O trio Smoko comenta faixa a faixa um dos grandes discos do ano

 introdução de Leonardo Vinhas
faixa a faixa de Rodrigo Stradiotto, Caio Marques e Luís Pellanda

Disponibilizado em junho, “Smoko” foi o 45º lançamento do selo Scream & Yell. A “não-banda” formada por três músicos curitibanos veteranos fez um disco de rock mirando o presente, e não o passado, como tem sido o caso de boa parte da produção do gênero. Mais que isso, lançou um álbum com ótimas canções, daquelas que colam fácil no ouvido ao mesmo tempo que revelam detalhes a cada nova audição. A pedido do Scream & Yell, Rodrigo Stradiotto, Caio Marques e Luís Pellanda comentam faixa a faixa o álbum, permitindo um mergulho mais aprofundado nas canções. De bônus, convidamos algumas personalidades para falarem do disco.

“‘Smoko’ é a pérola de 2024 que Curitiba entrega para o mundo. Três dos mais interessantes artistas da cidade criaram um álbum dark, poético, denso e com ares de clássico. Daqueles discos que você escuta de olhos fechados, mesmo com eles abertos”, declara o ator Guilherme Weber. Seu parceiro de Sutil Companhia de Teatro, o diretor Felipe Hirsch, também ficou arrebatado com o disco: “Eu sigo esse trio de artistas há muito tempo, Caio [Marques] é um grande compositor, o [Rodrigo] Stradiotto, além de grande músico, é um produtor admirável, e o [Luis Henrique] Pellanda traz para suas letras o talento de sua literatura, e além tem uma voz extraordinária. O que faltava era juntar as peças. Bem, agora não falta mais. ‘Smoko’ é um dos grandes lançamentos do ano”.

Alessandro Andreola, editor e fundador da Editora Barbante, se junta ao coro: “A estreia do Smoko tem a rara qualidade de ser um daqueles discos que a gente ouve e não quer largar. O instrumental elegante se une a letras que rondam as vicissitudes enfrentadas pela minha geração – coisas como ter de se virar para fazer com que um velho fone de ouvido se conecte a um celular ou simplesmente sentir saudades dos bons tempos da MTV. Sem nenhum exagero, está entre as melhores coisas que os envolvidos já produziram – o que, convenhamos, não é dizer pouco”, compara.

Já o cantor e compositor Giancarlo Ruffato mergulhou em memórias para depois voltar ao presente: “Pra falar do álbum do Smoko primeiro preciso dizer que eu era adolescente morando no interior do Paraná no começo dos anos 2000 e já sobre as aventuras das dezenas de bandas envolvendo dos responsáveis pelo projeto. Todo mundo morreu de inveja do Luis Pellanda quando o primeiro disco do Woyzeck foi lançado, as bandas passaram a querer o mesmo nível de qualidade e o resultado foi que houve um boom de discos lançados por leis de incentivos. O Caio Marques é dono de uma extensa carreira solo musical e tinha a divertida Bad Folks, banda que fazia os melhores shows para tomar todas as bebidas do mundo e voltar pra casa cheirando a cigarros quando ainda era permitido fumar lugares fechados. E o Rodrigo Stradiotto era um dos guitarristas dos mil pedais da Excelsior, simplesmente minha banda favorita dos anos 2000. Pra mim a Excelsior foi a que melhor captou o espírito de uma época sofisticada da cena musical paranaense pós tramavirtual. Eu roubava os cartazes dos shows (as vezes antes deles acontecerem), tinha uma paixão platônica pela vocalista, etc.

Enfim, quando o Scream & Yell anunciou o EP reunindo o trio fui ouvir por pura curiosidade e encontrei um disco muito alinhado com a música dos anos 2020. Quando se ouve e faz música pop por 20, 30, 40 anos, sempre existe um risco de achar a música atual um saco e se fechar nos clássicos, mas aqui estavam canções modernas que não soam saudosistas mesmo quando o assunto é saudosismo, como na deliciosa ‘My MTV Back’. A produção do álbum me fez pensar que eles se guiaram pela fase recente do Nick Cave, The National, David Byrne e Bleachers, mas achei sensacional que numa entrevista eles citaram as garotas do Boygenius e Sharon Van Etten como referência, atualmente não há nada mais legal na música do que elas. O que percebo nesse álbum é que existe um revival do indie dos anos 2000 batendo na porta e é muito importante que artistas que estiveram lá ainda estejam gravando e escrevendo sobre como veem o mundo daqui do presente”.

