiquei muito no filho reclamando da mãe, sabe? Você culpa seus pais por tudo, né? E aí a segunda, terceira, quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, nona e décima versões, que foram dez versões desse filme, fui cada vez mais buscando a poesia, poesia, poesia. E a poesia desse filme acho que está justamente na beleza do olhar dessa mulher sobre o mundo, que é um olhar muito bonito, muito particular, muito revoltado, mas no melhor dos sentidos, no sentido de querer um mundo melhor. Fiquei até arrepiado. Então eu consegui me reencontrar com a beleza da minha mãe. E nesse sentido o filme foi muito curativo para mim. Mas repito, por buscar um filme melhor, não por buscar melhorar a minha relação com a minha falecida mãe, acabou que a consequência foi essa. Foi muito bonito esse processo.

Eu entendo que a escolha das três atrizes principais também é um momento, acho, importante, porque elas trazem muito dessa complexidade, dessa poesia para o filme. A atuação da Yara de Novaes é absurda. Eu queria entender um pouco como foi o trabalho, tanto com a Yara, quanto com a Carol Duarte, a Juliana Carneiro da Cunha, como funcionou para criar esse núcleo tão bem amarrado do filme?
Cara, eu concordo com você. As três são muito especiais e a Yara é um absurdo mesmo. A busca por essas atrizes foi uma busca que fiz por atrizes de teatro, que tivessem uma capacidade de se conectar com uma linguagem muito realista do cinema, mas que viessem do teatro, porque no teatro você se acostuma a trabalhar processo, ensaio mais longo. Isso é muito importante para mim. Em todos os filmes que eu faço, eu gosto de gente de teatro por causa disso, porque eu gosto de processo, eu gosto de ensaio. Não gosto de chegar na hora de filmar e descobrir o filme na hora. Em geral, tem muito pouco tempo. Eu gosto de ter tempo. E aí o processo com elas foi assim: três semanas de ensaio. Eu usei uma técnica que vem de Stanislavski, que passa por [John] Cassavetes, que é a de ensaiar muito as cenas do filme improvisando elas. Sem nunca decorar o texto. A gente lia a cena uma vez só, só uma vez, sem falar muito, sem ficar em neurose muito grande em cima do texto. Eu só lia uma vez, entendi a situação e aí partia para improvisar. Improvisar a cena algumas vezes até a gente entender que, se chegamos numa cena em que a gente poderia começar a decorar o texto porque a gente entendeu emocionalmente a cena, chegamos. Ótimo, então para, vamos para a próxima. E aí assim a gente foi, cronologicamente, cena um, cena dois, cena três, até a última cena do filme. Terminou esse processo, a gente parou de ensaiar, não ensaiamos mais. Eu dei uma semana para as atrizes decorarem o texto. E aí eu falei para elas “agora decorem mesmo, agora é para decorar, para vocês chegarem com o texto tinindo na cabeça”. E aí o que elas me disseram, que eu já vivi em outros curtas meus, outros processos meus, é que foi o texto mais fácil de decorar da vida delas, porque elas já conheciam o texto muito internamente. Elas sabiam exatamente o que estavam falando, só que aquelas eram as palavras ideais para dizer aquilo que elas já queriam dizer emocionalmente. E esse é o processo que eu acho muito bonito, que sempre funciona. Eu já trabalhei em várias longas como preparador de elenco, porque eu trabalhei assim e sempre dá certo. E aí na filmagem elas estavam muito preparadas, estavam muito prontas, estavam muito querendo fazer. Então foi uma filmagem que a gente fez 90% do filme em take um ou take dois. A gente não teve que repetir quase nada. A equipe era muito profissional, não errava nunca. Não consigo me lembrar de uma vez sequer que a gente tenha perdido o foco ou o microfone saiu, entrou em quadro. Não teve que repetir por causa desses problemas técnicos, nem teve que repetir por erro de texto. Só teve que repetir uma outra vez, porque eu queria que a atuação fosse mais fundo ainda, aí eu repeti algumas vezes. Mas só nas cenas mais dramáticas. O resto, cara, de verdade, a maioria foi take um ou take dois. Foi muito bom. Adorei ensaiar e filmar esse filme. Foi muito gostoso.

