texto por Paulo Pontes
Muita coisa mudou do Knotfest Brasil 2022 para a edição 2024 (inclusive o batera da atração principal — também conhecida como “Banda do Eloy”): mudou o ano, mudou a quantidade de dias, mudou de local (mais de uma vez), mudou set list para os shows do Slipknot, mudou configuração de palco… Coloca na conta também a demora para liberação do line-up e horários dos shows e temos um combo que, no mínimo, passa aquela sensação de “vai dar merda isso aí!”. Quer saber? Não deu. Mas não dá para dizer que o Knotfest Brasil 2024 não teve problemas.
O festival capitaneado pelo Slipknot deu as caras no Brasil num 18 de dezembro histórico de 2022 – um domingo! Na ocasião, 12 bandas intercalaram seus shows em lados opostos do Sambódromo do Anhembi (das 12, duas retornaram para a edição 2024: Project46 e Black Pantera — além do Slipknot, claro!). Naquele domingo, o sol estava trincando e a temperatura se manteve lá em cima durante todo o evento. Na edição 2024, que aconteceu no Allianz Parque nos dias 19 e 20 de outubro, por outro lado, chuva — especialmente no sábado.
Nas imediações do estádio, enquanto os portões se abriam, a capa de chuva se tornou protagonista. Ficou nítida também a diferença entre os públicos dos dois dias do festival. Se no sábado, boa parte de quem chegava era, em sua maioria, uma galera acima dos 30, no domingo foi possível avistar muitos adolescentes (e crianças acompanhadas dos pais). Essa diferença pode ser facilmente explicada pela escalação de cada um dos dias, já que o domingo priorizou algumas bandas que se tornaram fenômenos e referência pra um público mais jovem.
Dentro do Allianz, a primeira banda a se apresentar foi a Eskröta, que manda um thrash metal / crossover com muita garra e qualidade. Aqui já entra um primeiro problema desse Knotfest: a estrutura do Maggot Stage, o palco destinado às bandas brasileiras (com exceção de uma atração que se apresentou no domingo). Comparado ao Knotstage (palco principal), o Maggot parecia mais um puxadinho, bem discreto ao lado esquerdo de quem estava de frente para os palcos.
Ok, a opção do festival de intercalar as bandas brasileiras com as gringas, dando a oportunidade para algumas delas tocarem logo antes da atração principal, por exemplo, foi acertada e, até certo ponto, corajosa, mas poderia ter sido com uma estrutura melhor. Tanto nas dimensões do palco quanto na qualidade do som. A opção passou uma vibe de que os 30 minutos destinados para cada uma das bandas nacionais (com um acréscimo de 10 minutos para Ratos de Porão e Black Pantera) serviria apenas para entreter o público enquanto rolavam os preparativos para o próximo show no palco principal. Volume mais baixo, problemas de mixagem, falhas técnicas (em microfones, guitarras, baixos, luz…) – praticamente todos os shows nacionais (Eskröta, Kryour, Eminence, Project46 e Ratos) sofreram com algo no sábado.
Independentemente dos problemas no Maggot Stage, todas as bandas se entregaram em seus 30 minutos. A Eskröta passou o recado com suas letras que falam sobre resistência e feminismo e colocou a galera na roda já cedo e na chuva (que foi e voltou durante todo o dia). O Kryour, grande promessa do metal naciona, mostrou muita técnica num melodic death metal de primeira. O Eminence teve um pouco mais de problemas técnicos com o som, mas não deixou isso abalar o show e manteve a adrenalina lá em cima. O Project46, que recentemente passou por mudanças de integrantes, também enfrentou problemas técnicos e ainda teve uma música cortada do set.
A coisa só foi melhorar mesmo no Maggot Stage no show do Krisiun, que conseguiu se apresentar com uma qualidade sonora satisfatória. E que show! Pesado, rápido, violento… o grande destaque entre os nomes nacionais no sábado, com certeza. Apesar de estar ligeiramente deslocado quando comparado à sonoridade de outras bandas do dia, o Krisiun conseguiu atrair a atenção do público.
Já no caso do Ratos de Porão, banda que tocou exatamente antes dos donos da festa, a apresentação teve outro desfecho inadmissível: os caras tocaram o show inteiro no escuro, e nem foi um tipo de protesto (poderia ter sido) pelos recentes apagões que acometeram a cidade de São Paulo (alô, eleitor, segundo turno tá logo aí, você certo!). O que rolou foi uma falha técnica das grandes. Em determinado momento, João Gordo mandou: “só porque ‘nóis’ é punk, ‘nóis’ tem que tocar no escuro?”.
