Entrevista: Papangu volta com rock troncho e hermetocore no segundo álbum, “Lampião Rei”

entrevista por Alexandre Lopes

Depois de aparecer em diversas listas de melhores álbuns de 2021 – a exemplo das seleções do Scream & Yell e dos 50 melhores discos brasileiros da APCA – com seu debut “Holoceno“, a banda paraibana Papangu está de volta com novo disco, “Lampião Rei“, lançamento da Repose Records.

Diferente da produção pesada e sludge de “Holoceno”, “Lampião Rei” revela uma direção musical mais diversificada e nítida. Os dois primeiros singles, “Oferenda no Alguidar” e “Maracutaia”, indicam essa guinada para o ‘rock troncho’ e ‘hermetocore’ – termos que a banda usa brincando para descrever sua fusão do chamado zeuhl (gênero musical caracterizado por experimentações criado pela banda francesa Magma) com influências brasileiras, combinando a sonoridade de nomes progressivos como King Crimson com a herança de artistas nacionais aparentemente opostos, como Hermeto Pascoal e Sepultura.

A narrativa de “Lampião Rei” se distancia da alegoria faustiana de “Holoceno” e mergulha na vida do icônico cangaceiro brasileiro Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião. O álbum explora sua trajetória, desde o nascimento até sua ascensão como uma figura lendária e temida no Brasil. A primeira parte da saga culmina com a famosa decapitação de Lampião e sua tripulação em 1938, com a conclusão da história prevista para uma gravação futura. A capa do disco, criada por Eduardo Ver, complementa essa narrativa com um estilo de arte que evoca a literatura de cordel.

O novo álbum também apresenta a nova formação da banda: Rai Accioly (guitarra, vocais), Marco Mayer (baixo, guitarras, vocais) e Hector Ruslan (guitarras, vocais), contam agora com os irmãos Pedro Francisco (flautas, guitarras, percussão, vibrafone, Fender Rhodes, Clavinet, vocais) e Rodolfo Salgueiro (Fender Rhodes, Wurlitzer, Mellotron, piano, órgão, synths, triângulo, vocais) e o baterista e percussionista Vitor Alves. “Lampião Rei” também traz participações especiais de Philippe Bussonnet (ex-baixista do Magma), Marian Sarine (Deafkids), João Kombi (Test), Paulo Ró e Andrea P.

O processo de gravação de “Lampião Rei” foi realizado por Fernando Sanches com assistência de Rodolfo Duarte e Maiane Souza no Estúdio El Rocha em São Paulo, enquanto a mixagem ficou a cargo de Richard Behrens no Big Snuff Studio, em Berlim (Alemanha). A masterização foi feita por Andrea P. no MSTR Studio em Vicenza (Itália).

Com o novo repertório a tiracolo, a Papangu está se preparando para tocar na segunda noite do KnotFest, que acontece no Allianz Parque, em São Paulo, em 20 de outubro. O grupo dividirá o palco com nomes internacionais como Slipknot, Bad Omens, Till Lindemann, BABYMETAL, P.O.D. e Poppy, além de bandas brasileiras como Black Pantera, Ego Kill Talent, Korzus e The Mönic com Eskröta.

Em uma longa e exclusiva entrevista com Scream & Yell via Google Meet, os integrantes Marco Mayer e Hector Ruslan discutiram em detalhes o processo de composição, gravação e o conceito por trás de “Lampião Rei”, além do entusiasmo com o convite para tocar no KnotFest e muito mais. Confira a seguir.

Bom gente, primeiramente parabéns pelo disco novo, está muito bom. Já gostava do “Holoceno”, mas o “Lampião Rei” me conquistou ainda mais. O som está diferente, mais limpo em comparação ao anterior e mostra muito do show que vi da banda no Sesc Carmo (São Paulo, SP, em julho de 2023). Quanto tempo foi de preparação pro “Lampião Rei”? Vocês já tinham essas músicas na época do primeiro disco?
Marco: É meio complicado dar uma data certa para o tempo de fabricação do “Lampião Rei”, mas isso já estava sendo maturado desde o começo da banda. Em 2012, quando Hector, Nichollas [o baterista original que não está mais no grupo] e eu fundamos a Papangu, já havia uma ideia de fazer alguns discos sobre o imaginário folclórico do Nordeste. Apesar da parte musical não ter sido muito influenciada pela música nordestina na época, a gente tocava o stoner que sabíamos tocar, mas sempre pensando nessa coisa de ter crescido na Paraíba, em Pernambuco, e ter sido criado nessa cultura musical, sabe? A primeira ideia que a gente teve era de fazer um tal “monstruário do Nordeste”, um disco na linha do que o Secret Chiefs 3 (banda norte-americana que tem Trey Spruance, guitarrista do Mr. Bungle, como principal compositor) faz com discos temáticos, e também tentar algo parecido com “O Livro dos Seres Imaginários”, de Jorge Luis Borges. Ele tem uma enciclopédia de bestas mitológicas e a gente queria fazer um disco que fosse influenciado pelas lendas de grandes monstros do folclore nordestino. Mas aí, a gente viu que não tinha muito paralelo na música com o que o Cinema Novo havia feito, com a remitificação do cangaceiro. Vários filmes foram feitos sobre Lampião, mas faltava na música um paralelo que fosse bacana e sujão. O mesmo espírito vanguardista que você encontra nos filmes, não encontra na música. Talvez você conseguisse alguma coisa com o Quinteto Armorial, mas a proposta era diferente. Então naquela ideia, a gente já tinha uma música de aproximadamente 12 minutos de duração chamada apenas “Lampião”, que era algo meio… qual é mesmo o nome daquele mito grego do cara que vai no inferno buscar a amada e ela é levada embora?

Hector: Putz, eu sei que tem até uma saga dos Cavaleiros Zodíaco que copia isso aí…

Não tem relação com o Inferno de Dante não, né?
Marco: Não, isso aí tem a ver com… Orfeu! Então, era meio que a história de Orfeu descendo para o inferno na forma de Lampião para enfrentar o Diabo na encruzilhada. Mas pensamos que era um ‘prato muito cheio’ para a gente comer naquela época. Porque ainda éramos músicos amadores, não sabíamos exatamente como produzir, como compor… Então, meio que deixamos essa ideia guardada. Mas tinha uma outra coisa que juntamos depois, que é um riff que Hector fez. Esse foi literalmente o primeiro riff da banda e se tornou a melodia do verso de “Oferenda no Alguidar”. Então esse talvez seja o nosso material mais antigo, se você pegar por esse parâmetro. Fora esse riff de “Oferenda no Alguidar”, a primeira das músicas mais recentes foi uma que eu fiz chamada “Rito de Coroação”, que é a última faixa desse disco, e eu compus em aproximadamente dezembro de 2021. E é o único tema que eu fiz sozinho nesse disco. As outras vieram depois. “Oferenda no Alguidar” já está sendo tocada desde que a banda voltou enquanto entidade ao vivo em 2022, com a adição dos três outros membros da banda: Rodolfo, Pedro e Vitor. Hector sabe dizer melhor porque ele tocou ela mais ao vivo do que eu, mas ela é massa demais de tocar. Uma baita música. No Sesc Carmo ela foi fenomenal de tocar.

Hector: Sobre essa questão do tempo das composições, além do que Marco já falou, o que eu poderia acrescentar é que, a título de exemplo, isso me lembra também uma parada que o Frank Zappa fazia que acho que é xenocronia. Ele tocava um solo interessante ao vivo, e dali ele recortava um tema e elaborava uma música nova [em estúdio]. As coisas são meio repartidas no tempo, como o Marco falou; é difícil refazer a linha temporal, porque a melodia de “Oferenda no Alguidar” talvez tenha sido o primeiro riff da história da banda. Mas “Terra Arrasada” também foi uma das primeiras músicas e está no “Holoceno”, entendeu? A coisa fica guardada ali no nosso armário, e a gente pensa que nem sempre a hora de usar é agora. O nosso processo composicional é muito de paciência. Acho que ficamos buscando a ideia certa para quando chegar o momento certo, no contexto certo a ser usado. Mas tirando esse exemplo, eu posso afirmar que “Maracutaia”, que é uma canção de Rodolfo, é integralmente nova. “Ruínas” é uma canção de Pedro integralmente nova. E como Marco falou, “Rito de Coroação”, que é uma canção dele também, é nova também. A “Boitatá” é relativamente nova também…

Marco: Só um comentário a fazer sobre “Boitatá”: na verdade ela é meio que uma “Terra Arrasada parte 2”. Ela é baseada numa variação de um pequeno trecho de “Terra Arrasada”, que usamos como semente para fazer uma faixa completamente diferente.

