texto de Davi Caro
É justo afirmar que as expectativas para “Alien: Romulus” (2024) eram as mais baixas possíveis. Afinal, quem se sentiria realmente disposto a investir tempo e dinheiro para ver o novo capítulo de uma franquia que passou os últimos vários anos despejando decepção atrás de decepção? Se nem mesmo o retorno do diretor Ridley Scott – responsável pelo primeiro longa, “Alien: O Oitavo Passageiro”, de 1979, e também pelas desastrosas prequelas “Prometheus”, de 2012, e “Alien: Covenant”, de 2017 – foi capaz de fazer justiça ao material visto no início do universo povoado pelo monstro xenomorfo, o que seria?
A direção de Fede Alvarez, no frigir dos ovos, se mostra ser a decisão mais acertada: o cineasta, que conduziu o reboot da saga “Evil Dead” (com o filme homônimo de 2013) com resultados muito além dos esperados, consegue mais uma vez êxito ao realizar um filme que mostra respeito pelos melhores entre seus antecessores – através de easter eggs e referências utilizadas com moderação – ao mesmo tempo em que constrói uma trama instigante e renovadora ao expandir os limites narrativos já estabelecidos pelo incensado primeiro longa como também por “Aliens: O Resgate” (1986), de James Cameron. Mesmo que não corresse riscos e transitasse apenas pelos elementos já conhecidos pelos fãs, “Romulus” já se sobressairia como o melhor da franquia em tempos recentes, mesclando com competência os elementos de horror e ficção científica. É nos detalhes menos óbvios do roteiro, porém, que o diretor vai além da sombra reverencial dos primeiros capítulos da saga e deixa sua própria marca, ao ponto de exterminar qualquer resquício de má-vontade deixado pelos medíocres lançamentos anteriores.
Partindo de elementos já tidos como lugar-comum entre os espectadores de longa data, a história se inicia vinte anos após o fim do primeiro filme, com uma nave de pesquisa a serviço da empresa Weyland-Yutani investigando os escombros da USCSS Nostromo (que tinha a tenente Ellen Ripley, vivida por Sigourney Weaver, entre sua tripulação, e foi destruída no desfecho do filme de 1979) e coletando o que se revela ser um xenomorfo em estado de hibernação. Deste curto prólogo, a ação corta para a jovem Rain (Cailee Spaeny), que busca sair da insalubre colônia de mineração interplanetária na qual trabalha junto do androide Andy (David Jonsson), com quem tem uma relação de irmão adotivo.
Uma saída alternativa se mostra quando a mineradora se reúne com um grupo de amigos, liderados por Tyler (Archie Renaux), que possuem um plano arriscado: o de se invadir e tomar para si equipamento encontrado em uma estação espacial abandonada em órbita da colônia, que os possibilitará escapar para outro planeta com melhores condições de vida. Embora implícita, a relação da estação com a nave vista no início vai se mostrando mais clara, uma vez que o bando se depara com inúmeros facehuggers (formas de vida parasitas responsáveis por incubar hospedeiros com ovos que, eventualmente, resultam nos monstros assassinos de sangue ácido). O que deveria ser uma curta missão se torna um pesadelo à medida que os corpos começam a cair e os humanos, juntamente com o androide, se vêem em uma corrida contra o tempo pelas próprias vidas.
Entre os muitos acertos da direção de Fede Alvarez, a condução do elenco definitivamente deve estar no topo: além de convencer como uma protagonista somente semelhante superficialmente à heroina Ripley, a personagem Rain mostra que Cailee Spaeny já tem certo cacife para se segurar como personagem principal, após um bom desempenho como coadjuvante em “Guerra Civil” (2024). E boa parte deste trunfo vêm da boa química com o humano sintético vivido por Jonsson, que transparece o improvável senso de proteção pouco característico de seus semelhantes com entusiasmo e abandono. Apesar de disfrutar de mais tempo de tela entre o elenco de apoio, Archie Renaux entrega bons resultados com sua interpretação de Tyler, contracenando com os também presentes Spike Fearn e Isabela Merced (nos papéis do impulsivo Bjorn e da irmã de Tyler, Kay, respectivamente). Apesar de funcionar mais como uma ferramenta de roteiro, é também bacana apreciar o trabalho de Aileen Wu como a piloto Navarro, que mostra talento apesar do desenvolvimento limitado da personagem.
A outra parte do sucesso considerável de “Romulus” tem a ver com um cuidado audiovisual perceptível: entre passagens completamente silenciosas que refletem a desorientação do ambiente espacial e tomadas interiores que usam, com resultados incríveis, elementos sonoros que remontam diretamente à cinematografia de Ridley Scott, o longa consegue modernizar a abordagem do original sem descartar totalmente o clima paranóico do segundo filme. A sensação claustrofóbica, evocada tanto em cenas de combate quanto em trechos mais sugestivos e tensos, tem seu retorno à frente de um filme da franquia após ser deixada de lado nos dois prequels de outrora (e completamente esquecidas nos risíveis “Alien vs. Predador” e sua continuação). O design do monstro que dá título à produção, aliás, está entre as melhores representações da grotesca espécie já vistas, e expande com cuidado a mitologia das criaturas.
É muito complicado afirmar que uma sequência para “Romulus” é uma certeza. A julgar pela boa recepção crítica ao filme – com opiniões geralmente favoráveis e uma resposta boa de público, até o momento – é de se esperar que os rumores se iniciem logo. Talvez o desfecho, que equilibra passagens aceleradas e sangrentas com visuais surpreendentes, seja o mais diretamente responsável por futuras comparações com o que de melhor já se viu nesta saga. Qualquer semelhança, no entanto, é muito mais do que mera coincidência: Fede Alvarez vai além do mero “filme-tributo” e expande um universo que muitos já julgariam morto e enterrado. Em tempo suficiente, audiências talvez se mostrem mais abertas a ver a progressão da história iniciada aqui; mesmo que capaz de tirar o sono de muita gente (coisa que há muito não se via de um novo lançamento da franquia), “Alien: Romulus” deve deixar muitos espectadores igualmente amendrontados e felizes, além de bastante aliviados.
– Davi Caro é professor, tradutor, músico, escritor e estudante de Jornalismo. Leia outros textos de Davi aqui.
Ótima resenha. Não tinha percebido que era a mesma atriz de Guerra Civil. Espero que role uma sequência.
Valeu! E tomara mesmo que vejamos uma sequência (tanto o público quanto a crítica parecem estar gostando bastante do filme)!