Três filmes: Ernst Lubitsch 1932, 1938, 1939

textos de Marcelo Costa

Título original: “Trouble in Paradise”, 1932
Título nacional: “Ladrão de Alcova”
Em Veneza, no começo dos anos 1930, um barão se apaixona por uma condessa. Ele é Gaston Monescu (Herbert Marshall), um vigarista mestre em golpes, e ela é Lily (Miriam Hopkins), uma batedora de carteiras profissional. Assim que ambos percebem as segundas intenções de ladroagem do parceiro, nasce um romance, e eles decidem partir para viver juntos e felizes (roubando) em Paris. Na Cidade Luz, Gaston furta uma bolsa com um valiosíssimo colar de pérolas de uma ricaça, a madame Mariette Colet (Kay Francis), que institui uma recompensa para quem devolver a peça. O próprio Gaston decide devolver, mas não por bom coração, e sim com a intenção de conquistar a amizade da madame, dona de uma grife de perfumes, e… deixá-la sem nenhum tostão. O plano, inicialmente, dá certo, com Gaston sendo contratado como secretário particular da madame, e, ainda, indicando Lily como auxiliar. O que ninguém contava nessa história era de que Mariette fosse se apaixonar por Gaston, e ele por ela, deixando Lily mergulhada em ciúmes. Impecável comédia romântica pré-código Hays, que instauraria a censura em Hollywood efetivamente a partir de 1935, “Trouble in Paradise” é (teoricamente) baseada em “The Honest Finder”, peça do dramaturgo húngaro que estreou em 1931, ainda que conste que Ernst Lubitsch teria pedido a seu parceiro roteirista, Samson Raphaelson, para nem ler a peça e se inspirar nas façanhas de uma pessoa real, George Manolescu, um vigarista romeno cujas memórias foram publicadas em 1905. O resultado é um filme divertido e ágil, muito pela química entre o trio principal. Era um dos filmes favoritos do próprio Lubitsch (que filmaria, no ano seguinte, outra comédia romântica deliciosa com Miriam Hopkins, “Sócios no Amor”), que não chegou a fazer um grande sucesso de público, e teria seu relançamento proibido em 1935 pelo Código Hays – e só seria liberado em 1968! Para a National Board of Review, “Ladrão de Alcova” é um dos 10 melhores filmes de 1932, tendo, ainda, inspirado Wes Anderson e Ralph Fiennes em “O Grande Hotel Budapeste”.

Cotação: ***1/2


Título original: “Bluebeard’s Eighth Wife”, 1938
Título nacional: “A 8ª Esposa do Barba Azul”
Na Riviera Francesa, um banqueiro norte americano se apaixona pela filha de um decadente aristocrata local. Ele é Michael Brandon (Gary Cooper), um daqueles homens acostumados a ter tudo que o dinheiro pode comprar, e ainda tentar comprar o resto. Ela é Nicole de Loiselle (Claudette Colbert, Oscar de Melhor Atriz em 1934 por “Aconteceu Naquela Noite”, de Frank Capra), que está numa loja de roupas querendo adquirir apenas a parte debaixo de um pijama enquanto Brandon quer a parte de cima – os funcionários, diante de um pedido tão inusitado (vender peças separadas de uma roupa), telefonam para o dono da loja, que, mesmo estando apenas com a parte de cima do pijama, recusa a venda pois fatiar o produto configuraria comunismo (1938, hein!). Inicia-se um flerte entre Brandon e Nicole, sendo que ele está curioso: para quem ela está comprando a parte debaixo de um pijama masculino? Quando descobre que é para o pai dela, Brandon inicia uma caçada romântica, que terminará em casamento… seu oitavo. Assim que Nicole descobre que ele teve sete esposas, trocando-as como se estivesse trocando de carro, ela inicia um plano de não consumar o casamento, mas viver com ele debaixo do mesmo teto, em quartos separados, o que irá transformar a vida de Brandon, cada vez mais apaixonado por ela, em um inferno. Primeira colaboração em roteiro de Billy Wilder e Charles Brackett (que assinariam 13 filmes juntos, entre eles “Bola de Fogo”, “Farrapo Humano”, “Crepúsculo dos Deuses”), “A 8ª Esposa do Barba Azul” fracassou nos cinemas, pois, aparentemente, para fugir das garras da censura, a dupla caprichou nos diálogos afiados de duplo sentido deixando o desejo sexual implícito, caçoando do poder do dinheiro enquanto fortalecia a imagem feminina, e tudo isso passou batido pelo grande público (que, no entanto, celebraria o encontro seguinte de Wilder, Brackett e Lubitsch, “Ninotchka”, de 1939). Ainda assim, mesmo sendo um filme menor na carreira dos três (e menos ágil que “Ladrão de Alcova” e “Sócios no Amor”) , “A 8ª Esposa do Barba Azul” é daquelas obras que flagram três mentes brilhantes em ação, e as escolhas deles merecem serem apreciadas com atenção.

Cotação: ***


Título original: “Ninotchka”, 1939
Título nacional: “Ninotchka”
Certo dia, perguntaram ao escritor e dramaturgo húngaro Melchior Lengyel, na beira de uma piscina, que história cômica poderia funcionar com Greta Garbo nos estúdios MGM. Ele não pestanejou: “Garota russa de saco cheio de ideais bolcheviques vai à uma Paris aterrorizante, capitalista e monopolista. Lá ela conhece o amor e se diverte muito. O capitalismo não é tão ruim, afinal”. Com base nessas três frases, Charles Brackett, Billy Wilder e Walter Reisch desenvolveram o roteiro de “Ninotchka”, um dos grandes hits de 1939, indicado a quatro Oscars – e, obviamente, proibido na União Soviética. Na trama, três funcionários patetas do governo russo estão em Paris para vender um colar que pertenceu a ex-grão-duquesa russa Swana (Ina Claire), que vive na capital francesa. Amante de Swana, o conde Léon d’Algout (Melvyn Douglas) diz que vai recuperar o colar, e no meio do imbróglio, diante da incompetência do trio pateta, o governo russo envia Nina Ivanovna “Ninotchka” Yakushova (Greta Garbo) para resolver o caso. O filme se arrasta até sua entrada em cena, no vigésimo minuto, mas basta Ninotchka surgir para que o filme ganhe alma. Na primeira parte, Ninotchka encarna uma bolchevique séria e crítica, com tiradas mordazes e, inevitavelmente, divertidas sobre o capitalismo. Na segunda, apaixonada não apenas por Léon, mas pelo estilo de vida parisiense, ela sorri, gargalha e diverte a audiência de uma maneira encantadora. Assim como em “A 8ª Esposa do Barba Azul”, Ernst Lubitsch conduz “Ninotchka” de maneira leve e delicada, valorizando diálogos e o sorriso de Greta Garbo, maravilhosa em seu penúltimo filme e sua última indicação ao Oscar de Melhor Atriz – ela perdeu a estatueta apenas para Vivien Leigh, por sua atuação em “E o Vento Levou…”. Porém, fica nítido que a dupla Brackett/Wilder ainda está desenvolvendo um estilo (que eles, principalmente Wilder, levariam a perfeição nos anos seguintes), e mesmo com momentos de brilho, deixam um buraco aqui e outro ali na trama. Nada que atrapalhe um filme delicioso.

Cotação: ***1/2

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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