Hector: E a “Acende a Luz”, que é a ‘prog epic’ do disco, não é algo antigo em termos de melodia e harmonia, mas a ideia dela surgiu com essa história que Marco falou lá atrás, de fazer uma uma história épica do Lampião. Então ela meio que talvez seja a sucessora espiritual dessa canção de 12 minutos que a gente tinha lá no começo, que era meio tosca, mas que agora virou essa beleza aí (risos).

E como é que vocês compõem? Vocês ficam gravando demos separadamente para depois mostrar à banda ou vão apresentando ideias pequenas tipo riffs? Ou esse processo não segue uma fórmula específica?
Marco: Eu não sei dizer se segue uma fórmula específica para mim, porque agora temos dois outros compositores na banda, que são Rodolfo e Pedro. No caso, eles compuseram as faixas deles de maneira individual, mas sentiam que cabia no espírito da banda. Eles utilizaram parte do mesmo vocabulário musical que se esperaria da Papangu, e trabalhamos os arranjos em conjunto para que tudo ficasse bem sintonizado e coubesse no disco. Mas são faixas que foram pensadas na estrutura do álbum, em uma sequência que fizesse sentido e que a história também fosse vinculada. Essas duas faixas de Rodolfo e Pedro são respectivamente “Maracutaia” e “Ruínas”… E também tem outra faixa de Pedro que é “Sol Raiar”. Essas três canções são, digamos, ‘side quests’ no disco; não são integralmente parte da história, mas seguem o mesmo ritmo de construção de mundo de “Lampião Rei”. Eu particularmente costumo compor sozinho, mas pensando em quem vai executar as músicas. Para a Papangu, eu faço os arranjos do zero pensando em quem é que vai executar cada parte, para usar melhor as qualidades de cada um dos músicos. E também quando consigo estar no Brasil, eu sou mais produtivo quando sento com Hector e Raí e a gente compõe junto. Acho que nós três conseguimos uma maneira meio que elétrica, de um olhar para a cara do outro e fazer alguma coisa que faça sentido. Na mesma hora a gente mata o conceito ou segue adiante. Teve um intensivo que a gente fez em 2021 ou 2022 que passamos entre uma semana ou uns dez dias com Hector na minha casa, quase todo dia, pra compor. E nessa tirada saiu “Acende a Luz”, “Boitatá”, terminamos “Oferenda no Alguidar” e também mais duas faixas que não estão nesse disco, mas que vão ser usadas em breve.

Hector: É exatamente isso, eu parto da mesma perspectiva. Tem coisas que eu vou fazendo aqui em casa, de demo. Tem um riff, uma melodia, que eu vou anotando e guardando nessa grande caixa. Mas acho que realmente o momento de catarse é quando a gente se junta, até mesmo dentro do estúdio para fazer o disco. A coisa é muito orgânica; faz daquele jeito, faz daquele outro, principalmente com a adição de Pedro e Rodolfo. Porque Pedro nunca vai tocar o mesmo solo duas vezes, sabe? Ele é totalmente avesso a isso, ele é da escola da música universal de Hermeto Pascoal, de Itiberê Zwarg. Então não tem como chegar para Pedro e dizer ‘toca isso’; ele vai passear na canção da maneira que ele achar pertinente naquele tempo. Rodolfo também tem uma comunicação com Pedro que é muito fluída, então é muito massa. Eu gosto de pensar que temos nossas pecinhas de Lego ali e vamos montando, mas quando a gente se junta é que a coisa realmente explode.

Marco: Só uma coisa para mencionar: Pedro e Rodolfo são irmãos, eles nasceram com dez anos de diferença, e o pai deles era um grande arranjador chamado Odair Salgueiro. Eles cresceram tocando juntos, então se você quiser pegar duas pessoas que tem uma comunicação musical instantânea, como se fosse telepática, são eles. Não sei se você lembra do show do Sesc Carmo, mas quando um solava, o outro respondia a mesma frase que ele fazia, mas harmonizando para cima! É muito bonito ver dois irmãos se comunicando através da música desse jeito. A gente tem muita sorte de ter ambos agora fazendo parte do nosso grande leque musical.

Tanto eles quanto o pai também são de João Pessoa (PB)?
Hector: Isso, o pai deles eu não tenho certeza do nascimento, mas fez carreira acadêmica primeiro em São Paulo, depois na Paraíba. Ele era professor da UFPB [Universidade Federal da Paraíba], do Departamento de Música. Um ponto que sempre acho que é muito foda de amarrar na cronologia da música paraibana é que Odair Salgueiro foi responsável pela produção e pela gravação do primeiro registro fonográfico do Jaguaribe Carne, que é um coletivo de música experimental avant-garde daqui. É meio que folk, meio que muita coisa. Vale muito a pena ouvir pessoas que passaram pelo Jaguaribe Carne, como por exemplo Chico César. Acho que até o próprio Zé Ramalho chegou a contribuir em algum momento. Mas o coração da coisa é formado por dois irmãos também, que são Paulo Ró e Pedro Osmar, e o primeiro registro fonográfico do Jaguaribe Carne teve o pai dos meninos gravando dentro de uma sala de concerto na UFPB e é um negócio assim que vale muito a pena ouvir. É uma grande influência pra gente também. E como que isso tudo se amarra, né? Essa cronologia da “música torta paraibana” com o Jaguaribe Carne, com Odair Salgueiro e com Papangu: Paulo Ró é um músico convidado em uma das nossas canções do disco. Pra gente foi uma honra fenomenal.

Ele tocou nesse último disco? Qual faixa? E qual instrumento ele tocou?
Hector: Ele tocou na “Ruínas”, percussão vocal e moringa.

E o que vocês acham que mudou e do processo de composição desse novo disco em relação ao anterior? Além de ter a questão dos novos músicos e etc…
Hector: Eu vou dar um exemplo prático e que foi um desafio para mim, mas que me colocou em um novo lugar musical e que me deixou extremamente satisfeito com o resultado, porque é algo que eu nunca tinha feito. Normalmente, nas outras faixas do “Holoceno” e das outras músicas que a gente tem, ainda não lançadas, eu sei exatamente o que vou fazer porque estava ali na hora de fazer as partes de guitarra ou de violão. Só que em “Maracutaia”, por exemplo, que é uma composição de Rodolfo, eu peguei a canção totalmente pronta feita no piano. E aí, Rodolfo apresentou a canção pra gente e eu nunca fiz isso, de receber uma canção composta no piano para que eu fizesse a guitarra em cima, saca? Eu construo a “argamassa da guitarra”’ para que depois a gente possa pôr outras coisas. Com “Maracutaia”, não; Rodolfo apresentou a canção no piano e eu disse: “caramba, que massa, eu agora vou fazer as guitar tracks de uma música que é piano-based”. Então eu gostei muito de poder incluir guitarra em uma música que não foi pensada originalmente para nascer naquele instrumento. Isso me colocou num aprendizado muito foda.

