Música: Em “Bright Future”, Adrianne Lenker nos faz aceitar que tudo, nós em primeiro lugar, está destinado a passar

texto por Samuele Conficoni

Quase quatro anos após “Songs” / “Instrumentals” (2020), Adrianne Lenker, líder do Big Thief, regressa com um novo álbum solo que, tal como os anteriores, mostra a sua sensibilidade na escrita e o seu talento na criação de melodias originais e imprevisíveis. Gravado ao vivo, tal como os anteriores, e com a colaboração e produção de Philip Weinrobe, “Bright Future” (2024) contém também diversas músicas já interpretadas pelo Big Thief durante as suas mais recentes turnês e é a fotografia cândida e sincera de um período de inspiração artística vívida e espontânea da cantora e compositora de 32 anos.

Podemos considerar o percuso de Adrianne Lenker e seu Big Thief como um caminho único, amplo e variado: é uma estrada em que os acenos solo de Lenker são um contraponto aos do grupo, pois solidificam-se e modificam-se juntos, dialogam e confundem-se deliberadamente porque são feitos da mesma essência, ou seja, da sensibilidade e do toque inconfundível com que a artista cria as composições que passam a fazer parte tanto de suas obras solo quanto do repertório de sua banda.

Acontece, de fato, que algumas músicas que fazem parte dos álbuns solo de Lenker já foram executadas com o grupo ao vivo e que outras poderão posteriormente entrar em seus setlists. Mesmo aqueles que permanecem apenas no âmbito da carreira solo de Lenker são construídos com o mesmo material daqueles escritos e projetados para serem gravados pela banda. Este diálogo frutífero também marca “Bright Future”, um álbum sóbrio e direto por opção, no qual parecemos estar ao lado de Lenker e de seus músicos enquanto eles gravam cada canção.

Como peças de um antigo e precioso mosaico, as canções de “Bright Future”, com as suas revelações sutis e, ao mesmo tempo, esclarecedoras e com o seu lento desvendar aos ouvidos de quem as ouve, dialogam de imediato com as peças anteriores do quebra-cabeça que Lenker tem divulgado em suas obras e projetos nos últimos anos. A abertura do álbum, “Real House”, dá continuidade ao discurso que delineia suas canções: “Sou uma criança cantarolando / Na clareza do espaço negro”, canta Lenker, quase em um sussurro. A peça parece flutuar no ar de forma imaterial e incerta, tateando no escuro graças à interpretação e entrega de Adrianne, tão nua e direta, que se apoia quase laboriosamente nas notas ocasionais e descontínuas do piano, único instrumento aqui presente.

A maioria dos arranjos de “Bright Future” se apoiam em violão, piano e violino com a percussão surgindo, vez em quando, particularmente simples, mas eficaz. Tudo aqui passa a impressão de ter sido gravado de forma espontânea, na onda do entusiasmo e graças ao excelente entendimento entre Lenker e os músicos que a acompanham: o produtor Philip Weinrobe toca piano em uma faixa e banjo em outra; Nick Hakim (que já colaborou com Whitney, Juan Wauters e Lianne La Havas) toca piano em outras três e auxilia nos vocais em mais quatro; Josefin Runsteen se alterna violino, vocais e percussão; Mat Davidson entre violino, guitarra, violão, piano e vocais; e até Noah Lenker, irmão de Adrianne, toca percussão em uma faixa.

