16º In-Edit Brasil: “Black Future, Eu Sou o Rio”, “Moog”, “Devo”

textos de Marcelo Costa

“Black Future, Eu Sou o Rio”, de Paulo Severo (2023)
Banda underground cultuada do cenário carioca dos anos 1980, a história do Black Future é revista neste documentário correto, informativo e repleto de imagens imperdiveis de época além de entrevistas feitas em 2008, nos 20 anos de gravação do lendário disco “Eu Sou o Rio”, lançado pelo selo Plug, da toda poderosa RCA, em 1988. Em certo momento do filme, Charles Gavin (Titãs), que parece ouvir o disco pela primeira vez (outro titã, Paulo Miklos, participa do álbum), faz um comentário pertinente: “Tem um desafio aqui. Eles estão desafiando o que rolava no rádio na época”. Mais à frente, o produtor do álbum, Thomas Pappon (Fellini), comenta que a banda também “estava desafiando o público”. Essas duas opiniões norteiam um pouco do que é “Eu Sou o Rio”, um disco que desafia o ouvinte mais de 35 anos depois de seu lançamento, e que, segundo os próprios músicos, ainda não encapsula totalmente a selvageria que eram as apresentações da banda ao vivo. Um monolito experimental dos anos 1980 que junta Joy Division, New Order e Cabaret Voltaire com samba, DIY e Rio de Janeiro, “Eu Sou o Rio” é fruto de um período em que as grandes gravadoras apostavam (felizmente) que absolutamente tudo poderia fazer sucesso nas rádios (incluindo as caóticas e sensacionais Black Future e DeFalla – Edu K foi o responsável por introduzir a banda à RCA). Com as participações de Marcelo D2 (Planet Hemp é total filho do Black Future), Arthur Dapieve, Alex Antunes, Maria Juça (Circo Voador) e Tom Leão além de Tantão, Satanésio e dos músicos que passaram pela banda, “Black Future, Eu Sou o Rio” é perfeito em registrar para a posteridade a história de uma banda (no wave) que pouca gente viu ao vivo, pouca gente ouviu, mas que lançou um disco brilhante, impactante, intenso e absolutamente repleto de personalidade. Um clássico.

“Black Future, Eu Sou o Rio” está disponível on-line no Sesc Digital até o dia 25 de junho.


“Moog”, de Hans Fjellestad (2003)
Robert Arthur Moog, nascido em 1934 e falecido em 2005, ou seja, aos 71 anos e dois anos após o lançamento deste documentário, foi um engenheiro eletrônico pioneiro na produção de instrumentos musicais, principalmente o sintetizador analógico. Dito assim, pode até parecer pouco e/ou desimportante, mas, sem Moog, a história da música teria sido totalmente diferente, principalmente se alguém listar bandas como Beach Boys, Doors, Beatles e, claro, Kraftwerk (essa lista com New Order, Nine Inch Nails e Portishead é ótima), artistas que experimentaram o sintetizador Moog em suas criações. Claro que boa parte dos primeiros compradores dos sintetizadores Moog (que eram enormes, feitos em processo totalmente artesanal, um a um e, por isso, muito caros) eram artistas performáticos vanguardistas (como Vladimir Ussachevsky e John Cage) e músicos de rock progressivo (Keith Emerson e Rick Wakeman estão entre os entrevistados do filme junto a Money Mark, Mix Master Mike e DJ Logic, entre outros), e o documentário “Moog” passeia com Robert entre vários deles para mostrar a influência do instrumento criado pelo engenheiro, e louvar seu criador, que não patenteou parte de suas criações, o que permitiu um desenvolvimento acelerado do mercado de sintetizadores analógicos, mas também não o tornou um milionário. Ainda que falhe ao não elencar visualmente (talvez sonoramente o custo fosse excessivo) para o espectador a sonoridade marcante que definiu o arranjo de centenas (quiça milhares) de hits e canções clássicas na história da música pop, “Moog” soa como um delicado e merecido acerto de contas do mundo da música com Robert Arthur Moog – ainda que ele merecesse muito, mas muito mais.


“Devo”, de Chris Smith (2024)
De forma deturpada e alienada, o movimento new wave chegou ao Brasil no começo dos anos 1980 marcado por um ideário pop, colorido e festeiro (o que foi amplificado pelo pilar nacional do gênero, a Blitz), e ainda que algumas bandas do movimento ostentem as três credenciais (B’52s, mas também, e principalmente em singles, Siouxsie & the Banshees e Blondie), o Devo sempre soou estranho sob esse rótulo, Na verdade, a música esquizofrênica produzida pelo grupo pode até ser encaixada no estilo, mas não seu conteúdo satírico, o que este ótimo documentário amargo atesta com cortes rápidos e inteligência. Muito disso deve-se à gênese da banda, que nasceu como um trauma do cruel ataque da Guarda Nacional dos Estados Unidos contra estudantes que protestavam contra a Guerra do Vietnã na universidade de Kent, em Ohio, massacre que matou quatro alunos, feriu oito e deixou um paralitico. Mark Mothersbaugh e Gerald Casale estudavam lá, e decidiram colocar em prática o conceito de “devolução”, ou seja, o ser-humano não estava mais evoluindo, mas regredindo, “devoluindo”, e a banda era um exemplo desse ser primitivo, bruto, burro e selvagem. Primeira veio a ideia teórica, a musical viria um tempo depois, inspirada em Bowie (que amou a banda e, por falta de tempo, passou a produção do disco de estreia deles para Brian Eno – John Lennon e Neil Young também eram fãs) e Ramones. Em “Devo”, os integrantes escancaram que todo sarcasmo explícito nunca foi entendido pelo público, que “comprou” a “de-volução” como zoeira e não uma crítica ao emburrecimento em massa da população, o que deu um nó nas ideias da banda, implodindo-a. Ao final do filme, o gosto amargo é inevitável, mas a sensação geral é de que o Devo – com esse manual bastante explicativo – sai ainda maior de sua própria história.

Próximas sessões de “Devo” no In-Edit Brasil 2024
Quarta, 26/6 | 20h30 | CineSesc

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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