Marco: Eu também acho que o processo de agora foi muito menos intuitivo do que… eu não vou dizer “cerebral” porque eu não sou inteligente assim, mas quando fizemos o primeiro disco (“Holoceno”), não sabíamos quase nada de harmonia, nada de melodia, arranjo, um terço do disco foi feito no estúdio e o resto nos nossos quartos, com interface bem barata, sem saber exatamente 100% o que estávamos fazendo. Mas deu super certo, por mera sorte do destino. E agora temos três músicos que são as adições, uma nova banda. Gente que estudou em conservatório ou que, no caso de Rodolfo, vem tocando música de maneira profissional há 15 anos, no mínimo. Não só é um pouco amedrontador tocar com gente que sabe tanto de música assim, mas também nos incentiva bastante a tentar cobrir os pontos cegos na nossa formação musical e correr atrás do prejuízo. Então o material que estamos apresentando nesse álbum novo é mais complexo. Não só no termo técnico em si, do quão difícil é de executar, mas a harmonia é diferente. A gente tem que pensar na música de uma maneira um pouco diferente, não só na secura do riff e melodia, sabe? Isso aí é coisa que está no “Holoceno”… É muito reducionista pensar nisso para encarar qualquer música que vem nesse segundo disco. Apesar de ter feito o “Lampião Rei” com um pouco mais de esforço na maneira musical, nos sentimos muito mais soltos nessa formação nova. Porque agora temos a experiência de palco, de ter tocado não só em João Pessoa, mas também em outros estados. Isso dá uma liga diferente, dá uma confiança diferente na banda. E agora temos a experiência de já ter gravado dois discos. Acho que o fato de termos crescido juntos como músicos faz com que a gente encare as performances nesse e nos próximos registros que virão com muito mais confiança. Acho que é o maior aprendizado que tivemos nesse último tempo, não é, Hector?

Hector: Sem dúvida! Eu sigo as palavras de Marco, na questão de ser desafiador. A gente não tinha conversado sobre isso e nem combinado, mas já falei isso pra minha esposa em particular, no sentido de que da primeira vez que eu entrei no estúdio para tocar com Pedro, Rodolfo e Vitor (o baterista), eu fiquei: “caramba, eu tô intimidado aqui”, porque os caras são monstros. Eu pensei: “ah é isso, os caras estão jogando na Série A, eu vou ter que jogar na Série A também” (risos).

E como é que eles entraram na banda? Eles já eram amigos de vocês?
Marco: Brother, começou tudo quando eu fui morar fora. Eu já tinha tocado com Pedro uma vez, acho que em 2014. Pedro é um cara super novo, nasceu em 1997 ou 1998. E eu em 1994. Então sou quatro anos mais velho que ele, eu acho. Tocamos juntos uma vez num ensaio em 2014 no qual Pedro quis tocar bateria, eu toquei baixo e tinha um colega de Pedro que tocou guitarra e a gente fez simplesmente um ensaio de sopetão. Acho que Pedro conhecia minha banda na época e a comunicação foi legal, mas a gente nunca voltou a tocar junto. Até porque Pedro é um cara super ocupado. Mas eu o conhecia, sabia que ele gostava das coisas mais progressivas e tal, e sabia que ele também é um excelente baixista. E na hora que eu saí do Brasil, pensei: “pô, a gente precisa chamar um baixista pra me substituir nos shows…o único cara que eu conheço que conhece essas ‘proguerajem’ em João Pessoa é Pedro”. Aí eu falei com ele e disse: “ó, a gente tem esse material e tal, estamos precisando de baixista, tu topa? Quer ensaiar com a gente e ver como é que fica?” Aí Pedro topou, e eu pensei em chamar Rodolfo porque eu conhecia de vista, e falei: “ó, Rodolfo não tem interesse também não?” Aí os dois vieram para um ensaio. Ensaiamos eu, Hector e Raí quando a gente estava no Brasil, ainda nessa etapa de composição das faixas do segundo disco e fomos para o estúdio com Pedro e Rodolfo para dar uma passada nas primeiras faixas. Acho que a primeira que a passamos foi “Água Branca”, se não me engano, que é a segunda faixa do “Holoceno”. E aí teve uma batalha grande para achar um baterista em João Pessoa. Porque a Paraíba tem excelentes bateristas de MPB e excelentes bateristas de jazz, como o gigantesco Dennis Bulhões, que toca agora em Nova York com gente tipo Ari Hoenig, sabe? Dennis Bulhões é foda para caralho como baterista. E, além dele, tem bateristas de metal, mas achar alguém que consiga ser tão versátil no metal e nos ritmos nordestinos é meio difícil… Porque normalmente, quem estuda ou toca algum gênero nunca tem aquela polinização cruzada de um gênero para outro; ou o cara é “metaleiro da praça” ou então é jazzeiro MPB que vai tocar na banda de sei lá quem, sabe? E aí acontece que fui mandando mensagem para a galera e os caras dizendo: “não, não rola para mim tocar essas paradas mais prog” ou então: “não rola para mim tocar ritmos nordestinos, mas conheço esse cara” e mandaram o contato de Vitor e disseram o seguinte portfólio dele: “ele toca em todas as bandas de death metal daqui, você já deve ter visto, e ele também toca triângulo em grupos de forró pé-de-serra”. Aí a gente pensou “puta que pariu, esse é o cara!”. Eu já não estava no Brasil na época, mas mandei mensagem no WhatsApp para o Vitor, mandei para ele o disco e ele “beleza, vou ouvir aqui e aprender”. Aí eu sei que os meninos foram ensaiar com ele e Hector sabe dizer melhor como foi.

Hector: Ah, foi muito engraçado porque… Só vou voltar um passo, porque o “Holoceno” ganhou uma baita tração na internet, né? A gente sem divulgação, sem produção, sem nada, simplesmente na base de boas reviews de bons portais, e o negócio foi ganhando tração no Brasil e fora dele. O disco saiu em 2021, e estava muito ruim de show aqui em João Pessoa por causa da pandemia. Mas o disco foi girando bem, então a gente: “porra, agora vai ter que montar uma formação ao vivo com a saída de Marco e com a questão da bateria”, né? Nichollas, que era o batera original da banda, também foi morar na gringa. Então vamos expandir a banda e montar essa nova formação. E aí veio toda essa história que Marco acabou de contar, de trazer Pedro, Rodolfo e Vitor. Fizemos o grupo ali no famoso Zap [Whatsapp] e mandamos as canções, pedindo: “pô, faz isso, faz aquilo, manda vídeo, pá, pá e volta” e a gente marca o primeiro ensaio.

Cheguei lá com três outras pessoas que eu nunca tinha tocado na vida. Já tínhamos encontrado Pedro e Rodolfo, mas eu não conhecia Vitor pessoalmente. Nem Pedro nem Rodolfo nem Raí o conheciam, e a gente: “é isso, esse aqui é o novo baterista da nossa banda, eu não te conheço, mas vamos tocar”. E aí a coisa foi, bicho! Eu tenho até um trechinho gravado em vídeo desse primeiro ensaio que foi muito massa. Eu acho que a gente está tocando “São Francisco”, que é uma música do “Holoceno”, e foi muito foda, porque no primeiro ensaio Vitor já botou o DNA dele, que é uma coisa que a gente conversou com ele no grupo. “Bicho, a gente não quer que você copie Torstein [Lofthus]”, que é o batera norueguês que efetivamente gravou as faixas do “Holoceno”. “Bicho, ó, não é para você copiar, não adianta forçar. Você vai fazer o seu trabalho aqui. Bota teu sangue, bota teu DNA”. E tem umas partes que ele faz bem diferentes de Torstein, mas que fica muito foda ao vivo. Uma pegada mais suingada, mais groovada, ao passo que Torstein tocaria de uma maneira mais jazzística, e Vitor vai botar um molejo ali. Enfim, é muito massa, é muito interessante de ver. E além de ter ingressado na banda nessa maneira, meio de supetão, hoje nós somos todos absolutamente amigos. Ainda bem que deu uma liga muito forte. Não apenas musical, mas também pessoal. A gente se gosta muito, até porque nada é mais prova de amizade e convivência do que um monte de caba falando besteira dentro de um carro tendo que dirigir quatro horas de Petrópolis para Pouso Alegre em Minas Gerais… isso aí é o maior teste de amizade que existe, amigo! (risos)

