Scream & Yell recomenda: Heberte Almeida apresenta seu segundo disco solo, “Fôlego”

entrevista de  Bruno Lisboa

Natural de Belo Horizonte, Heberte Almeida é um cantor, compositor e multi-instrumentista experiente, com quase 20 anos de estrada. Em seu currículo constam trabalhos como as residências artísticas “Mistério Negro” (2023) e “Poéticas do Morro” (2020), os quatro discos com a respeitada banda Pelos, em que qual atua como guitarrista e compositor, mais “Ruas e Rios” (Projeto Manobra) e colaborações com Nobat.

Heberte também assina a trilha sonora do longa “No Coração do Mundo” (2019) ao lado de Kim Gomes e Robert Frank e é co-autor da canção “Azul”, presente no premiadíssimo “Marte Um” (2022), longa dirigido por Gabriel Martins – inclusive, Martins e Almeida tem um projeto conjunto, a banda Diplomattas, cuja proposta é celebrar a música negra em suas mais variadas vertentes.

Quatro anos após seu primeiro disco solo, “Negro Amor” (2020), Heberte volta a cena com “Fôlego” (2024), gravado no estúdio Ilha do Corvo por Leonardo Marques e com as participações especiais de diversos artistas da cena mineira como as cantoras Elisa de Sena, Michele Oliveira e Anna Lages como também do rapper Shabê Furtado, que participa da faixa “Em Paz com o Meu Tempo”.

Liricamente, “Fôlego” aborda tanto as dificuldades do cotidiano quanto se valem de reflexões otimistas. Na conversa abaixo, Herbert fala sobre suas origens musicais, as semelhanças e diferenças entre “Fôlego” e o seu primeiro disco, os desafios de se dedicar a vários projetos musicais, o caráter otimista de suas composições e muito mais. Leia abaixo!

Em “Cútis”, faixa de abertura de “Fôlego”, você faz menção a artistas diversos como Fela Kuti, Itamar Assumpção e Curtis Mayfield. Tais referências me remeteram a seguinte pergunta: quais foram os artistas que fizeram a cabeça do Heberte, ao ponto de que você decidisse percorrer o caminho da música artisticamente?
Penso em alguns marcos na minha formação como ouvinte. Épocas e discos que me apontaram o caminho da música. Quando era criança me lembro de ouvir discos do Fundo de Quintal e do Raça Negra. Ali pelos 12 anos eu fui profundamente impactado pelo Racionais, especialmente quando escutei “Fim de Semana no Parque”. Na sequência, eles lançaram “Sobrevivendo no Inferno” (1997), que é meu primeiro álbum da vida. Já na fase da faculdade enveredei pelos universos do Milton, do Radiohead e surfei a onda do indie rock da primeira década dos anos 2000. O “Back To Black”, da Amy Winehouse, me fez retomar um contato com a soul music, um som que se ouvia nas festas da minha família e nos bailes black que rolavam no Aglomerado da Serra (maior conjunto de vilas e favelas de BH). E da Amy pra frente eu saquei Charles Bradley, Sharon Jones, Frank Ocean, Lianne La Havas, voltei ao Cassiano e estou entrando cada vez mais na obra do Gil e Jorge Ben.

Quatro anos separam “Fôlego” de “Negro Amor”, seu primeiro disco solo. Quais são as diferenças e/ou semelhanças entre ambos os trabalhos?
“Fôlego” apresenta letras mais intimistas que dialogam com o ritmo mais cotidiano das coisas. As questões raciais tangenciam as músicas. A negritude está mais evidente ali no jeito de tocar, na divisão rítmica do canto e nas referências sonoras. Em relação à musicalidade há um esforço de criar uma unidade do trabalho pelos timbres, pela desenvoltura dos arranjos e por uma sonoridade quente e imersiva. Há neste disco uma presença marcante de instrumentos percussivos e de teclados. Encontrar o lugar da minha voz era outro desejo meu com o álbum. Já o “Negro Amor” é uma estreia, uma certa urgência. É uma compilação de sentimentos e reflexões sobre as minhas vivências de negritude. Letras que anseiam dialogar com as agendas contemporâneas e demandas coletivas com base nas minhas experiências. Um trabalho sobre memória, descobertas e términos. A diversidade musical caracteriza a semelhança entre os discos. Na minha visão, “Fôlego” é um álbum mais bem-sucedido no conjunto, no acabamento das canções e na relação interna entre elas.

Para além de sua carreira solo você se dedica às bandas Pelos e Diplomattas. Quais são os desafios inerentes a atuar em diversas frentes?
O grande desafio é a condução de processos criativos simultâneos. Eu invisto muita na energia na construção de um repertório novo. Às vezes faço três, quatro shows diversos num período de uma semana e é tranquilo tocar 50, 60 músicas diferentes por dias seguidos. Mas fazer dois álbuns ao mesmo tempo é extenuante.

