entrevista de Bruno Lisboa
Uma característica pode definir Adrian Younge: a inquietude. Desde os anos 2000, o músico, compositor, arranjador e produtor californiano vem prestando justas homenagens a ícones do jazz, e por mais que seu trabalho tenha ganhado notoriedade no universo da música, foi no Direito que Adrian encontrou as diretrizes (ligadas a concentração e a pesquisa) que fariam com que ganhasse respeito e reconhecimento anos mais tarde.
Em 2017, Adrian Younge criou o Jazz is Dead ao lado de Ali Shaheed Muhammad (A Tribe Called Quest), do produtor de shows Andrew Lojero e de Adam Block. A ideia inicial era promover shows com ícones do jazz usados amplamente nos samplers de rap como Roy Ayers e Lonnie Liston. O próximo passo foi lançar discos e agendar turnês de nomes como o saxofonista Gary Bartz, que tocava com Gil Scott-Heron, até colaborar com brasileiros como Marcos Valle, João Donato, Hermeto Pascoal, Joyce Moreno e Azymuth.
Um de seus novos trabalhos é “Jazz is Dead 021 (Serie 3)”, coletânea que apresenta novas gravações analógicas de Ebo Taylor, Hyldon, Dom Salvador, Antonio Carlos e Jocafi, Carlos Dafé, Joyce e Tutty Moreno e The Midnight Hour. A Série 3 pretende apresentar, ao longo de 2025, um álbum completo de cada um dos artistas acima, todos gravados em Los Angeles, no estúdio do Jazz Is Dead. A coletânea 021 antecipa um single de cada álbum.
Adrian também foi corresponsável pela produção do novo disco da cantora Céu, a quem o artista considera como irmã: “Novela” (2024), o álbum em questão, foi considerado um dos melhores discos do primeiro semestre no Brasil, segundo a APCA.
Na entrevista abaixo, Adrian fala sobre sua versatilidade musical, a relação entre o Direito e o universo da música, a influência de Ennio Morricone, parcerias criativas, a sua relação com Ali Shaheed Muhammad, a predileção por gravações em formato orgânico, sua paixão pela música brasileira (de ontem e de hoje), o selo Jazz is Dead, planos futuros e muito mais. Confira!
Você esteve envolvido em tantos aspectos diferentes da música – compondo, produzindo, tocando. O que o levou a seguir uma carreira musical tão diversificada?
Minha música favorita é a música cinematográfica. Eu sempre quis criar música que movesse emocionalmente as pessoas, seja ou não em um filme ou programa de televisão. Então eu acho que esse foi apenas o caminho natural que segui.
Como sua formação em Direito influenciou (como advogado e professor) sua abordagem musical?
Ela me fez perceber que posso realizar qualquer coisa se me concentrar. Na faculdade de Direito tive que ler muito, e isso me mostrou que há muita informação nos livros. Peguei essa ideia e apliquei à leitura sobre teoria musical. Foi assim que aprendi a escrever para orquestras. Acabei comprando livros de notação orquestral e comecei a aprender sozinho. Minha formação educacional tornou isso mais fácil para mim.
Seu trabalho é inspirado principalmente em soul, jazz e trilhas sonoras de filmes / TV. Quais influências musicais moldaram seu som?
Comecei a ouvir Ennio Morricone no final dos anos 1990. Ele é uma das minhas maiores influências porque ele é psicodélico, funky e orquestral. Era tudo o que eu queria ser na época.
Você colaborou com uma ampla gama de artistas. Como você aborda as colaborações e o que procura em um parceiro criativo?
Só gosto de colaborar com pessoas que me inspiram. Quando encontro esse tipo de artista, penso no que está faltando em seu catálogo. Eu estudo o catálogo e tento preencher esses buracos com novas músicas. Isso me inspira a criar algo que eu nunca criei antes.
Seu trabalho com Ali Shaheed Muhammad em “The Midnight Hour” (2018) combina jazz, hip-hop e soul e funciona lindamente. Como vocês começaram a trabalhar juntos?
Eu era fã de Ali Shaheed antes mesmo de nos conhecermos. Eu conhecia seu trabalho no A Tribe Called Quest, bem como seu trabalho solo. Quando nos conhecemos, por volta de 2013, imediatamente pedi a ele para trabalhar comigo em “There is Only Now”, um projeto do Souls of Mischief que lancei. Ele adicionou sua personalidade única a esse álbum e eu amei sua energia… e também sua criatividade. Senti que nascemos para trabalhar um com o outro.
Falando em parcerias, como foi a experiência de trabalhar com artistas como Jay-Z e Kendrick Lamar? Como surgiram essas colaborações?
