entrevista por Alexandre Lopes
“Os bares me deixaram bêbado, mas tudo bem / Está tudo bem”. Estas frases do single “IHYSM”, dão um rápido vislumbre do clima ébrio de “Pratts & Pain“, o primeiro disco cheio lançado em fevereiro deste ano pela dupla australiana Royel Otis. Não por acaso, o álbum é batizado por um trocadilho com Pratts & Payne, o pub londrino onde Royel Maddell (guitarra solo, baixo, sintetizadores) e Otis Pavlovic (vocais, guitarra, piano) escreveram parte das letras em meio às sessões de gravação.
Considerando que a dupla já declarou ter se conhecido em um bar na cidade litorânea de Byron Bay, na Austrália, pergunto se não seriam muitas coincidências e referências a bodegas na história do grupo. “Talvez… Quer dizer, somos australianos, então sempre há muitos bares e pubs”, justifica Royel. Sendo também proveniente de um município praieiro, acho que consigo compreender um pouco da conjuntura.
O duo segue surfando na repercussão viral de dois covers que soltou este ano: “Murder on the Dancefloor” (famosa na voz de Sophie Ellis-Bextor, em 2001, e recentemente ressuscitada pela trilha do filme “Saltburn“, em 2023) e “Linger”, dos Cranberries. As versões foram feitas ao vivo e de forma descompromissada em programas das rádios Triple J e SiriusXM, mas viraram sucessos no Tik Tok, fazendo com que o Royel Otis entrasse na parada Rock & Alternative Airplay da Billboard e até o momento acumule mais de nove milhões de ouvintes mensais no Spotify.
A atenção sobre eles também se manifestou além do ambiente digital, com o esgotamento de ingressos em vários shows nos Estados Unidos no primeiro semestre e participações em festivais na Europa ao longo do ano.
Mas embora estes “hits acidentais” tenham impulsionado a carreira do Royel Otis, a musicalidade da dupla vai bem além destes covers. Os dois músicos começaram a trabalhar juntos em 2019, depois que Otis enviou por e-mail a Royel algumas ideias que tinha gravado. O guitarrista gostou do que ouviu e começou a trabalhar em novas demos destas composições. A parceria desembocou nos EPs “Campus” (2021), “Bar n Grill” (2022) e “Sofa Kings” (2023), que já traziam algumas pérolas do indie pop, pós-punk e alguma psicodelia, auxiliados pelo produtor Chris Collins em seu estúdio em Byron Bay.
Para “Pratts & Pain” o duo optou por gravar a maior parte das faixas em Londres com o vencedor do Grammy Dan Carey (responsável por discos bombados de Wet Leg, Squid, Fontaines D.C. e Black Midi), que também assumiu o baixo em algumas faixas. Essa nova produção resultou em uma sonoridade um pouco mais orgânica do que nos trabalhos anteriores, com menor presença de synths e uma sensação de banda ao vivo com toques de indie pop inspirado em The Cure, Smiths, Strokes e Velvet Underground, entre outros. E no meio disso tudo, o duo também aproveitou para surrupiar espertamente suas referências: “Sofa King” contém um sample de bateria de “Fools Gold” dos Stone Roses.
Mas agora que o Royel Otis está ficando cada vez mais conhecido, como a dupla lida com isso? “Eu pessoalmente queria fazer música para não ter que trabalhar, mas na verdade eu não percebia o quanto de trabalho estava envolvido em fazer música”, diz Maddell, entre o desabafo e a piada. A banda parece um pouco atordoada pelos compromissos de várias entrevistas e apresentações seguidas, mas também segue cautelosa em relação à pressão que vem recebendo.”Eu acho que sempre há pressão, mas tudo bem”, opina Pavlovic. “Qualquer trabalho que você fizer, haverá pressão. Seja uma pressão que você mesmo se impõe ou de outras pessoas, mas continuamos fazendo o que sempre fazemos e veremos o que acontece”.
Em meio a todo o hype recente, a dupla ainda consegue manter um pouco de mistério: em fotos, clipes e apresentações ao vivo, Royel Maddell sempre mantém os cabelos tingidos de vermelho cobrindo o rosto, revelando muito pouco de sua face – chegando a lembrar um pouco Kurt Cobain. E durante todo o papo que Scream & Yell teve com a dupla via Zoom, o duo manteve a câmera desligada. Mas na rápida conversa que tivemos, os dois até entregaram outros covers que chegaram a brincar nos ensaios e até títulos de canções que não entraram no último álbum. Segue abaixo.
Bom, pode-se dizer que vocês estão passando por um momento muito crucial na sua carreira, com shows esgotados, números em plataformas de streaming crescendo, entrevistas o tempo todo… Como vai tudo isso? Incomoda vocês?
Royel: Definitivamente não é algo que incomoda, mas acho que ainda estamos nos adaptando ao quanto ocupadas e loucas nossas agendas estão ficando. Eu acho bom. Pessoalmente queria fazer música para não ter que trabalhar, mas na verdade eu não percebia o quanto de trabalho estava envolvido em fazer música (risos).