Não bastasse o problema no palco, ainda teve gente reclamando do posicionamento político dos caras (é sério que em 2024 tem gente que não faz ideia do que vai encontrar num show do Ratos?). Ainda que tenha fechado a noite no Maggot, ou seja, tocado diante do público máximo, que já estava ali pronto pro show do Slipknot, o Ratos de Porão merecia mais respeito pelo simples fato de ser uma das maiores instituições da música pesada nacional. Dito isso, bora dar uma passada geral no que rolou no Knotstage.
Quem abriu os trabalhos no palco principal foi o Orbit Culture, banda sueca que fez sua estreia no Brasil com um death metal melódico com a já conhecida qualidade que o país tem no estilo. Uma grata surpresa pra quem não conhecia os caras. Na sequência, veio a atração de longe mais deslocada de todo o lineup desse Knotfest: Dragonforce. O power metal melódico ultrarrápido do grupo até que deu uma animada nos fãs e tal (rolaram até versões pra músicas de Celine Dion e Taylor Swift), mas, no geral, foi o show mais fraco do Knotstage.
O que falar do show do Meshuggah? Peso e técnica impecável. Ver os caras no palco é uma experiência única, que poderia ter sido ainda mais hipnótica caso tivessem tocado à noite. Nas duas primeiras músicas, “Broken Cog” e “Rational Gaze”, aparentemente o vocalista Jens Kidman teve alguns problemas de retorno, mas que não atrapalharam de forma alguma a performance vocal entregue pro público. Showzaço! Pela recepção que o Meshuggah recebeu dos presentes, não deve demorar muito pra eles pintarem novamente por aqui (que assim seja).
Acostumado a ser um dos protagonistas em diversos festivais europeus, o Amon Amarth entregou no Knotfest, às 17h30, um show digno de headliner (taí uma banda que poderia fechar, por exemplo, uma noite num Bangers Open Air — “antigo” Summer Breeze Brasil). Dotada de todo um visual e temática na pegada viking, os suecos foram impecáveis nas 12 músicas do set. Rolou até a já icônica participação do público na “remada viking” durante “Put Your Back Into the Oar”, momento em que parte dos presentes sentaram no chão e simulam remadas em um barco viking. O momento pode até parecer caricato (um bando de marmanjo liberando seu “viking” interior), mas vale muito pela festa e mostra como o público abraçou a banda.
Vou te falar uma coisa: daria pro Amon Amarth ser a penúltima banda do Knotstage com facilidade, viu?! Não que o Mudvayne, que estreou em terras tupiniquins, tenha feito um show ruim (tudo bem que a voz do Chad Gray está triste), mas foram poucos os momentos em que a banda realmente levantou o público (que a essa altura poderia estar ansioso pela atração principal? Talvez). O frenesi rolou mesmo nas duas últimas músicas, “Happy?” e “Dig”, e só.
Era chegada a hora, então, dos donos da bola entrarem em campo. Antes mesmo dos mascarados subirem ao palco (com certo atraso, o primeiro e único do dia — parabéns à organização por isso), os gritos de “Eloy, Eloy” tomaram conta do estádio. Fato curioso é que, nos dois dias de Knotfest, foi possível avistar camisetas estampadas com o rosto do baterista (devidamente mascarado) e, no lugar do logo do Slipknot, a frase “Banda do Eloy”. E ele foi um dos grandes destaques da noite, como já era esperado. Como “maltrata” seu kit de bateria, puta que pariu!
Na primeira noite, o set list do Slipknot foi um grande apanhado de sucessos que a banda acumulou em seus 25 anos de carreira. Rolou de tudo: “Wait and Bleed”, “Before I Forget”, The Devil in I”, “Duality” e “Spit it Out”, entre outras. Típico show pra ninguém botar defeito. Eloy foi ovacionado em diversos momentos, não era pra ser diferente. Vale mencionar que, na atual turnê, os mascarados têm priorizado uma temática mais próxima dos primeiros anos da banda, por isso o palco está até mais simples que o habitual, sem fogos e com os membros da banda (exceto por Eloy, Sid Wilson e Jeff Karnowski) todos à frente e muito mais próximos uns dos outros.