Você falou do Cassavetes. Ele é um nome que algumas vezes apareceu, inclusive em diferentes críticas, as pessoas relacionam o seu trabalho com o dele. Queria entender um pouco das suas referências; você mergulhou em outros filmes que falavam de famílias, de problemas familiares, já tinha um arcabouço ali de coisas que te inspiravam nesse mesmo universo?
Sim. As minhas inspirações principais para esse filme são Cassavetes, principalmente pela direção de atores dele, a forma como ele busca uma verdade muito crua, muito sem medo da emoção, forte. Foi Mike Leigh, pelos mesmos motivos que o Cassavetes. Acho que é um diretor muito próximo do Cassavetes no que ele busca, embora tenha uns filmes de época mais rebuscados, na arte e tal. Mas os filmes contemporâneos do Mike Leigh acho que têm muito a ver com o que estou procurando também. E num outro sentido, embora tenha uma estética muito diferente do “Malu”, também foi muito importante rever o [Ingmar] Bergman. O Bergman é um diretor que vi muito na minha juventude, quando comecei a querer ser cineasta e tal, nos meus primeiros anos de estudos. Fiquei um tempo sem rever. Quando comecei a escrever o “Malu”, comecei a ficar com medo de ser muito pesado. Ser um filme muito pesado, talvez alienar seu público por ser muito forte. E aí resolvi rever Bergman. Lembro que o Bergman era bem pesado. Vamos rever para ver como ele lidou com isso. Amigo… Depois de rever uns 10 filmes do Bergman, eu falei, posso fazer o que eu quiser. Posso ser pesado o quanto eu quiser. Eu lembro de um dia que fui ver um filme do Bergman. Esqueci agora o nome do filme. Fui ver um filme do Bergman que eu nunca tinha visto. Esse eu não revi, esse eu vi pela primeira vez. Eu acordei super cedo, acordei às seis da manhã, meio com insônia, e todo mundo dormindo na casa, minha filha dormindo, eu resolvi ver um filme do Bergman, mais um, eu estava nessa fase. Não tinha nada a fazer, né? Cara, antes do café da manhã, a Liv Ullmann já tinha sido estuprada, espancada, internada num manicômio. Caramba! É muito pesado, sabe? Então eu acho que isso foi muito importante para me dar liberdade, para me sentir livre, para falar de emoções profundas, e duras, e difíceis, sem medo de ser feliz, e acreditando que o público ia aguentar, ia se conectar com isso.

Sim. É curioso você falar isso, porque “Malu” tem essa coisa que é muito barra pesada, tem momentos que são difíceis, elas tocam ali em tópicos muito sensíveis, mas também tem momentos muito mais leves, que vão para esse lado de uma coisa bem humorada, que é essa poesia, eu acho que aparece também, e há uma beleza muito grande. Eu queria entender como você conseguiu chegar nesses processos, para também balançar um pouco entre esse peso e essa leveza?
Sim. A minha mãe era uma mulher muito instável emocionalmente e muito intensa, sabe? Então, o brilho dela, quando estava lá, quando ela estava no momento de brilho, era muito intenso, era uma luz muito fulgurante, que até ofuscava. Ela gargalhava, ela contava piadas, ela era carismática, ela me ensinava muito sobre arte, sobre política, sobre literatura, sabe? Então, era muito intenso, eu era muito maravilhado com aquela mulher que me ensinava tanto, que me influenciou tanto. Em compensação, quando ela estava mal-humorada ou raivosa, o que acontecia bastante também, também era muito intenso, era muito forte, era muito mal-humor, era muita raiva, era muita agressividade, violência mesmo. Ela nunca chegou a me bater fisicamente, mas ela tacava copo na parede aos berros, aos berros. Não era levantar a voz, eram os berros. Era descontrole, sabe? Então, essa intensidade toda dela, para bem e para mal, me contaminou muito na hora de fazer esse filme. Como eu disse, eu fiz uma primeira versão mais pesada, com o lado intenso mais para o pesado, e aí eu fui buscando “não, mas ela tinha esse lado intenso positivo também”. Então, eu fui tentando criar isso, essa dicotomia. De repente, você está gargalhando, dois minutos depois, você está jogando copo na parede.

Você falou um pouco dessa intensidade, eu entendo que também é uma experiência intensa expor essa experiência para o público, né? Queria entender um pouco se você ficou com medo, com receio de expor toda essa intimidade de uma forma tão verdadeira assim na tela?
Fiquei, fiquei. Muitas vezes eu tive muita dúvida se eu não estava expondo a minha mãe num lugar que ela, se estivesse viva, não gostaria, sabe? Eu tive muita essa dúvida, muito. E aí, uma pessoa que foi muito importante nisso para mim foi a minha irmã, que viveu essa história comigo, que viveu com a Malu, enfim. Foi traumatizada pela mãe também, né? Então, a minha irmã foi muito importante. Ela leu várias versões do roteiro, acho que não leu todas, mas leu quase todas. E eu sempre perguntava para ela longamente “mas e aí, me fala, o que você acha? O que você acha que a mamãe acharia desse roteiro? Está indo bem? Você acha que…”. A opinião dela foi um parâmetro para mim, porque ela, de vez em quando, sentia que estava um pouco pesado, mas, ao mesmo tempo “cara, é isso, nossa mãe era isso, vai fundo”. Ela me deu a maior força. No primeiro momento, eu tinha muito medo de, de alguma forma, desonrar a memória da minha mãe. Mas acho que quando eu fui encontrando essa poesia, essa gargalhada, principalmente quando encontrei o final do filme – que eu sou particularmente feliz com o final do filme -, aí eu entendi, quando encontrei esse final, que “não, tudo bem, eu estou fazendo uma homenagem, mostrando, sem medo de mostrar o lado difícil, mas mostrando muito do lado bonito também, está tudo certo, vamos fazer”. E aí eu relaxei um pouco, sabe? E hoje em dia, vendo a reação ao filme, como as pessoas se emocionam, não poderia estar mais seguro de que a minha mãe estaria orgulhosa do que eu fiz.

