entrevista de Nathália Pandeló
Quem vê Lucas Gonçalves no baixo da Maglore em cima de palcos por todo o Brasil, talvez nem suspeite que as suas contribuições como compositor não se limitam à banda originada na Bahia e agora baseada em São Paulo. Em paralelo, o mineiro vem tocando seu próprio projeto solo, uma válvula de escape para todas aquelas canções que melhor combinam com a sua musicalidade reflexiva e pessoal.
Isso não significa que os álbuns lançados até agora – “Se Chover” [2020], “Verona” [2021] e “Câmara Escura” [2023] – não sejam trabalhos construídos a algumas mãos além das suas. Lucas vem colecionando parcerias e sendo influenciado pela própria cena que a Maglore habita.
Como músico, também tocou com gente do naipe de Alice Caymmi, Giovani Cidreira, Gustavo Galo, Betina e Apeles. Dois deles renderam gravações conjuntas em 2024. Primeiro, um EP que peca pela brevidade: o infelizmente curto “Recomeços”, com duas faixas que une Gonçalves e Galo; e o single “Pax, Patz, Pax”, com Apeles, que saiu em maio.
Em comum, as canções de todos esses trabalhos trazem uma familiaridade inerente. Lucas não esconde as raízes mineiras, embora seu som seja universal. Sequer omite a veia poética em cada composição, mesmo que elas pareçam crônicas. Não é por acaso que as músicas de álbuns como o recente “Câmara Escura” soem como contação de histórias – elas são.
Esse olhar de observador dos cotidianos – seja do próprio ou dos alheios – faz de suas canções recortes atemporais. Conversamos com Lucas Gonçalves sobre essa visão para compor, o que é a música mineira atualmente e como outros músicos influenciam seu som. Confira abaixo:
Suas canções têm um caráter memorialista – independentemente de serem inspiradas em histórias ou pessoas reais, não vem ao caso. Elas parecem bem pessoais! O quanto do seu processo de composição é ancorado na criação de histórias?
Sim, já faz um tempo que eu sinto a minha memória embaralhada depois desses anos de pandemia. Apesar de tentar ser muito objetivo na parte lírica das minhas músicas, também gosto quando a melodia vai me levando a outros lugares e situações as quais eu nunca vivi, mas que ressoa em mim como uma lembrança remota. Tem um tanto de observação na jogada também.
Seus lançamentos solo surgiram após sua entrada na Maglore e sempre se misturaram à cena independente nacional. Esse ano mesmo, já saiu o EP com o Gustavo Galo e o single com o Apeles. De que forma esses parceiros deixam suas marcas na sua música?
Pois é! Até a chegada das mesas digitais nas casas de shows, eu trabalhei como técnico de som e assim pude me inspirar em muitos artistas e fazer amizades musicais muito importantes para mim. Com a Maglore foi assim, com Apeles também, mas no caso eu conheci primeiro o Quarto Negro, outro projeto do Edu. Com o Galo foi parecido também. Esse desejo de não me repetir me ajuda muito quando sou convidado para essas colaborações. Sempre estou tentando mergulhar no trabalho deles, entender aquela linguagem e trazer coisas novas também. É sempre um aprendizado que levo adiante nas minhas produções.
De mineira pra mineiro: não é exagero dizer que existe um imaginário do que é “música mineira”, e muita gente associaria aos muitos ótimos compositores que temos! Mas a música de Minas é mais que o Clube da Esquina. Como você definiria o som da música feita em MG atualmente, com seus regionalismos e pluralidades?
Total! Um estado tão grande com um bocado de divisas territoriais é mais do que o Clube da Esquina. O lance é que a terrinha é boa e frutífera, né? Sinto que existe uma inquietação artística que leva a música feita em Minas para além de qualquer definição hoje. Mas sem dúvida esse ritual de se fazer música coletivamente é um trem poderoso e que ainda se vê na cultura local, seja nas folias, nos clubes, nas esquinas…
Nathália Pandeló é jornalista que cobre música desde 2010. Colabora com veículos como Tenho Mais Discos Que Amigos e Música Pavê, escreve a newsletter Imagina Só com ensaios pessoais e cobre séries e cinema para o Série Maníacos.