É legal isso! Já toquei em bandas assim e é chato ter que aprender material anterior sem poder imprimir a sua interpretação naquilo. Já que vocês falaram da participação do Torstein, quero aproveitar e perguntar: como é que aconteceu a participação do Philippe Bussonnet, ex-baixista do Magma, nesse disco novo?
Marco: É uma longa história, mas em 2013 Philippe Bussonnet ainda era baixista do Magma. Na época ele tocou no Mimo, o festival de música internacional de Olinda (PE) com uma banda chamada Guillaume Perret & The Electric Epic, que é um quarteto de jazz fusion com uma pegada bem rock meio Rage Against the Machine, com saxofone cheio de efeitos. Guillaume Perret pegou uma infecção na mão numa piscina de um hotel em Brasília (DF), aí ele cancelou a participação dele no show, mas a banda já estava lá: Yoann Serra (baterista), Philippe Bussonnet (baixista) e Jim Grandcamp (guitarrista) tocaram o repertório todinho em trio, com a guitarra e o baixo substituindo o que o saxofone faria nas melodias e foi um showzaço do caralho. Não tinha tanta gente no show em Olinda porque foi bem cedo, acho que três da tarde, mas a banda botou para lascar, foi maravilhoso.

Enfim, nessa época eu já era obcecado pelo Magma, era fã desde antes do ensino médio, acho que tinha uns 13 anos quando eu descobri a banda. Tinha estudado várias coisas deles no baixo. E aí depois do show eu pedi pra falar com Philippe no backstage. Os seguranças não quiseram me deixar passar, mas aí ele interviu pessoalmente e me deixaram entrar. E aí eu fui lá no backstage, passamos uma hora e meia conversando, ele me deixando comer a comida do camarim porque eu estava faminto pra caralho (risos). E aí conversa vai, conversa vem, ele me deu o e-mail dele, disse: “ó, se você tá precisando de dicas para melhorar no instrumento, para estudar, só mandar uma mensagem para mim que a gente sugere umas coisas”, o que foi super massa um cara como ele ter oferecido a um pirralho de 19 anos um conselho desses, né? E aí eu fui bombardear ele com perguntas e a gente manteve uma relação de cordialidade via e-mail.

Acabou que eu fui visitar uma namorada, que na época estava morando em Paris, e aí eu aproveitei e consegui ver uns shows dele. Ele foi tocar com uns grupos de jazz lá, e nesses três dias aprendi muito; vi ele tocar, ele me ensinou umas coisas, toquei no baixo dele lá no Le Triton, em Paris (que é o clube onde o Magma normalmente grava os discos). Depois, ele mandou uma mensagem dizendo que ia tocar em um festival de avant-prog no sul da Alemanha, o Freakshow Artrock Festival em Würzburg, na Bavária, e eu conhecia o dono do festival e fui para lá… Enfim, a grande jogada foi que eu trouxe minha interface de áudio, mostrei as músicas [da Papangu] para ele e disse “Philippe, você quer tocar baixo nessas faixas? Você tá com tempo livre agora, que é a sua folga do festival…”

Hector: Olha o tamanho da armadilha! (risos)

Marco: Pois é, já cheguei com a faca e o queijo na mão. Entreguei na mão dele e obviamente ele cortou o queijo. Aí fui no Airbnb dele e trouxe um café da manhã pro bicho. Ele fumou uma carteira de cigarro, tomou o café… Sabe aquela tinta preta que absorve toda luz, que não reflete nada? Que foi objeto de um grande processo judicial na Alemanha? Vantablack eu acho… O café que o cara tomou era tipo isso, um óleo de carro usado. Aí ele tomou esse café, fumou o cigarro e foi lá aprender as músicas. E elas não são fáceis. Mas o cara pegou um pouco de imediato. “Acende a Luz” não é fácil, mas ele tirou essa música em meia hora, eu acho. Ele fritou naquele solaço que está no grande ápice no final da faixa. E se deu assim: foi meio que sorte e cara de pau, uma baita combinação que eu recomendo a todos. (risos)

Ele fez a gravação assim, em poucas tentativas, na tua frente?
Marco: Ele fez dois takes de baixo dessa música. Ele praticou um pouquinho, disse: “Marco, é o seguinte: eu vou precisar de uns vinte minutos aqui para aprender, fica aí, beleza?” Aí, 15 minutos depois vamos lá gravar. Fizemos duas vezes e ele matou tudo. Nossa, o cara é um gênio. E assim, fico super honrado de ter um dos heróis do meu instrumento colocar uma participação no disco, sabe? Um negócio que me deixou “humilhado” e também ciente do quanto sou sortudo.

E é engraçado que Marco também fez a ponte para a participação do Torstein na bateria do primeiro disco, não?
Marco: Exato, infelizmente acabei assumindo o papel de “assessor de assuntos internacionais” da banda! (risos)

Hector: Olha, justamente tudo que for para conectar o Papangu com a cena da música troncha europeia, o embaixador é Marco, não tem jeito! (risos)

Marco: Cara de pau, amigo. A cara de pau leva você para qualquer lugar!

Além da participação do Bussonnet, o que vocês podem me falar sobre essas outras participações no álbum?
Hector: Cara, primeiro eu vou falar do João [Kombi], que foi basicamente um grande propagador da palavra “papanguzística” no Sudeste, né? A gente saiu em turnê com eles e isso deu uma baita tração pra gente no Sudeste. O João e o Barata do Test são absolutos guerreiros da cena brasileira, uma das poucas bandas que você consegue contar nos dedos das mãos que já se apresentaram em todos os estados do território nacional. Tem essa admiração mútua, nossa com o Test e eles com a Papangu, mas a gente desenvolveu uma conexão além da questão musical e realmente nos tornamos amigos. E foi muito simples no sentido de falar: “a gente precisa chamar João para participar de alguma coisa desse disco”. E aí, através de João, nesse universo expandido do rock troncho e do Sudeste, a gente conheceu o Deafkids também. Trocamos uma ideia com eles na nossa última turnê em São Paulo e foi super legal, e quando a gente convidou o João para participar, a gente chamou o Marian Sarine também e foi uma coisa muito natural. Eu curto para caralho Deafkids e Marian é um músico talentosíssimo, um puta percussionista e a presença dele em “Oferenda no Alguidar” trouxe um suingue naquela metade da música que é muito massa. Toda vez que escuto, eu pesco uma batida nova que ele dá e eu acho muito foda. Além deles, temos o Paulo Ró, que veio aí para acrescentar vocalizações e percussão em “Ruínas”, como já falamos. Ficou muito foda, muito massa mesmo.

Vocês gravaram esse disco todo aqui em São Paulo, não foi?
Marco: Tivemos sete dias de gravação no estúdio El Rocha em São Paulo, sob a direção de Fernando Sanches. Fizemos alguns overdubs em João Pessoa e na Alemanha.

E o que vocês lembram mais dessa experiência aqui?
Hector: Café! (risos)

Marco: Excelente (risos). Tivemos a participação do imenso Fernando Yokota, grande fotógrafo do cenário da música, que trouxe um café que acho que foi o combustível responsável por 98% das performances do disco, com exceção das participações especiais que não estiveram no El Rocha nesses dias de gravação. Mas foi fantástico. O estúdio El Rocha tem uma sensação de casa de família, sabe? Pessoal super gente boa, extremamente detalhista e profissional no trabalho, mas fizeram a gente se sentir em casa durante esses sete dias. Realmente nos acolheram durante essa gravação. Não sei se é o caso para Pedro e Rodolfo, visto que eles têm bem mais experiência de estúdio do que a gente. Mas para mim, Hector e Vitor, foi a primeira vez que estivemos num estúdio top de linha. A sala tem um som incrível, você não tira um som de bateria em outro canto no Brasil que soe tão legal quanto a sala ao vivo do El Rocha. E o fato da gente estar no local com gente tão acolhedora, com uma qualidade profissional muito grande, acho que trouxe o melhor das nossas performances. A gente se sentiu super à vontade o tempo todo para executar música sem se preocupar com a parte técnica, sabe? Tudo ficou a par de Fernando, de Rodolfo Duarte e de Maiane Souza, que foram os dois assistentes de gravação nesses dias. [A mixagem ficou por conta de Richard Behrens no Big Snuff Studio, em Berlim, e a masterização por Andrea P. no MSTR Studio, em Vicenza]

Eu queria só perguntar qual é a versão oficial pro lance do Nichollas não estar mais na banda. Ele saiu porque foi fazer as coisas dele em outro país?
Marco: Ele foi se concentrar na cadeira acadêmica. Ele trabalha com engenharia de materiais e é um super pesquisador na área dele. Por isso, preferiu se concentrar na carreira acadêmica, mas ainda gravou uma faixa foda para caralho conosco que ainda vai ser lançada, que remonta aos primórdios da Papangu. É uma pegada super suja, super doom e maravilhosa. Foi muito massa poder tocar com Nichollas, e quem sabe ele não faz uma participação com a gente no futuro?