Abaixo, você lê, faixa a faixa, o disco da Smoko por eles mesmos

“Smoko” (2024), o álbum, está disponível em todas as plataformas de streaming (tratore.ffm.to/smoko) e, como praxe, em download em alta qualidade no Scream & Yell (clique aqui). Ouça na integra abaixo, faça o download, compartilhe com os amigos. E se aprofunde no universo da Smoko lendo essa entrevista.

01) “Rather Be Better”: Primeira canção que o Smoko compôs, determinou a dinâmica e a estética de todo trabalho. Colaborações feitas a distância, gravadas na casa de cada integrante, vocais com pouca projeção de volume, captados de madrugada, via celular. A faixa é um grande looping ao qual vão se acrescentando sintetizadores, guitarras sujas, um teclado Hammond, um violão distorcido que faz lembrar The Flaming Lips. Nas estrofes, o baixo foge da cabeça do tempo, recurso típico das levadas latinas, caribenhas ou africanas. O crescendo final se reporta aos sons da adolescência dos músicos, em particular ao The Velvet Underground.

02) “Slogan Trees”: Electro lo-fi dançante, mas que evita as melodias vocais pop. Enfileira slogans políticos e publicitários, se colocando entre o rap e o robótico, e repete mecanicamente sempre um mesmo gancho: “Dance around the slogan trees”. O refrão é instrumental, favorecendo o apelo irônico do riff de sintetizador.

03) “Don’t Forgive Me”: Primeiro single lançado pelo Smoko. É uma balada glam, anos 70, que evoca tanto uma atmosfera de motel ou de boate quanto os trabalhos mais sugestivos de Scott Walker. A orquestração, aos poucos, vai tornando a faixa mais densa e sensual, sobrepondo sessões de cordas, sopros e metais.

04) “Dongle Dac”: Cantada pelo baixista, a faixa é uma balada folk aveludada, que versa sobre música, gadgets, internet e um novo tipo de solidão e isolamento, consolidado no pós-pandemia. Uma canção doce, que soa como um encontro entre Beck e os Bunnymen, na virada do milênio.

05) “My MTV Back”: Brincando com as expectativas românticas que embalavam o cenário da música independente brasileira nos anos 90, a faixa parte de um groove básico, típico do hip-hop da época, e de um riff de guitarra bastante simples e eficiente, que nos remete a bandas como o Blur. Falando de desejo e decepção, a letra cita nominalmente diversos artistas que ajudaram a forjar a cultura pop, a começar por Lou Reed, que aparece já no primeiro verso, emprestando uma levada “New York” à intenção da voz. A ele, seguem-se Iggy Pop, George Michael, Prince, Michael Jackson, Britney, Whitney Houston, Sting, Boy George, Lennon e McCartney, Queen, Stones Roses, Ramones e vários outros.

06) “Rip It Off”: Quase um tributo aos Talking Heads, é uma alegoria política dançante, de apenas dois acordes, que constrói toda a sua dinâmica brincando com as inversões entre eles. O coro de vozes e o naipe de metais jogam a música para cima. À multidão de linchadores que carrega tochas e marcha pelas ruas, retratada na letra da canção, se contrapõe, ao final, o verso clássico de “Once in a lifetime”: “water flowing underground”.

07) “This Is Not a Band”: O disco se encerra com uma espécie de credo dos integrantes do Smoko. Música-tema do projeto, usa de metalinguagem para se autodefinir, ou mesmo para recusar definições: “Isto não é uma banda, não é sequer uma canção, nem sabemos o que significa”. De todas as faixas, é a que menos deixa transparecer qualquer tipo de influência externa. Pouco aparentada ao pop, favorece ruídos e respiros, crescendo no vazio entre seus versos, a linha delicada do piano e o zumbido dos sintetizadores.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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