Sim. Você falou dessa reação do público e o filme tem feito um público e uma carreira internacional muito boa. Vocês passaram por importantes festivais. Recentemente, vocês foram super premiados no Festival do Rio. Eu queria entender um pouco como está esse momento de emoção, de estar exibindo o filme, de o filme estar sendo tão bem recebido?
Bom, como você pode ouvir pela minha voz, eu estou completamente rouco de tanto gritar anteontem no Festival do Rio. Quando a Yara ganhou a melhor atriz, eu gritei muito. Quando eu ganhei o melhor roteiro, eu fiquei mudo, porque fiquei muito emocionado. Mas quando a gente ganhou o melhor filme, aí que minha voz foi para o caramba mesmo, porque, nossa, eu gritei muito, era inacreditável, realmente inesperável. A gente esperava, não vou mentir para você, a gente esperava que a Yara ganhasse a melhor atriz, porque se ela não ganhasse a melhor atriz, realmente a gente ia fazer uma revolução [risos], a gente ia botar fogo no [Cine] Odeon, porque ela merece muito. Então a gente queria muito que ela ganhasse a melhor atriz, a gente estava muito nessa expectativa. Mas todo mundo conversou e falou assim “olha, a gente não vai ter nenhuma expectativa de ter nenhum outro prêmio fora a Yara, porque é muito difícil, a gente não sabe, cada júri é um júri, a gente não tem como saber o que eles acharam do filme, é possível que nem a Yara ganhe, então vamos baixar as expectativas e o que vier é lucro, se vier mais algum além da Yara, a gente vai ficar muito feliz”. Caraca, ganhou a melhor atriz coadjuvante para as duas, depois ganhou o roteiro, ganhou o melhor filme, a gente não acreditou, realmente foi uma surpresa muito grande, uma emoção muito grande, como já tinha sido uma emoção enorme quando a gente soube de Sundance, faz quase um ano já, acho que foi em dezembro que a gente soube que a gente ia para [o Festival de Cinema de] Sundance, quando eu soube eu comecei a chorar, porque a emoção, é a seguinte, não é pelo glamour, entende? Tem gente que eu acho que talvez queira ir para os festivais pelo glamour, tapete vermelho, tomar champanhe na Croisette, em Cannes, eu sinceramente não tenho muito isso não, já fui para a Veneza com um curta meu, acho tudo uma bosta, fui super mal recebido em Veneza, era um curta-metragista, então curta-metragem lá e bosta é a mesma coisa, eu não vejo muito esse glamour do tapete vermelho como uma coisa que me atraia tanto, sabe? O que realmente me atrai de verdade é porque você passar por um festival desses é muito bacana, primeiro porque você mostra o seu filme para pessoas diferentes, de outro lugar do mundo, e pessoas muito cinéfilas, os festivais sempre tem gente muito apaixonada por cinema, então é um público muito bacana de mostrar o filme e ter um retorno dessas pessoas, sabe? Mas principalmente porque o maior pavor do cineasta, acho que isso é o mais importante que eu quero sublinhar, o maior pavor de um cineasta não é nem não conseguir fazer seu filme, porque você acaba conseguindo, se você realmente perseverar, mais cedo ou mais tarde você acaba ganhando um edital, ou na pior das hipóteses você até faz um filme com um celular, mas você faz. O maior pavor é você conseguir fazer um filme e não ter para quem mostrar. É você ter todo o trabalho de anos e anos da sua vida, o sangue que você dá, o trabalho gigantesco é que conseguir fazer um longa-metragem e aí você não conseguir nem lançar no cinema, mostrar só para cinco amigos em uma sessão na televisão da sua casa, ou conseguir finalmente entrar no cinema depois de anos e ter mil espectadores. Aquela sala com três pessoas na sala, esse é o pavor de um cineasta. Então quando você entra em Sundance, automaticamente a primeira coisa que vem à minha cabeça é “Uau! Muito mais gente vai assistir o filme por causa disso”. Eu fiquei muito feliz com isso, eu chorei quando eu soube que eu tinha entrado em Sundance.

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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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