Otis: Acho que ainda estamos descobrindo enquanto tudo acontece.
Vocês gravaram esse último álbum em três semanas em Londres. Como foi?
Otis: Foi bom, estávamos quase todos os dias no estúdio, gravando. Chegávamos lá às 10h e depois saíamos às 18h, mas foi divertido. Trabalhar com Dan foi muito legal e ele estava com sua cachorra Poppy no estúdio o tempo todo, o que é bom porque ela recebeu bons carinhos!
Royel: Sim, algumas das faixas foram feitas com Chris Collins na Austrália, o que foi ótimo. Ele é um cavalheiro absoluto, mas foi meio louco porque sentimos que havia muita pressão sobre nós na época. Tentamos fazer com que sentíssemos o mínimo de pressão possível e apenas tentamos ir com calma. Acho que Dan meio que sentiu isso também e ele tinha a mesma mentalidade.
Dan Carey trabalhou em discos de muitas bandas legais, como Wet Leg, Squid, Fontaines D.C. e Black Midi. Como foi trabalhar com ele?
Royel: Nós já tínhamos trabalhado bastante com Chris, então era algo novo trabalhar com Dan. Foi intimidante no começo porque, como você disse, ele fez tantas coisas legais e somos grandes fãs de tudo isso. Então foi intimidante no começo, mas depois que o conhecemos, ele é um querido com um olhar muito intenso. Ele olha diretamente para sua alma, mas ele está apenas enxergando a beleza dela.
Notei que neste primeiro álbum vocês estão em uma abordagem diferente, é como se houvesse menos sintetizadores e a bateria se sobressai mais. Ouvi dizer que o sobrinho de 11 anos de Dan Carey, Archie, tocou bateria em duas faixas. Como isso aconteceu?
Otis: Archie apareceu e nós tínhamos essas duas faixas, “Velvet” e “Big Ciggie” e pensamos que seria legal para a vibe dessas canções, porque elas poderiam ser um pouco mais ruidosas e…
Royel: Ao vivo!
Otis: Isso, ao vivo. E Dan disse “esse é meu sobrinho Archie, ele poderia tocar bateria nelas, seria tão legal”. E então Archie entrou, pulou na bateria e mandou bem demais.
Royel: Foi tão legal, foi ótimo!
Otis: Ele estava tão animado e nós ficamos todos animados com isso também. Foi como se tivéssemos gravado tudo ao vivo e sim, foi incrível.
Royel: Foi muito divertido e nós definitivamente queríamos ter esse som mais orgânico ao invés de muitos instrumentos tipo synths no álbum.
Dá para perceber isso ouvindo o “Pratts & Pain”. E acho que isso também serviu para reforçar o sentimento das letras, que são bem cruas e honestas. Vocês escrevem as letras juntos, como funciona?
Otis: Sim (escrevemos juntos), mas depende das músicas…
Royel: Às vezes juntos, às vezes separados. Mas em algumas músicas deste álbum, nós simplesmente jogávamos as frases e cuspimos umas ideias enquanto estávamos em um pub chamado Pratts & Payne.
O pub que deu o nome do disco, certo? Eu li que vocês decidiram começar a banda quando se conheceram em um bar, vocês já eram amigos, mas não tão próximos. E agora o último álbum leva o nome de um bar onde vocês escreveram as letras. Não são muitas coincidências tudo girar ao redor de bares? Já pensaram nisso? (risos)
Royel: Talvez… Quer dizer, somos australianos, então sempre há muitos bares e pubs…
Otis: Muitos bares e pubs!
Royel: Acho que todos eles são ambientes sociais. Mas quando estávamos escrevendo algumas letras e outras coisas no pub, não havia mais ninguém lá. Então não era com essa função social, era mais como um lugar para ficar um tempo fora do estúdio, porque estávamos sempre na sala de estúdio gravando e era mais como uma pausa, para ir a outro lugar para sentar e escrever um pouco.
Também ouvi dizer que vocês cortaram três músicas do álbum, é verdade?
Otis: Isso é verdade sim, houve três que ficaram de fora sim
Por que? Vocês acharam que isso não se encaixava no contexto do álbum? Vocês pretendem lançá-las de alguma outra forma?
Otis: Talvez. Acho que tinha uma música chamada “Rhino”, a outra se chamava “Slushy” e não consigo me lembrar da outra…
Royel: “Big Boy”.
Otis: Isso, “Big Boy”. Talvez a gente lance um dia. Mas acho que não entraram porque não necessariamente funcionavam naquela sequência do disco.
Royel: Acho que ainda não fizemos justiça ao potencial que as músicas poderiam ter alcançado.
Vocês gravaram as versões de “Murder on the Dancefloor” e “Linger”, mas parece que vocês também consideraram “Build Me Up, Butter Cup” do The Foundations e uma música do The Hives. Qual seria essa do Hives (eles vão tocar no Brasil logo mais)?
Royel: Ah, estávamos apenas nos divertindo no estúdio, tocando “Hate to Say I Told You So”. Mas estávamos apenas esquentando um pouco e nos divertindo, apenas gritando. Mas era num ensaio, não no estúdio de gravação.