Com Jay-Z, Timbaland sampleou minha música, então nunca estivemos no estúdio juntos. Já com Kendrick, ele sampleou nosso álbum “Midnight Hour”, mas também trabalhei com ele em um álbum de Bilal que produzi. Ele é incrível. Um dos melhores.
Muitos artistas hoje se concentram fortemente na produção digital. Por que você escolheu enfatizar a instrumentação ao vivo e as técnicas analógicas em sua música?
Eu desprezo a gravação digital. Amo a maneira como os instrumentos orgânicos soam em fita analógica, pois é uma resolução total de som que não pode ser emulada digitalmente. É exatamente o que gosto de ouvir na música… Amo discos antigos e a gravação digital não pode emular isso caso você tenha ouvidos afiados como os meus.
Como você se mantém inspirado criativamente depois de trabalhar em tantos projetos diferentes?
Meu objetivo sempre foi me tornar um artista melhor. Quanto mais crio, mais me inspiro para criar música… é uma coisa estranha onde eu realmente me inspiro abrindo novos caminhos de criação, inspirados por quaisquer que tenham sido meus trabalhos / lançamentos anteriores.
Vamos falar sobre o Jazz Is Dead. Este projeto reuniu artistas lendários do jazz com um toque moderno e pessoal, criando uma ponte entre gerações. O que o inspirou a iniciar este projeto e como você aborda a mistura do jazz clássico com influências contemporâneas nessas colaborações?”
Eu sempre quis ter uma gravadora de jazz que gravasse música em fita analógica. Essa foi a maior inspiração para mim e para a equipe. Meu parceiro de negócios Andrew Lojero libera (juridicamente) e conecta os artistas com quem Ali Shaheed e eu trabalhamos e o resto é história. É uma sensação de sorte aprender e trabalhar com essas lendas vivas, mas algumas delas infelizmente não estão mais conosco: Tony Allen, João Donato e Ivan Mamão Conti.
Sua colaboração com a cantora brasileiro Céu reuniu dois mundos musicais distintos. Como foi o processo criativo durante a gravação com ela?
Ceu é como uma irmã para mim. Nós nos inspiramos e quando entramos no estúdio foi fácil. Ela já tinha uma infinidade de músicas escritas e Pupillo e eu tivemos que produzi-las. O amor no ar facilitou o processo para todos nós e fico sempre feliz quando alguém me diz que gosta do álbum. Foi um álbum feito com amor. Um álbum onde você pode sentir a amizade e a emoção.
Não é de hoje que a música brasileira teve uma influência profunda na cultura musical global, particularmente através de gêneros como bossa nova e samba. Como ela influenciou seu trabalho e há algum artista ou som brasileiro em particular que moldou sua abordagem de composição e produção?
Artistas como Marcos Valle, Dom Salvador, Arthur Verocai e muitos outros moldaram a maneira como vejo a música. Todos eles têm uma perspectiva única sobre a síntese do jazz negro estadunidense e da música brasileira. Sua singularidade é o que me inspirou, especialmente a incorporação de ritmos de samba.
“São Paulo”, outro de seus novos projetos, esse previsto para novembro, irá compilar várias facetas de seu trabalho com uma música inédita de uma série de álbuns futuros que você produziu para a Linear Labs. Será um disco com artistas de vários cantos do mundo (Snoop Dogg, Liraz, Samantha Schmütz, ALA.NI, Bilal e Laetitia Sadier) e o primeiro single, “Esperando por Você”, é uma colaboração com Céu, Luiza Lian, Antonio Pinto e Manu Julian. O que o levou a, nessa música, se concentrar especificamente em São Paulo e como você incorporou a vibrante herança musical da cidade?
São Paulo é, sem dúvida, minha cidade favorita no mundo e continua a me inspirar. Quando cheguei pela primeira vez em 2019, fui recebido por muitas pessoas e desenvolvi um profundo vínculo emocional com a cultura local. Mergulhei fundo na história da música de São Paulo e minha vida mudou. O álbum “São Paulo” é dedicado à cidade. Tenho tantos álbuns novos que é difícil contar, mas (além de “São Paulo”) destaco dois: “Something About April 3” e (o recém-lançado) “Jazz is Dead 021”, um álbum com Dom Salvador, Joyce & Tutti Moreno, Antonio & Jocafi, Hyldon, Carlos Dafé, Samantha Schmütz e muitos mais.
Para finalizar, como alguém que tem sua formação em música, cinema e cultura, para onde você vê o futuro da produção e consumo musical nos próximos anos?
Eu sou a pessoa errada para perguntar pois não sigo a música moderna. Discos antigos que nunca ouvi são a música nova para mim.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br