No geral, o saldo do sábado foi mais positivo que negativo. Apesar dos problemas técnicos e da estrutura do Maggot Stage, o primeiro dia do Knotfest 2024 mostrou a força do metal nacional. Mesmo com dificuldades, as bandas brasileiras entregaram shows intensos e cheios de energia. No Knotstage, o peso das apresentações e a aguardada performance do Slipknot, com Eloy Casagrande brilhando na bateria, garantiram uma noite inesquecível. Bora pra maratona do domingo.
Às 10h30 da manhã a fila no entorno do Allianz já era bem maior que a do dia anterior. Também ficou clara a diferença geracional entre os dois dias. Muitos adolescentes e jovens chegaram cedo pra ver de perto bandas artistas como Poppy, Babymetal (a quantidade de camisetas da banda circulando pelo estádio era absurda – não à toa, elas lotariam a Audio com 3 mil pessoas na segunda-feira seguinte), Bad Omens e, claro, Slipknot.
A abertura no Maggot Stage ficou a cargo da The Mönic, banda paulistana que faz um rock bem honesto e que empolgou geral. Alguns problemas técnicos no som, como as guitarras que estavam bem baixas e magrinhas no início do show, foram resolvidos durante a apresentação demonstrando que a produção estava mais ligada pra resolver as falhas que rolaram no dia anterior. No geral, todas as bandas que passaram pelo Maggot no domingo tiveram uma qualidade de som melhor do que no sábado.
Após 30 minutos de The Mönic, foi a vez da Poppy subir ao palco principal. A cantora veio acompanhada por um competente trio que mandou muito bem, cada um em seu instrumento. A Poppy se tornou rapidamente um fenômeno da música pesada, com uma mistura muito interessante de estilos. Um ponto negativo na apresentação é a quase nula interação da cantora com a plateia e o uso excessivo de backing tracks (além de alguns playbacks aqui e ali), que deixam o show com um tom quase que artificial. Mas isso não incomodou em nada quem foi ao Allianz pra conferir a cantora.
Lá no Maggot, às 14h, o público teve a oportunidade de conferir de perto uma das mais promissoras bandas da música pesada nacional, o Papangu. O grupo formado em João Pessoa traz uma sonoridade que mescla algo de rock, metal progressivo, MPB e música nordestina. Tudo isso com uma técnica absurda e uma alternância nos vocais que dá ainda mais dinamismo às músicas. Foda! Se você ainda não ouviu o disco novo dos caras, “Lampião Rei”, ouça (e leia o entrevistão com eles aqui no site).
Se tem uma banda que encaixaria perfeitamente num horário mais próximo ao do headliner essa banda é o P.O.D. Uma palavra resume bem a apresentação dos caras no Knotstage: incendiária. A banda apresentou quatro músicas do seu mais recente álbum, o excelente “” (2024), e também priorizou clássicos como “Boom”, “Southtown”, “Youth of the Nation” e “Alive”. Pela recepção do público, comparada à que rolou no show do Mudvayne, por exemplo, o P.O.D poderia facilmente tocar mais tarde, já à noite, até mesmo no sábado. Que voltem logo pro Brasil.
Hora do Korzus representar o Brasil lá no Maggot. A banda nunca decepciona em cima do palco. É energia pura e thrash metal de primeira, executado com maestria por caras que têm bagagem de sobra nas costas. Foi um show curto, com apenas seis músicas, e totalmente focado em dois discos, “Ties of Blood” (2004) e “Discipline of Hate” (2010).
Sabe aquela porrada de camisetas do Babymetal circulando pelo Allianz? Então, exatamente às 16h foi hora dessa galera ir à loucura com a banda japonesa, que estreou em solo brasileiro de maneirai bombástica. Foi, de longe, a melhor resposta da plateia até então no domingo. Até a galera das arquibancadas cantou cada uma das músicas, inclusive em japonês. Foi surpreendente. Goste ou não, o Babymetal é um fenômeno que tem feito com que várias crianças e jovens entrem no universo do metal. Isso por si só já é uma baita conquista.
Única banda gringa a se apresentar no palco Maggot, o Seven Hours After Violet traz como atrativo o fato de ser a nova banda de Shavo Odadjian, baixista do System of a Down (que foi avistado por algumas pessoas curtindo o festival na pista no sábado). O que chama atenção no grupo é a impressionante extensão vocal de Taylor Barber, que consegue transitar entre o limpo e o gutural com uma desenvoltura excelente. O único momento que era pra ser bem interessante, mas no final foi um pouco caótico, rolou quando Shavo chamou ao palco o baterista John Dolmayan, seu parceiro de banda no S.O.A.D, para tocarem juntos a música “Prison Song”. Acontece que só os dois pareciam saber o que estavam fazendo, já que Taylor estava completamente perdido no vocal, assim como o guitarrista Alejandro Aranda. Ou seja, um cover ruim, com 50% da banda original.
