entrevista por Guilherme Lage
“Eles são chamados de ‘a voz da Grã-Bretanha’ há mais de uma década. Dois caras de Nottingham e um computador…”. É dessa maneira que Jehnny Beth apresenta o Sleaford Mods no primeiro vídeo abaixo, um duo que faz post-punk diferente. Por mais vaga que soe a frase, nela cabe muita coisa. Isso porque os sintetizadores até aparecem na música deles, mas o que realmente dá as caras são influências de música eletrônica e hip hop. No jeito de cantar, o vocalista Jason Williamson dá preferência a versos pouco convencionais e spoken word.
A atitude punk, essa sim, aparece nas letras. A música da dupla é daquele tipo que faz com que até o mais calmo dos pacifistas tenha vontade de sair distribuindo alguns socos na cara e cabeçadas nos dentes de alguns merecedores (você irá concordar com eles em alguns momentos dessa entrevista, inclusive). Mais que isso, qualquer cínico convicto abriria um sorriso por se sentir representado.
Foi essa atitude, inclusive, que garantiu à dupla fãs dos mais ilustres, como um dos pais do punk (e de quase tudo), Iggy Pop, que já cravou: “O Sleaford Mods é a melhor banda de rock n’ roll do mundo”. O duo, que tem em sua outra metade o beatmaker Andrew Fearn, é também extremamente prolífico. Pense bem: em 17 anos de carreira, a banda conta com 12 discos de estúdio.
O mais recente deles é “UK Grim”, lançado em 2023, que lida com alguns problemas bem característicos do Reino Unido na última década: corrupção, racismo, ódio, violência, porradaria e tudo o que os punks precisam realmente peitar. E por agora, a dupla ainda comemora os 10 anos do elogiadíssimo “Divide And Exit” (2014).
No papo abaixo, ele fala sobre o spoken word adotado nas canções, as colaborações com Perry Farrel e Florence Shaw (Dry Cleaning), o fã ilustre Iggy Pop e… trolls da internet: “Meio que sonho acordado de encontrar com uma dessas pessoas e meter a porrada nelas”, avisa Jason. Leia o papo e dê o play nos vídeos! Vale a pena!
Vamos falar um pouquinho sobre o “UK Grim?” Em uma letra você diz “In England nobdy can hear you scream” (Na Inglaterra ninguém te ouve gritar), e como alguém de fora do Reino Unido, isso me impressionou um pouco. Porque vemos as notícias e a Grã-Bretanha tem passado por algumas dificuldades nos últimos 10 anos. É isso mesmo que você queria transmitir com essa música em particular?Sim. Acho que foram uns 10 anos bem desapontadores, sabe? Muita gente passou por dificuldades, muita gente perdeu a vida. Vivemos em um estado de paranoia, de ódio, de segregação, de guerras culturais, a lista vai e vai. Temos vivido em uma espécie de cenário muito desorientador.
Outra música que chamou minha atenção foi “On The Ground”, por conta da instrumentação e, claro, da letra, porque parece que você está falando de alguma forma de “traição”…
É, ela é meio que baseada em “trolls”, sabe? Trolls da internet. Pessoas que ficam meio que te ameaçando. Mas também há muita imaginação e arte, meio que ficar sonhando acordado com essa coisa de se encontrar com uma dessas pessoas e meter a porrada nelas (risos), mas acompanhado de outras duas pessoas (mais risos). Tem muito dessas imagens de violência e ódio. Essas coisas são meio que aspectos importantes dos últimos 12 anos na Inglaterra e imagino que deve continuar assim por um longo período.
Vocês fizeram muitas colaborações nesse álbum, como Florence Shaw (Dry Cleaning) e Perry Farrell. Como essas colaborações rolaram?
Perry entrou em contato com a gente e imediatamente dissemos sim, ele é uma pessoa muito interessante e, claro, a música dele fala por si só. Já com a Florence, nós conversamos com ela em 2021 e ficou muito claro que era tudo muito bom, pensei que soaríamos muito bem em uma música juntos (nota: assista ao clipe abaixo).
Algo que sempre chamou minha atenção na sua música é que ela tem vários elementos, não é só punk rock, ainda que esteja bem presente ali. Isso me faz pensar que se uma pessoa ouve somente punk rock, então ela não é punk, é uma conformista.
Esse ponto é muito bom, concordo totalmente. Porque essas pessoas normalmente se tornam as pessoas que eles pensam que desprezam. Eles fazem regras e pensam que é isso mesmo, que eles mandam, então se tornam o tipo de pessoa que dizem odiar, com mentes fechadas, esnobes, elitistas.
Vocês vêm ao Brasil em novembro, quais suas expectativas para o show?
Eu não sei (risos), acho que a expectativa é não ter expectativa! Estou, na verdade, é muito surpreso que as pessoas gostem da gente no Brasil (risos). Eu tento não parecer surpreso, mas ao mesmo tempo não sabemos o que vai acontecer. Mas às vezes fico pensando: como vai ser? As pessoas vão aparecer para ver a gente? É muito empolgante, na verdade. Estamos querendo muito que chegue logo.