Em “Fôlego”, a pluralidade de ritmos (do afrobeat ao rap) dialoga com letras que remetem ao cotidiano, suas belezas e desafios. Como foi compor o disco?
O repertório do disco espelha tanto a minha formação musical quanto a minha atuação como músico. Pelo desejo pessoal e por necessidade profissional aprendo a tocar ritmos diversos, em um exercício que se relaciona também com a busca de uma assinatura própria. Em 2023, para além das apresentações com a Pelos e Diplomattas, eu participei de uma residência artística que durou quatro meses e compus uma trilha sonora pra uma nova montagem de “Sortilégio”, peça de Abdias Nascimento. Ao mesmo tempo estava trabalhando no repertório do disco novo. Pelas manhãs eu me dedicava ao álbum, gravando e arranjando as músicas numa pré-produção caseira. As caminhadas e corridas me ajudaram a encontrar os temas e versos das canções. Assim que terminou a maratona dos outros trabalhos reuni a banda, realizamos quatro encontros musicais, e na sequência gravamos “Fôlego”. Diferentemente do primeiro álbum, dessa vez tive pouco tempo de ensaio com a banda. Entramos fresquinhos no estúdio.

Antes de adentrar de forma mais profunda quanto as participações especiais gostaria que você falasse sobre os feats com a Michelle Oliveira, Elisa de Sena e da Anna Lages, que contribuem em diversas faixas de “Fôlego”. Quais elementos foram fundamentais para se estabelecer o diálogo de vozes femininas para com a sua?
A Michelle é uma cantora fabulosa e parceira de longa data da Pelos. Queria contar com a voz potente dela, pensando que daria um contraste interessante, tendo em vista que a minha voz é soprosa, com muito ar. Num encontro que fiz na minha casa com a galera que iria gravar o disco, toquei “Poros” no violão e a Michelle emendou uma poesia. Essa poesia virou uma letra que entra no segundo verso desta música.

Em 2022, vi um show da Elisa, fiquei encantado pelas composições dela e a chamei pra participar do disco. Papo vai, papo vem, a gente chegou no assunto natação. Duas pessoas negras aprendendo a nadar depois dos 40 anos era um assunto e tanto. Dessas conversas nasce “Experiências Tardias”.

A Anna é uma amiga de mais de uma década. Fazíamos parte do Projeto Manobra. Ela gravou em algumas faixas pontuais do “Negro Amor”, e dessa vez eu queria contar com a voz dela no disco inteiro. Anna também é ótima instrumentista. Arranjou e gravou todas as percussões do “Fôlego”.

Para além de Anna e Michelle, “Fôlego” ainda conta com participação de Shabê Furtado, rapper veterano da cena mineira. Como se deu a conexão entre vocês?
Esta música é fruto da amizade e da maturidade da nossa parceria. Até o momento é a melhor música que fizemos juntos. Fiz um riff com um DNA funk soul e mandei pra ele. O Shabê está vivendo um auge criativo, produzindo e lançando vários álbuns nos últimos anos. Ele me mandou uma letra muito interessante sobre presença e contemplação. Fiz os versos e a melodia do refrão, devolvi a música e ele arrematou com o “Desacelera, Desapega, Desanima, não”. Achei foda demais e a música ficou pronta.

O disco tem produção, mixagem e masterização de Leonardo Marques, produtor que tem se consolidado com um dos melhores do cenário nacional. Como foi o trabalho junto a ele? Quais contribuições ele trouxe para o resultado final?
Trabalhar com o Léo foi extremamente prazeroso. É um cara super competente, paciente e que te dá confiança durante o processo. Ele tocou teclados em “Temporada” e “Estardalhaço”, colaborou na formatação das canções e na identificação das sonoridades mais interessantes e apropriadas pra cada música. A Ilha do Corvo é um estúdio belíssimo, muito bem equipado e com várias preciosidades. Tem uns timbres que só me parecem possíveis neste lugar. Tem uma magia ali.

Liricamente, suas composições refletem sobre o Brasil contemporâneo, abordando de forma agridoce as dores e alegrias da existência. Quais intenções você alimentou para com o público a partir do novo repertório?
No final de 2022, dei início ao processo do disco motivado por sentimentos de alegria e de esperança. Casei, aprovei um projeto de gravação de álbum, vibrei muito com a vitória do Lula e celebrei o Cruzeiro de volta à série A (risos). Êxtase total! À medida que fui compondo o repertório, os temas foram se revelando e às durezas batendo à porta. Penso que é um trabalho que carrega um tanto de entusiasmo e uma boa medida de sobriedade. Boa parte da população brasileira viveu um luto coletivo nos últimos anos, e precisamos acreditar muito pra conseguir atravessar as trevas que se impuseram. O futuro pode ser tenebroso, mas no presente é que dar pra gente se cuidar, fazer algo, ter saúde, produzir belezas, viver o que é bom e acumular forças.

Por fim, com disco novo no mercado quais são seus planos futuros?
O desejo é ultrapassar essas barreiras de distribuição de música e conectar com um público maior que possa viabilizar meu trabalho. Certamente é uma realização complexa, mas é uma vontade real e algo para o qual eu sigo batalhando. Como coisas mais concretas e imediatas eu tenho o interesse de me associar com algum selo, ampliar parcerias com artistas de outros estados e circular com o show novo.

–  Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br

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