Hector: A gente tem um carinho enorme por ele. Graças a Deus nunca aconteceu da gente ter na banda nenhum tipo de rusga ou desentendimento. E é realmente isso: o cara simplesmente se mudou para a Europa e foi viver uma vida de cientista lá. Eu fiz um post no Instagram sobre o Knotfest e eu falo isso, que eu tenho um puta orgulho da carreira dele porque o cara literalmente é um cientista; o maluco é doutor em engenharia de materiais, velho! O bicho participa de congresso na Europa, na Alemanha, na França, sei lá, apresenta trabalho… Que porra, é muito massa que o cara tenha enveredado para essa área, sabe?

Marco: era o sonho de Bulma pro filho em Dragon Ball, né? (risos)

Qual é a idade de cada um de vocês da banda?
Hector: Eu tenho 30. Acho que até a entrada de Pedro e Vitor, eu era o mais novo. Mas acredito que eles são mais novos que eu. Mas o Marco vai falar porque lida melhor com dados…

Marco: Pela minha tabela de Excel aqui, Pedro é o mais novo; ele nasceu em janeiro de 1998. E Rodolfo é o mais idoso da banda: ele nasceu em novembro de 1988. E todo o resto da banda nasceu em 1993, 1994 ou 1997. Então a média de idade é 30 anos.

Quando vi vocês no Sesc Carmo, me pareceu que além do setlist com coisas do “Holoceno” e já adiantando algo do “Lampião Rei”, vocês abriram um certo espaço para improvisos. É isso mesmo? Vocês pretendem fazer esse tipo de coisa sempre?
Marco: Teve um show que a gente tocou em Campina Grande (PB), na última turnê no Nordeste, que na metade de “São Francisco”, em vez de tocar o improviso que a gente costuma fazer, a gente simplesmente tocou “Chameleon” do Herbie Hancock porque apareceu um cara que entrou no bar com a camiseta do Herbie, e a gente pensou: “ei, vamos tocar “Chameleon?”. E aí Vitor disse: “nunca ouvi essa música”, aí fomos lá no carro ouvir. Daí a gente foi no show e mandou “Chameleon” no meio da música para a surpresa dos metaleiros que estavam na plateia e para o grande êxtase do cara que estava usando essa camisa do Herbie! (risos)

Hector: Teve outro exemplo massa que foi no show de João Pessoa, dessa mesma turnê do Nordeste. O show que a gente tocou aqui na capital. Estávamos lá tocando, e aí Pedro fez: “pera aí gente, tô a fim de fazer um solo”. Aí ele vai lá no teclado de Rodolfo e ficam os dois lá fritando e a gente segurando o riff. É isso bicho, uma cena comum que você pode ver simplesmente alguém dizer: “pera aí gente tô afim de fazer um solo aqui”, aí o cara vai lá e faz! (risos)

Uma das coisas que eu achei muito foda e que também foi engraçado [durante o show] foi aquela música com aqueles franguinhos de borracha que você aperta e sai som. E essa música está no disco também, não está?
Marco: Na verdade o arranjo dela foi muito bem pensado, inclusive para os frangos de borracha. Mas é o seguinte: Pedro trouxe isso como influência do Fábio Pascoal, que é o filho e percussionista da banda de Hermeto Pascoal, e ele usa alguns instrumentos, digamos, não-ortodoxos de percussão, inclusive bichinhos de borracha. A verdade é que se você for analisar o som que esses bichinhos fazem, é absurdo porque você tem um instrumento de percussão com glissando microtonal. Ele não só emite uma nota, ele emite um pequeno acorde um pouco dissonante e ele reage de acordo com a maneira que você aperta. De certa maneira você tem um sintetizador analógico no formato de um frango, o que particularmente eu acho maravilhoso, e não precisa de energia [elétrica]. É excelente, você tem como usar e manipular isso para fazer um som percussivo muito foda, e ele reage pelo toque. Ele vai do pianíssimo ao fortíssimo, vai soltar uma nota diferente. E Pedro começou a usar isso no arranjo de “Maracutaia” nos shows e o frango ficou excelente também no estúdio. A gente gravou ele com um microfone condensador de vinte mil reais, com um preamp de dez mil reais num estúdio profissionalíssimo e o resultado ficou excelente.

A faixa que tem o frango então é “Maracutaia”, então?
Marco: Exato, de autoria de Rodolfo.

Hector: É engraçado essa coisa da galinha, porque agora eu dei de presente para Pedro um novo integrante, que é um porco. Em breve o porco vai estar aí também sendo visto como um mascote da banda. Mas enfim, essa parada da galinha de borracha foi muito engraçada, porque o pessoal já ficava comentando, na expectativa. Me lembro quando eu fui com Pedro, Raí e acho que Vitor também no programa do Thiago DJ, o Heavy Pero No Mucho, lá da 89 FM, A Rádio Rock de São Paulo. Aí o bicho perguntou pra gente: “rapaz, e que história é essa aí de que vocês tocam com uma galinha de borracha?” E eu: “que isso, já chegou aqui, velho?” (risos)

É engraçado também porque vocês gostam de Magma, de prog, de jazz e tal, que na teoria seria algo super cerebral, mas também tem essa coisa que dá uma quebrada na expectativa. O pessoal pode imaginar que vocês seriam músicos super sisudos, técnicos demais, mas aí vocês vêm com coisas assim e quebra essa imagem.
Hector: Tem um meme que achei muito engraçado que vi em algumas páginas tipo “Jazz Memes” ou qualquer merda parecida, que era tipo: “Jazz é música de seriedade” e aí também tem um cara fazendo um puta solo de scat singing, a coisa mais doida do mundo, e a galera se abrindo de rir, tá ligado? Eu acho que isso resume bastante. Uma coisa que eu sempre digo: o povo do rock velho, do metal, do rock pesado, do punk e do hardcore… Enfim, eu vejo que é uma galera que, às vezes se leva muito a sério e não deveria tanto. Eu acho que trazer esse movimento é legal para qualquer gênero musical. Se você ficar se forçando a fazer aquela imagem de “truezão” o tempo todo, a coisa fica meio boba, sabe? A gente às vezes entra em line-ups que tem bandas assim justamente de metal extremo e tal. No Abril Pro Rock (em Recife, PE), a gente tocou antes do Krisiun. Velho, eu fiquei assim: “será que os caras vão começar a jogar coquetel molotov aqui na gente?”. Mas porra, a gente não tem que ter essa preocupação. A gente simplesmente cresceu junto, a gente é muito amigo, eu, Marco e Raí. A gente fica trocando besteirol o tempo todo, e isso acaba refletindo na música. Não que a banda seja “Chacrinha”, não é isso que eu quero dizer. A banda é extremamente séria. Essa banda é parte da minha vida. Mas a gente não precisa se vestir com armadura de “ó, eu sou truezão”, entendeu?

