texto de Luiz Mazetto
Prestes a desembarcar no Brasil para seu primeiro show solo no país, que acontece em São Paulo, no próximo dia 12 de novembro, o guitarrista e vocalista Jerry Cantrell voltou definitivamente ao peso em “I Want Blood” (2024), seu quarto disco solo. O trabalho chega cerca de três anos depois do mais tranquilo e relaxado “Brighten” (2021), que, como o nome indica, era um álbum mais “claro” e contava com uma forte pegada de rock setentista e country/folk, que se mostrou especialmente bem-sucedida em faixas como “Atone”, “Brighten” e “Had to Know”, mas deixou um pouco a desejar no pacote completo.
Apesar do trabalho de Cantrell ser muito marcado pelos riffs lentos e arrastados, essas influências mais melódicas e até um pouco mais psicodélicas também estão presentes em outros momentos da sua carreira solo e até mesmo no Alice in Chains – basta pensar nos ótimos EPs acústicos “SAP” (1992) e “Jar of Flies” (1994), lançados antes e depois do trabalho mais pesado da banda, “Dirt” (1992), e no próprio “MTV Unplugged” (1996), sem contar “baladas” soltas em discos, como “Heaven Beside You”, do disco autointitulado de 1996, e “Your Decision”, de “Black Gives Way to Blue” (2009), primeiro trabalho com William DuVall nos vocais.
Se levarmos a questão para a carreira solo do guitarrista, os seus primeiros lançamentos, “Boggy Depot” (1998) e “Degradation Trip” (2002), permitem até traçar um paralelo com os mais recentes “Brighten” e “I Want Blood”, no sentido que “Boggy” e “Brighten” trazem um som mais aberto e com influências diversas, enquanto que “Degradation” e “I Want Blood” nos levam para viagens por alguns dos momentos mais pesados da carreira de Cantrell, comparáveis talvez apenas à obra-prima “Dirt”, ainda que os dois tenham seus momentos de calmaria, com destaque para “Solitude” e “Angel Eyes” no trabalho de 2002 e para “Echoes of Laughter” no mais recente.
Assim como em “Brighten” e “Boggy Depot”, o novo disco traz uma verdadeira constelação de músicos de peso contribuindo para trazer ao mundo a visão única de Jerry, incluindo a dupla ex-Dillinger Escape Plan, Greg Puciato (vocais) e Gil Sharone (bateria), o amigo de longa Duff McKagan (Guns’N Roses) e os lendários Mike Bordin (bateria, Faith No More) e Rob Trujillo (baixo, Metallica), que também gravaram o épico “Degradation Trip” – na época, a dupla também era responsável pela “cozinha” da banda solo de Ozzy Osbourne, um entrosamento que fica evidente no disco.
Desde a abertura de “I Want Blood” com o primeiro single “Villified”, já fica claro que a história é bastante diferente agora em relação ao disco anterior. Com um riff principal que se repete até atingir um efeito hipnótico, a música possui um refrão intenso e poderia muito bem estar em um dos últimos três discos do Alice in Chains. O ritmo continua forte com “Off the Rails”, que traz um lick de guitarra interessante na abertura e mantém a mistura bem-sucedida de groove com peso e dobras nos vocais, uma de suas marcas registradas.
A sequência de abertura de alto nível é mantida com outro single do álbum, a ótima “Afterglow”, que também remete a muitas músicas dessa fase pós-2005 do Alice in Chains. Ainda que com uma pegada mais rock e menos arrastada, a faixa-título “I Want Blood” mantém o pique do disco, com uma linha de baixo que eu apostaria minhas fichas que foi gravada por Duff McKagan e um refrão para ser cantado junto nos shows, muito possivelmente até mesmo daqui algumas semanas na Audio, em São Paulo, que marcará a quinta passagem de Cantrell pelo Brasil – as outras quatro vezes, em 1993, 2011, 2013 e 2018 foram todas com o Alice in Chains.
As duas faixas seguintes, “Echoes of Laughter” e “Throw Me a Line”, baixam um pouco os níveis de distorção, mas não das composições. Enquanto “Echoes” tem uma pegada mais acústica, ainda que conte com bateria, baixo e um belo solo de guitarra em sua parte final, “Throw Me a Line” é um rock mais lento e com timbres mais setentistas. Ou seja, são músicas que até poderiam estar no disco anterior, “Brighten”, do ponto de vista sonoro, mas que trazem um peso e uma profundidade emocionais que de certa forma estiveram ausentes no lançamento anterior.
Quando chegamos à trinca final do disco, que traz provavelmente as minhas músicas favoritas de “I Want Blood”, o peso domina de vez as ações. A começar por “Let it Lie”, com o riff mais pesado do disco todo e que poderia muito bem estar presente em um dos primeiros álbum dos conterrâneos do Soundgarden. A penúltima faixa, “Held Your Tongue”, abre apenas com os vocais de Jerry por pouco mais de 10 segundos, seguidos por um lead de guitarra que mantém o clima Sabbath e um refrão poderoso.
O fim de tudo fica por conta de “It Comes”, uma quase balada sorumbática na medida e que faz uma mistura extremamente bem-sucedida de tudo de melhor que “I Want Blood” – e o músico – tem a oferecer: um trabalho de guitarra impecável, uma levada arrastada e vocais dobrados na medida. Um final à altura de um dos melhores trabalhos solo do guitarrista e vocalista, talvez atrás apenas da versão dupla de “Degradation Trip”.
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!