Vocês também estão celebrando o décimo aniversário do “Divide and Exit”. E eu vi esse vídeo do Iggy Pop lendo a letra de “You’re Brave” e ele disse que se identifica com essa música. Como é ter uma pessoa como ele curtindo e citando a sua banda?
É incrível, fantástico. É o maior elogio que poderíamos receber, porque é o Iggy Pop, sabe? Ele estava nos Stooges. E ele inventou quase tudo, é um estilo muito inacreditável de música, então, você não pode não ver isso como o maior elogio de todos.
E quando o assunto são as suas influências, eu vi que você gosta muito de black metal e outros tipos de música que são muito extremos. Como você consegue incorporar esse tipo de som na sua própria música?
Eu gosto muito da segunda onda de black metal do meio dos anos 1990. Se você ouvir, não é tão extremo quanto outras bandas, soa como música minimalista e muito boa! Você consegue sentir essa estética quase que um pouco mais “artificial”. Acho que muita coisa ali é brilhante, principalmente os vocais. Se você gosta de música minimalista, aquela primeira onda de black metal norueguês é algo muito novo. Gosto da originalidade daquilo, como as pessoas amavam tanto metal que queriam transformar aquilo em algo que significasse algo para eles, empurrar o gênero para frente. E é isso que o black metal é para mim também. Eu gosto muito de gêneros em que as pessoas fazem isso. Gosto de pessoas que fazem algo fora da caixa, por assim dizer.
As suas letras fazem muito sentido para os brasileiros, porque mesmo que sejamos de culturas e países diferentes, todos nós experimentamos os mesmos problemas políticos de um jeito ou de outro. Acha que é por isso que as pessoas no Brasil estão com tanta vontade de vê-los?
Não sei, mas espero que sim. Espero que as pessoas se identifiquem com a música. Era meio que o lance quando o “Spare Ribs” saiu, tínhamos muito interesse pela América do Sul. Então, se esse é o caso, que as pessoas se identificavam com a gente, então é fantástico!
Uma coisa que acho muito interessante sobre a sua banda é que às vezes é difícil para as pessoas assimilarem esse tipo de música que não tem guitarras e baixo, que é o formato mais simples de uma banda normalmente. Você acha que esse tipo de música que usa instrumentação diferente é sempre interessante para você?
Sim. Se é bom, é bom, não importa realmente o formato, se é uma banda ou alguém com um laptop, sabe? Eu só estou interessado em música boa, na verdade. Eu acho que às vezes quando as pessoas conseguem se sobressair e meio que cair fora das tendências mais comuns, isso me interessa muito. Eu acabo gostando muito dessas pessoas, mesmo que a música delas não seja lá isso tudo às vezes.O que é bom, é bom.
O Sleaford Mods é uma banda muito prolífica quando o assunto é lançar música. Quase todo ano vocês têm algo novo. Isso é normal para vocês? Meio que “estou em uma fase muito criativa e preciso soltar esse disco logo” ou há sempre algo novo a dizer em cada disco? A vida muda muito rápido e vocês precisam traduzir isso em música?
Eu concordo em certas partes, sim. Não é necessariamente uma necessidade de dizer algo, mas nós meio que dizemos, acho. Ao mesmo tempo, tocar ao vivo é nossa principal fonte de renda, então nós precisamos continuar criar músicas novas para continuar tocando ao vivo e fazer isso é bem melhor que ficar tocando sempre as músicas velhas, sabe? Esse é realmente o nosso negócio.
E como letrista, o que realmente te inspira a escrever? Literatura? Claro, o mundo ao seu redor, é uma grande fonte de inspiração. E você também usa “spoken word” e esses diferentes métodos. Estou curioso: literatura te inspira de alguma forma?
Na verdade, não. Eu sempre achei que conseguiria meio que colocar mais as coisas para fora e na música se eu fizesse spoken word. Eu conseguiria enunciar mais, explicar melhor. Porque normalmente estamos muito confinados a parágrafos em uma música. Então você tem, sei lá, provavelmente só umas 12 frases ou versos, tem a parte do meio que são umas quatro frases, e depois o refrão, que normalmente é duas ou três frases. Então não são muitas palavras, né? (risos). Chegou a um ponto em que estavam acontecendo tantas coisas na minha vida e percebi que aquele método de fazer música não ia ser o suficiente, então foi aí que comecei a pensar na ideia de spoken word, na ideia de monólogos, de escrever páginas cheias de coisas. E comecei a fazer daquele jeito.
E como estão vindo para o Brasil, algum artista ou banda brasileira que você curte muito?
Acho que não, desculpe (risos). Não é que eu não goste da música que o seu país tem a oferecer, é só que eu talvez não conheça muito sobre ela ainda. Mas estou muito ansioso para ouvir tudo que rola por aí
– Guilherme Lage (fb.com/lage.guilherme66) é jornalista e mora em Vila Velha, ES.