O “Holoceno” já era um disco conceitual e cada faixa funcionava como um capítulo de um livro. O “Lampião Rei” segue essa mesma receita?
Marco: É um pouco menos linear do que o “Holoceno”. Esse disco foi pensado com uma linha do tempo bem clara, ele termina mais ou menos no ano 1920 e 1925, eu acho. A gente leu umas biografias de Lampião e tem um monte delas… Eu não vou dizer referências porque acho que isso é um negócio muito LetterBoxd, de ficar dizendo que sabe, mas há muitos paralelos com outras figuras e eventos históricos, que fizemos no álbum e que estão escondidos nas letras, nos nomes das músicas, mas que acho melhor não revelar porque acho que é coisa para o ouvinte que quer se perder um pouco mais, puxar alguns fios e ir descobrindo umas coisas. Mas se me perguntarem na lata eu vou dizer sim, só não vou ficar contando sempre. O disco começa com uma espécie de chamado mágico que remete a uma figura histórica que existiu antes do Lampião e que teve um fim parecido com o dele. E talvez essa figura tenha reencarnado na mãe do Lampião. Quando ele nasceu, pode ter sido feito um ritual, talvez satânico, talvez ocultista, que talvez também sirva como uma explicação histórica para todo o mal que foi feito com a população mais necessitada do interior nordestino, do Sertão, como uma resposta do povo aos males que foram cometidos por gente do governo, dos latifundiários. Mas “Lampião Rei” tem uma linha do tempo mais ou menos definida na maioria das músicas, e o resto também trata de outros temas que aparecem ao longo da história. Mas ele foi pensado como uma primeira parte de uma bilogia ou uma trilogia de disco sobre Lampião. Não necessariamente sobre Lampião em si, mas sobre a trupe dele, que iria desde a concepção até o fim trágico dele em 1938.

Hector: o fim do Cangaço, né?

Marco: Exato.

No “Holoceno” já tinha um pouquinho disso, né? Porque o personagem também era um cangaceiro. E no release do “Lampião Rei”, vocês estão falando que o final da biografia do Lampião pode ser explorada num próximo disco. Vocês já tem músicas para um próximo disco assim?
Marco: Temos duas músicas que já fizemos e falta polir, além de alguns outros esboços que ainda precisamos terminar de construir ao redor. Temos alguns riffs, algumas letras montadas, mas a gente prefere não falar nada mais sobre isso por enquanto.

Para o disco anterior vocês tinham lançado single, lyric video e tal. Vocês pretendem fazer coisas assim para esse disco também?
Marco: Pretendemos. Nós gravamos vídeos de duas faixas ao vivo que estão no “Lampião Rei” e elas vão ser lançadas quando o disco sair. Mas acho que não faremos clipe porque honestamente falta orçamento para fazer um clipe bem produzido. Sai bastante caro…

Hector: A gente tem uma visão artística mesmo da parada. A gente não quer fazer aquele clipe que é somente a gente tocando. Já conversei com Marco e a gente já foi atrás de fazer uma animação, ou com atores mesmo, com uma locação foda, um lugar legal, um enredo massa, com atores interessantes, atrizes e diretor…

Marco: Mas é isso, para fazer cinematografia massa também tem que encaixar com a estética da gente.

Hector: Perfeito, Marco. Uma fotografia foda, com tudo que tem direito. Mas aí bicho, para fazer isso, a gente precisaria ter um orçamento maior. Apoio de um edital ou algum tipo de fundo que investisse nisso. Não é a realidade agora. E para fazer algo que fosse só a gente tocando, que seja como, sei lá, essas gravações tipo KEXP, Live at the basement, que tem a rodo no YouTube, podemos fazer assim no estúdio foda tocando ao vivo, mas para gravar clipe com um fundo de 3D, CGI não vejo tanta graça. Mas ao vivo no estúdio com captação sonora foda vai rolar.

Pelo fato de nem todos os integrantes estarem na mesma cidade, talvez fazer um clipe com historinha fosse “mais fácil” de realizar, porém também seria custoso. De repente pode rolar com algum edital mesmo. Não acho que seria difícil de aprovar, porque tem uma questão tanto histórica como cultural. Vocês estão contando a história do Lampião…
Marco: A gente só acha que, às vezes, o fomento cultural é inacessível por muitas razões. Ou não é suficiente. Então fica um pouco difícil até para nós, que apesar de sermos músicos, temos carreiras profissionais paralelas, sabe? E arranjar o tempo que poderia ser gasto para realmente ir atrás de fomento cultural, poder realmente dedicar o tempo necessário para escrever uma proposta de projeto e acompanhar tudo isso, é um pouco difícil. Mas assim que a gente tiver o lançamento [do álbum], com certeza tentaria fazer algo super bem produzido, bem pensado, mas até o momento não.

O que vocês podem falar sobre como rolou o convite para o Knotfest?
Hector: Quando veio o dia de divulgação do line-up completo na internet, foi uma felicidade, uma catarse muito foda, muito massa. Inclusive de ver algumas bandas que a gente conhece lá também, como as meninas da Eskröta, que também vão tocar no domingo, dia 20. No dia que saiu, eu estava indo para um show lá no centro de João Pessoa para tomar uma cervejinha e comemorar. E aí as meninas da Eskröta me ligaram de vídeo no telefone e eu dentro do Uber, todo mundo gritando, comemorando. Foi muito massa. A gente está super animado e vamos mandar o nosso melhor no palco. É foda que a carga que a gente leva para esse show é, tipo, não é só sobre a gente; é sobre a música da Paraíba, do Nordeste, sabe? De estar ali do lado das bandas que a gente cresceu ouvindo, dos nossos amigos, das pessoas com quem a gente convive… É muito foda a galera depositar essa confiança na gente. Tanto da produtora do Knotfest como os daqui também, sabendo que vamos estar lá representando a galera, é um puta orgulho.

E o disco novo vai sair dia 6 de setembro pela Repose Records e agora vocês têm o suporte da Atonal Music Agency. Quem arranjou essas coisas todas, foi o Marco?
Marco: Exatamente. Infelizmente fui eu (risos). Foi o seguinte: estávamos há algum tempo tentando tocar aqui na Europa, porque tenho uns amigos que são promotores de casa de show por aqui. Outros amigos músicos disseram: “cara, o que é que vocês estão fazendo que ainda não vieram tocar aqui? É um público que seria super receptivo ao show e vocês têm a cara de vários festivais que tem por aqui. Vocês têm que dar um jeito de vir”. E cara, Estados Unidos sai muito caro para ir, porque tem visto, outras coisas. Europa obviamente tem uns custos altos, mas é bem mais fácil pelo detalhe que eu já estou morando aqui – o que já corta bastante investimento, porque a gente teria meio que um quartel general – e tenho amigos em Berlim. Então nessa ideia eu pensei: “beleza, somos uma banda independente e é um pouco difícil para a gente, sem ter experiência de tocar na Europa antes, simplesmente fazer uma tour do zero”. Então para podermos fazer alguma coisa, eu pensei em entrar em contato com as agências de booking, que normalmente chamam uma pessoa para marcar os shows e mandam já o calendário pra banda, facilitando o trabalho porque elas já têm um contato, já sabem quem é que organiza shows em tais cidades e tais países. Eles são o middle man [intermediário] que corta 90% do trabalho de marcar shows. Basicamente eles mandam para você tudo o que vai ganhar, as condições, hospedagem, alimentação e etc. E é isso, “quer tocar ou não?”. É difícil chamar a atenção de uma galera que trabalha com essas agências, porque normalmente elas têm um elenco bem reduzido e trabalham com quantidade relativamente diminuta de bandas. Mas de vez em quando, elas se interessam pelo som de alguma e querem levar o passo adiante, então depois de muito tempo mandando e-mail para um monte de gente, eu tive a resposta dessa agência. Então estamos nos planejando para fazer os primeiros shows na Europa com o apoio dessa agência, e um anúncio virá em tempo hábil. E vai ser bacana levar nosso som para fora do Brasil e representar nossa região para ouvidos que são igualmente receptivos.