Otis: Mas sim, estávamos apenas tentando tocar umas músicas e vendo o que funcionaria ou não, mas acho que “Murder on the Dancefloor” foi a que acabou dando mais certo.
Acho que a música dos Foundations poderia ser uma ótima escolha também. Eu ficaria curioso para ouvir uma versão de vocês.
Royel: Legal!
Otis: Eu amo essa música.
De volta ao álbum: como surgiu a foto da capa? Parece que vocês estão ali esperando para serem chicoteados… Ou como se vocês estivessem se segurando para não cair. Qual é o conceito real?
Otis: Originalmente, aquela foto nossa segurando na parede deveria ter sido cortada e editada para parecer que estávamos nos segurando ali, mas…
Royel: …mas então pensamos que seria engraçado e interessante deixá-la por inteiro, para mostrar que nossos pés estão realmente firmes no chão (risos)
Vocês já mencionaram Alessi Brothers e The Vines como bandas que têm em comum. Que outras bandas e artistas vocês gostam e acham que influenciam vocês direta ou indiretamente?
Otis: São tantas coisas, e se não nos influenciou intencionalmente eu não saberia dizer, mas…
Royel: The Cure, eu acho. DIIV também, o primeiro álbum deles eu acho que definitivamente foi bem importante para mim. E os Strokes.
Otis: Sim, Strokes, The Vines… Modern Lovers também!
Já que vocês mencionaram o DIIV, eles vão tocar aqui no Brasil em setembro. Por acaso vocês tem planos de vir ao Brasil também?
Otis: Ah, nós queremos ir!
Royel: Nós definitivamente queremos ir. Mas com todos os shows que faremos este ano, nós não teremos nenhum tempo livre para isso. Já estava tudo agendado antes de termos qualquer tipo de sucesso. Então não sabíamos na época de agendamento que haveria uma base de fãs no Brasil. Mas é legal saber que existe e o apoio que recebemos de vocês é incrível, então obrigado por isso, chegaremos aí o mais rápido possível.
Após a pandemia, muitos músicos relataram problemas com turnês interestaduais e internacionais, devido aos altos custos. Como isso está indo para vocês?
Otis: É, definitivamente está caro. Eu não sei como dizer isso, mas sim, é uma coisa cara de se fazer.
Royel: Felizmente temos muita ajuda de nossa equipe e de nossa gravadora [Ourness], que conseguiram encontrar subsídios do governo [australiano] e coisas assim, então para qualquer banda que você conhece que esteja procurando fazer uma turnê ou algo do tipo, eu sugeriria se inscrever para receber subsídios do governo, pois muitas vezes são concedidos e que ajudam muito com o lado financeiro disso. Caso contrário, você também precisa ter um estado mental muito forte porque é difícil superar tudo isso.
Vocês começaram a lançar músicas durante a pandemia, e agora vocês embarcaram em várias turnês com o primeiro disco. Quais são os próximos passos para vocês?
Otis: Vamos viajar até o final de dezembro, estamos fazendo um festival agora na Europa e no Reino Unido, então estamos indo para a América do Norte e faremos outra turnê e depois voltando para o Reino Unido e Europa para sermos headliners em outra turnê.
Royel: Não teremos nenhuma folga até o início do próximo ano.
Vocês pretendem gravar material novo depois disso ou apenas descansar? Ou seria muito cedo para saber?
Otis: Provavelmente gravaremos algo durante as turnês. Às vezes aparece algum tempo para fazer isso. Não muito tempo, mas quando terminarmos as turnês também devemos gravar algo.
Royel: Temos que continuar escrevendo, continuar criando.
A banda ao vivo é complementada por mais músicos, mas vocês acham que é mais fácil de trabalhar em duas pessoas? Ou vocês pretendem compor com os outros caras para o próximo lançamento?
Otis: Acho que para algumas de nossas coisas provavelmente é melhor ser uma dupla, porque nem tudo precisa ser muito complicado. Trabalhamos geralmente assim, mas quem sabe o que o futuro reserva? Talvez sim, porque quando todos nós tocamos juntos é bem mais divertido.
Royel: Eu definitivamente acho mais fácil escrever canções com menos pessoas. Mas o processo de gravação delas é muito mais fácil com os outros caras. Quero dizer, ainda não gravamos com eles, mas sim, tenho certeza de que seria muito mais fácil do que ter que gravar todos os instrumentos nós mesmos.
Tempos atrás na indústria musical, o segundo álbum de uma banda era considerado o momento crucial de uma carreira, com a pressão para continuar o sucesso. Já que vocês lançaram três EPs antes, você acha que foi uma boa maneira de evitar esse tipo de coisa? Ou ainda existe muita pressão do mesmo jeito?
Royal: Muita pressão! Vou me transformar em um diamante a qualquer minuto com toda essa pressão, sabe? (risos)
Otis: Eu acho que sempre há pressão, mas tudo bem. Qualquer trabalho que você fizer, haverá pressão. Seja uma pressão que você mesmo se impõe ou de outras pessoas, mas continuamos fazendo o que sempre fazemos e veremos o que acontece.
– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br.