A profundidade lírica e a originalidade melódica de Lenker também brilham em “Bright Future”. Alguns ‘leitmotifs’ das suas composições emergem em toda a sua esmagadora complexidade e são tratados, como Lenker sempre faz, de uma forma autêntica e genuína. “Evol”, que lembra o título de um grande álbum do Sonic Youth, trata da descoberta de que o amor também pode levar ao mal se for seguido e lido como não deve num arranjo em que os arpejos de piano valorizam ainda mais a voz de Lenker, que se destaca com convicção perfurando o véu de hipocrisias e aparências vazias que muitas vezes são construídas em torno deste sentimento: “’Love’ é ‘evol’ ao contrário”, brinca foneticamente Lenker, aproximando a sonoridade de “evil” numa peça que, aos poucos, se transforma numa canção infantil muito doce em que o violino pontua e que, no entanto, esconde uma mensagem nada tranquilizadora: “Tu tens o meu coração e eu quero-o de volta”, avisa a cantora, muito clara neste conceito, antes de oferecer ao ouvinte alguns outros enigmas criados ao pronunciar algumas palavras ao contrário. “O doador leva, o tomador dá” (“The giver takes, the taker gives”), ela continua, enquanto a peça se tornou em todos os aspectos uma canção infantil diabolicamente perturbadora que, no entanto, não desiste de ser franca em alguns momentos.

O título “Donut Seam” é também uma espécie de jogo de palavras, que é simplesmente um eco distorcido do que realmente diz o refrão da canção “Não parece uma boa hora para nadar / Antes que toda a água desapareça?”, canta Lenker, acompanhada pela voz de Hakim, num tom suave e frágil. A peça, embora etérea e rarefeita na sua melodia muito graciosa, parece prefigurar o fim do mundo como já o fizera “Real House” ao descrever uma sensação sentida por uma muito jovem Lenker ao deparar-se com o primeiro filme que a assustou. “Este mundo inteiro está morrendo”, canta Lenker enquanto parece traçar um paralelo entre os problemas climáticos do nosso planeta e os de um relacionamento amoroso, se não mesmo para descrever a impossibilidade de qualquer relacionamento amoroso num contexto tão delicado e dramático.

No entanto, não abrimos mão de um carpe diem ecológico perfeitamente alinhado com a filosofia da autora: diante das tragédias que vemos todos os dias, a melhor resposta é justamente aproveitar plenamente cada momento sem, no entanto, abrir mão da consciência de que tudo é frágil e destinado a perecer. Só o ato de beijar, como no mundo antigo, poderia aparentemente ousar desafiar o eterno, como atesta a conclusão, “Mais um beijo, mais um beijo para durar anos”, que parece recordar Carmen, do poeta romano Catulo.

Alimentando o diálogo denso e frutífero entre os trabalhos solo de Lenker e os lançamentos do Big Thief está a presença de uma versão alternativa de “Vampire Empire”, o folk rock visionário e energético lançado de forma igualmente “primordial” pelo Big Thief como single em 2023. Aqui Lenker recupera a parte final de um verso que, por vezes, era cantado ao vivo, mas que tinha sido cortado na gravação anterior: “Em seu império vampiro eu sou o peixe e ela é as minhas guelras”, canta Lenker, não abdicando deste detalhe concreto e maravilhosamente desorientador dentro de uma canção romântica que parece tudo menos uma canção de amor, antes de concluir o refrão com aquela explosão libertadora e vulcânica que fez da peça uma das mais queridas pelos fãs de Big Thief.

A música que fecha o álbum, “Ruined”, também não foge à regra: também tocada ao vivo, embora raramente, com o grupo, ela é mais uma síntese de Lenker, autora para si e para a banda. Aqui uma melodia onírica surge dos acordes do piano, um instrumento que nunca antes foi tão central numa obra de Lenker, e a voz tenta abrir caminho através desta névoa. O esforço e as dificuldades parecem intransponíveis, mas é o próprio caminho, mesmo que escuro, mesmo no meio dos arbustos, que torna suportável o cansaço e a dor: “Tanto passa, a cada hora também / Não me canso de ti / Você volta, estou arruinada”, canta Lenker… sofrendo. Só a música e a terapia que ela pode oferecer, que passam, como uma viagem no tempo, pela infância, pela juventude, pelos relacionamentos rompidos e pelos lutos, são capazes de acalmar a dor que nos assombra e nos fazer aceitar o fato de que tudo, nós em primeiro lugar, está destinado a passar.

Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell. 

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