Hector: Marco terminou com o gancho perfeito do que eu queria falar. É uma perspectiva pessoal minha; acho que a Europa tem mais tração para esse tipo de rock doido do que nos Estados Unidos. Além de ter a questão de, como Marco já falou, um nível de burocracia a mais nos Estados Unidos, eu acho que a cena lá do prog, do avantgarde, há muito mais bandas desse gênero. Só de pensar que hoje no psicodélico, stoner, enfim, esse tipo de onda que a gente pode surfar também é bem maior e bem mais abrangente nesse sentido na Europa.

É ruim também porque parece que o custo do visto para tocar nos Estados Unidos também aumentou muito, né?
Marco: Tá super caro viajar pra lá com música. Você tem que ser de uma banda de um porte bem grande. Tem que ter um caixa grande para poder valer a pena fazer uma tour lá. Sem contar que o risco para você tocar nos Estados Unidos é muito maior, porque normalmente você não vai conseguir um “soft ticket”, sabe? Aquela oferta fechada, que você vai ganhar tanto de dinheiro. É normalmente por ingresso e você tem que arcar com todos os custos de gasolina, acomodação, hospedagem, transporte, tudo. Ao passo que na Europa é de praxe eles oferecerem para você um teto, um sofá para você dormir e comida de qualidade para você recuperar as energias depois de passar dez horas no carro, sabe? É bem mais humanizado o tratamento a músicos na Europa do que nos Estados Unidos.

Tem muito músico em todas as partes do mundo falando que fazer turnê, tanto dentro do dos países como internacional, está cada vez mais caro e difícil. Como é que vai ser para vocês?
Hector: Cara, eu acho que um grande ponto que realizamos até agora para todas as turnês terem fechado a conta matemática e no sentido positivo é que a gente é organizado. Temos a cultura de planilhar tudo, fazer projeção de gastos, saber quanto cada um está investindo e quanto cada um precisa ter de retorno. Pensar em merch, em instrumento, em todas as variáveis: gasolina, manutenção de um veículo, quer seja ele locado ou próprio, todas essas variáveis que podem acontecer. E eu acho que isso nos ajuda bastante. Tem um cara de uma produtora que fez nossa última turnê do Nordeste e ele usou uma frase que eu tô repetindo para todo mundo agora: “banda em 2024 é orquestra”. É tipo como se tivesse levando uma orquestra para tocar, pelos valores de tudo; de dormida, de passagem… Enfim, é foda, é muito difícil. Claro, a gente está falando de fatores macroeconômicos e trazendo aqui para um aspecto muito próximo da gente, mas a melhor forma que podemos fazer é fazendo com que a coisa seja planejada. Acho que não anula os fatores macroeconômicos, mas pelo menos vamos com uma perspectiva um pouquinho mais balizada, sabe? E agora já temos algumas turnês no nosso currículo, então coisas que erramos na primeira vez já não fizemos na segunda, e assim vai. O aprendizado é constante. Como o Marco falou, a gente meio que já entendeu como fazer uma turnê no Brasil, então o próximo grande salto agora é ir para fora. Então é planejar para caramba, ter essa rede de apoio de amigos, de bandas, que consigam nos fornecer um local para dormir, comida, tentar fechar shows que não sejam bilheteria e cachê com a ajuda do booking… É isso…

Marco: E tinha outra coisa; o fato de ter começado a tocar shows apenas quando o cenário piorou em 2022, no pós-pandemia. Então meio que já crescemos nos calejando nesse cenário. Fazer shows é extremamente difícil e isso nos forçou a desde cedo a nunca dar o passo maior do que a perna. A gente é uma banda super cautelosa, sempre fazemos conta de tudo, planilha de tudo, para não errar. E se pudermos dar um conselho para qualquer banda independente que está começando é se atentar para isso, saber fazer conta de padeiro e planilhar tudo, porque eu acho que o cenário é super impiedoso para quem não consegue se organizar.

Hector: Sim, com certeza. E para finalizar, também é a prova de que levamos a banda numa extrema e absoluta seriedade e compromisso. É como o Marco falou: hoje a Papangu não paga nossas contas integralmente, todo mundo tem trampos por fora, e aí temos a consciência de até certo ponto investir na banda. Claro que com a perspectiva de retorno, para fazer a coisa gerar tração. Já se passou o tempo de anos 1980, 1990, começo do anos 2000, onde vinha um selo e dava grana na tua mão. Ninguém mais faz isso hoje, porque os caras fazem acordo de “vamos lançar o disco, tal percentual aqui”, mas de tipo “toma aqui a grana para tu financiar uma tour”… Isso é uma parada que simplesmente não existe mais. Então nós somos os nossos próprios produtores executivos. Então isso também gera um nível de responsabilidade exigida bem maior.

Falando em tour; além do Knotfest, quais os planos para próximos shows?
Marco: Além do Knotfest, estamos preparando alguns shows de lançamento do “Lampião Rei”. O anúncio virá em tempo hábil, mas por enquanto está na fase de planejamento. A gente só pode revelar depois e dizer que vão ter alguns shows especiais em sexteto, com a banda completa. E que pretendemos executar o “Lampião Rei” na íntegra.

Sendo assim, só para finalizar: tem alguma coisa que vocês acham que seria importante falar e que ficou de fora?
Hector: Acho que a parte da capa, que a gente buscou fazer um contraponto estético do primeiro disco. O “Holoceno” tem aquela coisa de parede de som, aquela produção massiva, o vocal mais enterrado. E a parte estética do disco é nesse sentido, que a capa tem muitos elementos e você vai ficar procurando coisas escondidas naquela imagem linda do Ars Moriendee [pseudônimo de Pedro Felipe, um artista e músico de Belo Horizonte, MG]. E o “Lampião Rei” vem como um contraponto disso; ele tem uma produção mais limpa, os vocais estão bem mais na tua cara, não tem essa produção “wall of sound”. A gente buscou uma estética sonora mais voltada para o rock progressivo, rock clássico e até mesmo no prog brasileiro, uma coisa meio Mutantes, essa parada que a gente curte. A gente sempre tentou evitar bastante a sonoridade do que chamam de “metal moderno”, que é aquela bateria com clique, metrônomo bem cravado. A gente buscou parecer algo tipo Black Sabbath gravando os primeiros discos ali nos anos 1970, uma coisa bem de banda de rock, que entra no estúdio e faz ao vivo. No “Lampião Rei” a gente tentou imprimir essa estética e gosto de pensar que conseguimos. E a capa traz isso; ela é bem mais limpa, tem aquele fundo branco com a xilogravura do Eduardo Ver bem centralizada, e aquela arte que busca remontar à tradição da xilogravura, a literatura de cordel e a literatura fantástica imaginária nordestina. Tem vários elementos na capa que, quando o ouvinte prestar atenção nas letras, vai sacar do que a gente está falando, vai fazer a conexão do enredo do disco com a capa e pensar: “uau, agora eu saquei porque que esse potezinho de barro está aqui”, entendeu?

Marco: Exatamente. Eu acho que o paralelo que a gente pode citar é que o “Holoceno” é talvez um disco de metal filmado à noite com uma câmera Super 8 e o “Lampião Rei” talvez seja um rock progressivo technicolor, mais digamos assim, Cinema Novo.

Vocês estão fazendo algum outro esquema como banda paralela ou algo assim? Ou nem dá tempo?
Hector: Da minha parte, não. De vez em quando eu toco um coverzinho para brincar aqui, sabe? Quando a galera chama para tocar um rockzinho, eu vou. Mas de banda séria para mim é só Papangu mesmo. Talvez algumas outras paradas que não casem com o estilo, por exemplo. Vitor esses dias falou: “ah vamos fazer uma banda de death metal, de thrash metal?” e eu disse: “vamos ver” e tal, mas é isso.

