texto de Renan Guerra
Omar Rodríguez-López e Cedric Bixler-Zavala são dois nomes fundamentais quando se fala no rock alternativo dos anos 2000. Juntos eles criaram o At The Drive-In, banda de post-hardcore que se transformou num dos grandes destaques da cena alternativa na virada do século. Depois, eles criaram o Mars Volta, banda que casa rock progressivo com ritmos latinos de forma bastante única. E, além disso, juntos ou separados, eles ainda passaram por diferentes projetos, como o De Facto, Big Sir, Anywhere, Antemasque e mais uma quantidade bastante absurda de discos solo de Omar. Mas para além do que conhecemos do trabalho de ambos, existe aí uma amizade que vem desde a adolescência e que perpassa toda a história dessas bandas e discos e é essa narrativa que é contada em “Omar and Cedric: If This Ever Gets Weird” (2023), de Nicolas Jack Davies.
Desde sua juventude, Omar registrava suas experiências com diferentes câmeras, indo das VHS às digitais, o que gerou um amplo material de acervo de sua carreira e de seus amigos. Para transformar esse arquivo pessoal em um filme, Omar e Cedric buscaram um diretor que pudesse auxiliá-los na organização e montagem de todas essas fitas e vídeos, até que encontraram Nicolas Jack Davies, diretor que já trabalhou com Coldplay, Elbow, Mumford & Sons, PJ Harvey, Laura Marling e White Lies, tanto em videoclipes quanto em projetos documentais. É a direção de Davies que consegue dar forma ao filme, com uma construção bastante inteligente e instigante dessa história complexa e caudalosa.
“Omar and Cedric: If This Ever Gets Weird” se inicia com o fim do At The Drive-In, em 2001, e relembra tanto como a banda se estruturou e se tornou um sucesso de crítica e público na virada do século, quanto todas as fissuras levaram ao seu fim. Na sequência, o espectador acompanhar de forma mais linear todo o desenvolvimento do Mars Volta, o sucesso da banda e os problemas posteriores entre Omar e Cedric. Todo esse material de acervo é acompanhado por relatos bastante sinceros dos dois artistas, que recontam suas histórias com um olhar muito mais pessoal, e bem menos baseado nos fatos e datas, mas com mais concentração de sensações, relações e complexidades construídas nestes anos todos.
E é esse olhar que constrói um dos elos mais fortes do filme: a intensidade dessa relação entre Omar e Cedric, dois amigos que tem uma relação de irmandade bastante única. Omar explicita sua relação de incômodo com uma parcela da cena musical hardcore de onde ele e Cedric vinham, com todos os seus preconceitos, e fala mais claramente sobre seu desconforto em ser um homem não-branco no meio desse cenário – pela primeira vez, Omar também deixa claro suas experiências afetivas e sexuais, falando sobre romances com homens e mulheres reforçando um elo muito forte com Cedric, uma vez que o amigo o defendia muitas vezes e não o julgava. A amizade dos dois se forma nessas estranhezas e na forma como um aceita e celebra as diferenças um do outro.
E como toda longa relação, Omar e Cedric passam por processos bastante complicados. Um dos momentos mais delicados do filme é o falecimento de Jeremy Ward, técnico de som do Mars Volta e operador de voz da banda, um dos melhores amigos dos dois e ex-namorado de Omar. Ward foi um importante parceiro criativo da banda e faleceu em 2003 após uma overdose de heroína. A morte dele foi um baque para o Mars Volta e também um catalisador para que os próprios Omar e Cedric revissem sua relação com as drogas.
Outro ponto central de “Omar and Cedric: If This Ever Gets Weird” se encontra no momento em que o Mars Volta passa por um racha e encerra suas atividades, tudo isso motivado por uma virada inesperada: Cedric entra para a cientologia e passa a ser influenciado a crer que Omar seria uma pessoa negativa para a sua vida. A forma como Cedric e Omar enfrentam todo o caos que essa seita causa na vida deles é mais um reforço da amizade de ambos.
Complexo e cheio de nuances, “Omar and Cedric: If This Ever Gets Weird” é um filme longo, que passa por diferentes momentos e fases da vida dos dois artistas, mas que no final se revela uma obra muito mais íntima e pessoal do que aparenta. Esse não é um filme sobre curiosidades e detalhes da carreira musical de Omar e Cedric, mas sim uma narrativa sobre uma grande amizade e sobre todos os percalços e dificuldades enfrentadas em uma relação. De forma poética e sincera, o filme não apenas nos apresenta dois artistas imensamente criativos, mas também dois homens buscando viver a sua própria verdade.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.