Enquanto aguardam um retorno do Rammstein ao Brasil (também estou ansioso por esse show), os fãs da banda alemã tiveram que se contentar com uma apresentação da banda solo do vocalista Till Lindemann, que entregou um puta show interessante, com algumas bizarrices aqui e ali (como já era esperado) e muito metal industrial. A banda de apoio entra na onda do estilo “diferenciado” do vocalista, acompanhando Till nas performances extravagantes e ousadas. No telão ao fundo do palco, uma única palavra: “Censored”, teria a banda sofrido censura pelas imagens que costuma exibir nos telões? Se considerarmos boa parte do público presente (como disse, tinha bastante crianças e adolescentes na plateia), pode ser que sim.
Após o show maluco de Till, eis que Eloy Casagrande aparece no palco Maggot. Calma, não era o próprio Eloy, mas sim uma estampa do batera, aos 12 anos de idade, na camiseta da vocalista Emmily Barreto, do Ego Kill Talent. Puta sacada, ganhou o público já na vestimenta. Já tinha falado sobre como o show da banda é foda quando tive oportunidade de assistir a apresentação na abertura do Evanescence em 2023. mas vale reforçar a qualidade das composições e a potência do vocal da Emmily.
O Bad Omens, lá no Knotstage, transformou um palco relativamente simples em um verdadeiro espetáculo visual. Muitas luzes, fumaça e um instrumental de peso deram o tom do show de um dos maiores nomes da música pesada na atualidade. A grande surpresa da noite foi a entrada de Poppy no palco, que se juntou à banda para cantar “V.A.N.”.
Lá no Knotfest Brasil 2022, o Black Pantera, escalado no line-up de última hora, foi responsável por abrir os trabalhos logo pela manhã, tocando para um público relativamente pequeno. Agora, no Knotfest 2024, a banda fechou os trabalhos no Maggot, tocando exatamente antes dos donos da festa e pra um público gigante. Uma conquista e tanto pra uma banda que já é uma das grandes no cenário da música pesada nacional, que traz uma importante mensagem de combate ao racismo. E eles entregaram um puta de um show foda, com direito a muita interação com a plateia, mosh, luzes de celulares iluminando todo o estádio. Enfim, o público realmente se conectou com os caras e ficaram muito bem aquecidos pro que estava por vir.
Pro seu segundo show no fim de semana, o Slipknot preparou um setlist que foi um prato cheio pra quem acompanha a banda desde o início. Corey Taylor deu a letra logo no início da apresentação: “Somente nesta noite, vocês não vão ouvir sequer uma música composta depois de 1999”. E assim a banda fez, entregando um show totalmente focado em seu primeiro disco, com algumas faixas que posteriormente entraram em versões bônus do álbum homônimo. Pra quem foi nos dois dias de Knotfest, foi muito legal conferir dois setlists distintos, com poucas músicas presentes em ambos.
Agora, quem foi apenas para a segunda noite — e não é fã de carteirinha e tal —, pode ter saído decepcionado com a ausência de clássicos, como “Duality”, “Before I Forget”, “Psychosocial” e “The Heretic Anthem”, só pra citar algumas. Por outro lado, foi a oportunidade de conferir de perto a banda tocando músicas que não entravam no setlist há anos e que nunca foram tocadas no Brasil, como “Eeyore” e “Scissors”, que fechou a noite com direito a um breve (mas matador) solo de bateria de Eloy Casagrande.
No fim das contas, o Knotfest Brasil 2024 reafirma sua relevância como um dos maiores festivais de metal do país, mesmo com os altos e baixos. Entre performances memoráveis e problemas técnicos, o evento deixou claro que ainda há ajustes a serem feitos, principalmente no que diz respeito à estrutura dos palcos. Mas uma coisa é certa: a energia do público, a resiliência das bandas brasileiras e a potência de nomes internacionais garantiram um festival que vai ficar na memória de quem viveu os dois dias intensos de música pesada no Allianz Parque.
TOP 5 SHOWS DO KNOTFEST 2024, POR PAULO PONTES
01 – Slipknot (Dia 1)
02 – P.O.D
03 – Amon Amarth
04 – Meshuggah
05 – Black Pantera (com Papangu na cola)
– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“. Todas as fotos por Flashbang / Divulgação