Marco: Eu tenho duas bandas de metal psicodélico aqui em Berlim, mas não é nada sério. Eu não componho nada nesse material, e é bem esquisito para mim tocar música que eu não compus. E sendo bem honesto, falta tempo para me concentrar tanto nessas bandas como me concentro na Papangu. Estou mais nessas outras bandas digamos para não perder o embalo e não ficar enferrujado. Se eu tivesse mais tempo, acho que adoraria fazer um disco solo. Eu tenho algumas composições que gostaria de gravar, mas é questão de tempo e dinheiro. No futuro, daqui alguns anos, se eu tiver condições melhores, eu faria um disco solo.

Lembro que quando fizemos aquela matéria sobre o “Holoceno” aqui no Scream & Yell, soube de alguns comentários do tipo “nossa, mas quem são esses caras dessa Papangu? Nunca ouvi falar. Eles não vão nos shows daqui de João Pessoa, quem são?” e fiquei sem entender. Eu acho que ficaria feliz se alguém da minha cidade estivesse chamando atenção por aí. Rolou algum problema explícito assim com vocês localmente?
Hector: Eu encaro essa visão da galera com naturalidade, porque o único de nós que realmente é bem mais imerso assim na cena pesada daqui é Vitor, porque ele tem outras bandas de metal extremo aqui. Ele tem banda de death metal, thrash metal, metalcore e tal. Então ele vive tocando bastante nesses projetos e a galera conhece muito a cara dele. Apesar de que eu colo também nos shows, mas não com a mesma intensidade que Vitor. Mas acho que o fato da gente ter chegado com o primeiro disco, que fez um barulho, e aí depois vem uma sequência de outros acontecimentos, de turnê, de boas resenhas, aí agora um segundo disco, o Knotfest… eu acho que para algumas pessoas pode soar estranho, mas o que eu posso fazer, né?

Marco: Eu acho que isso também meio que revela sintomas de duas coisas que aconteceram recentemente: a primeira delas é que João Pessoa perdeu as cenas musicais que ela tinha, no sentido de casas de shows. Acho que em toda cidade no mundo, as cenas musicais são muito dependentes dos produtores e das casas. Chicago é um excelente exemplo disso, São Paulo talvez seja um outro exemplo disso, Rio de Janeiro também com a Audio Rebel, que é basicamente o baluarte do cenário experimental lá… e João Pessoa, depois da pandemia, e depois mais ou menos do ano de 2015 ou 2016, com uma timidez do fomento cultural na cidade meio que resultou na morte de casas de show que serviam de espaço para bandas de estilos diferentes se comunicarem e para as bandas do mesmo estilo se fortalecerem também, sabe? E depois que isso passou, eu acho que o que aconteceu foi que formaram-se pequenos círculos que se fecharam entre si e às vezes não se comunicam. Eu acho que isso acontece muito, especialmente na cena do metal. E isso não só torna as pessoas um pouco refratárias a ter gente de fora entrando, mas também acho que às vezes revelam uma falta de abertura a bandas que estão tendo desempenhos diferentes que não são os mesmos das bandas que estão no mesmo círculo, lutando, tocando os mesmos shows e etc. E outra coisa que eu queria comentar é que, sendo bem honesto, o “Holoceno” só recebeu qualquer atenção no Brasil porque chamou a atenção do pessoal de fora.

Sim, sim! Eu mesmo fiquei sabendo de vocês por conta da reação de lá de fora sobre vocês.
Marco: Exato! A gente sempre tentou mandar single, release, para tentar com o pessoal das rádios, dos blogs… Assim, ninguém nunca deu a mínima até que começou um burburinho lá no rateyourmusic.com, eu acho. E aí o pessoal começou a ver review positivo, sair em blog, entrar em podcast e tal. E foi só a partir de ter alguma atenção de fora que o pessoal de São Paulo e Rio de Janeiro começou a prestar atenção na gente. Só depois disso é que o pessoal do cenário local pensou: “eita, tem essa banda aqui que é do Nordeste, é da Paraíba, João Pessoa. Vamos ouvir o que esses caras têm”. Isso não só revela como funcionam esses círculos e como a falta do fomento tornam a coisa muito mais difícil para uma banda se inserir no cenário local como também mostra… assim, não quero falar o “termo feio”, mas existe um certo “vira-latismo musical”, que faz com que as pessoas não liguem para o que está sendo produzido na casa e quintal delas, sabe? Só quer ver o que está na gringa. Isso é triste, eu não acho que deveria ser esse o caminho certo a ser tomado, mas foi o que a gente percorreu até agora. E eu seria muito ingênuo se falasse para uma banda não se vender para fora, em trazer a atenção da galera de fora, porque foi a única coisa que funcionou para nós, sabe?

Hector: Só para completar bem brevemente também, estou sempre falando isso para uma molecada do Tela Azzu, que é uma outra banda que os caras também adotaram essa parada de chamar de rock troncho. É uma banda muito legal, eles tem um disco chamado “Baleia Explode” que é muito massa e eles misturam um monte de coisa. Os caras vêm com um som meio The Mars Volta, aí entra um batuquezinho de samba, daqui a pouco tem quase uns breakdown de hardcore, de metalcore. É bem interessante e eles falam que nós somos influência para eles, o que para nós é muito doido. A molecada é super jovem, eles tem vinte e poucos anos, o disco é muito bom e está gerando uma tração muito interessante. Eles têm se comunicado comigo justamente com essa dificuldade sobre onde tocar. E aí eu falo pro Ian, que é o vocal, “o que você está passando agora é uma coisa que eu sempre conversei com os meninos da Papangu e o que eu é isso: a gente não tem cena aqui”. Nós somos muito experimentais pro metal tradicional, muito pesado pro rock também, e é muito doido para o rock tradicional. A gente talvez seja muito rock pro jazz e muito jazz pro rock, e aí qual é a cena da Papangu? Não sei, a gente está criando, tá ligado? Eu digo pra eles: “eu acho lindo que vocês agora estejam aqui também”, tanto que fico incentivando “vamos usar esse termo, é rock troncho”! Eu quero que João Pessoa seja a capital brasileira do rock troncho. Vamos fazer banda doida e vamos apostar no experimentalismo, no progressivo, no avant-garde e no que mais a gente sabe fazer. Duas bandas já é uma cena, né? Uma banda talvez não, mas se tem duas, já é uma cena. Vamos tentar fazer o corre aqui, e é isso.

O lance do rock troncho eu acho que até já vi banda de Manaus usando o termo também…
Marco: Adorei!

Hector: Além do rock troncho, tem um outro termo que agora eu vou fazer de tudo que tiver na minha capacidade para pegar, que o [fotógrafo] Fernando Yokota que falou. Ele passou uns dias lá no estúdio vendo o disco ser gravado e falou que o nosso novo gênero vai ser o “hermetocore”! (risos)

Esse título é muito bom também! (risos)
Hector: Nós seremos a primeira banda brasileira de rock troncho e hermetocore, meu amigo. Agora eu só vou responder assim! (risos)

Marco: Outra coisa só queria mencionar: esse fato da gente ser “rock demais para o jazz” ou “jazz demais pro rock”, essas coisas… Eu acho que, no nosso caso, foi ao mesmo tempo uma maldição e uma benção, porque fez a gente ser diferente de tudo. Se você é, digamos, uma excelente banda de death metal, por exemplo, o que você precisa para você se destacar é sorte, os contatos certos, a influência… Ao passo de que, se você está fazendo alguma coisa diferente do que vinha antes, não existe referência correta para o que você tá fazendo, entende? Então eu acho que o fato de bandas poderem ser abertas à vanguarda e experimentar com combinações de gênero e tipos de composição e uma forma de performar diferente faz com que você tenha mais espaço para se destacar, enquanto banda independente. Não querendo convencer gente a usar frango de borracha no show deles, mas só dizendo que talvez o mais interessante para uma banda independente não seja copiar o que alguém faz ou tentar soar exatamente como uma cena, sabe? Talvez o mais legal, e que mais recompense um artista, seja realmente tentar fazer o seu som próprio, e não forçando um som, mas se sentindo confortável para soar como você mesmo. Ver o que essa combinação de vozes e egos dá quando você consegue dar asas a tudo sem conflito.

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br

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