entrevista por Alexandre Lopes
Juntamente com IDLES, Wet Leg, Shame, Squid e outros, o Fontaines D.C. tem ajudado a reviver o post-punk nas paradas de sucesso – a ponto de até rivalizar com uma certa cantora pop no ranking semanal de álbuns mais vendidos no Reino Unido com “A Hero’s Death“, em 2020. Já superado o desconfiômetro do hype, a banda segue em frente e anuncia para 23 de agosto o lançamento de seu quarto disco, “Romance“.
Formada em 2017 em Dublin, na Irlanda, por Grian Chatten (voz), Conor Deegan III (baixo), Carlos O’Connell (guitarra), Conor Curley (guitarra) e Tom Coll (bateria), o Fontaines D.C. conquistou notoriedade com seu enérgico debut “Dogrel” em 2019, sendo indicado ao Mercury Prize e aparecendo em diversas listas de melhores álbuns daquele ano. Depois dele vieram o viajante “A Hero’s Death” (2020) e o expansivo “Skinty Fia” (2022), todos com produção assinada por Dan Carey (responsável também por discos de nomes como Franz Ferdinand, Bat For Lashes e Black Midi).
No meio dessa trajetória, Chatten conseguiu um tempinho para gravar e soltar em junho de 2023 seu primeiro disco solo, “Chaos For The Fly” (que apareceu na lista de favoritos de 2023 aqui no Scream & Yell). Depois de uma turnê com o Arctic Monkeys pela América do Norte, a banda se ‘internou’ em um estúdio em Londres para compor e lapidar o material novo. “Foi um processo bastante intenso, por um mês inteiro”, conta o baterista Tom Coll. “[Trabalhamos] de segunda a sexta, como um trabalho de verdade, escrevendo todos os dias”.
E desta vez, o Fontaines D.C. ressurge com novas rupturas: o álbum “Romance” é o primeiro com a produção de James Ford (Blur, Arctic Monkeys, Jessie Ware, Pet Shop Boys) e também foi preparado de forma diferente, como explica Coll. “Sinto que cada música traz a marca singular de cada membro neste disco. Foi meio engraçado entrar em estúdio com as músicas ainda não 100% terminadas. Eu sinto que finalizamos muitas delas no estúdio, o que é uma novidade para nós”.
O primeiro single do novo registro, “Starburster”, é inspirado em um ataque de pânico que Chatten sofreu na estação londrina de St Pancras. A música ganhou um vídeo dirigido pelo francês Aube Perrie (que já dirigiu clipes de The Hives e Harry Styles) e seu ritmo e imagens batem bem com a sensação claustrofóbica que inspirou a faixa.
Via Zoom, o Scream & Yell trocou uma ideia bem legal com Tom Coll. Além de conversar sobre o novo clipe e o processo de composição do novo álbum, Tom contou um pouco sobre seu selo de músicas tradicionais irlandesas e… sua curiosa ligação com o samba! Confira abaixo o papo na íntegra.
Primeiramente gostaria de parabenizar a banda pelo vídeo de “Starburst”, que é muito legal. Sei que o Grian Chatten aparece nele mais do que o resto da banda, mas imagino que vocês tenham gravado várias cenas também. Como foi o processo de gravação?
Foi ótimo! Filmamos no noroeste da Inglaterra, em Cumbria, em uma pequena cidade chamada Maryport, acho que há um ou dois meses. Era uma cidade inglesa bastante rural e passamos uns cinco dias lá. Foram longos dias de filmagem e sinto que Grian teve muito trabalho para fazer. Para nós [o restante da banda] foi como se estivéssemos apenas andando por ali, mas Grian trabalhou muito. Mas foi ótimo. Foi dirigido por um cara chamado Aube Perrie, que é um diretor francês incrível. Então fiquei muito animado com o resultado. Parece um vídeo bem intenso. Tem muitos cortes, é bom pra caralho…
É um primeiro single bem excitante. Não ouvi o resto das canções e estou ansioso, mas parece uma maneira bem impactante de mostrar o novo trabalho. Eu sei que a banda gravou os três primeiros álbuns com o produtor Dan Carey, mas agora em “Romance” vocês escolheram trabalhar com James Ford. Gostaria de saber o que motivou esta mudança e como foi trabalhar com um novo produtor?
James foi realmente incrível. Nós meio que passamos alguns dias com ele antes de gravar o álbum em um estúdio no norte de Londres como um pequeno teste, uma espécie de sessão. Ele é incrível, cara, ele é como um cérebro musical. Ele presta atenção em cada minúcia de todos os sons. Tudo para ele tem que ser muito afinado e tonal, então foi muito interessante trabalhar com ele. Sinto que esse trabalho é um pouco mais um ‘álbum de estúdio’ do que uma espécie de registro de uma banda tocando ao vivo em uma sala, então essa foi uma experiência muito nova para nós. Os últimos três discos feitos com o Dan [Carey] foram incríveis, ele é um amigo querido que, com certeza, é uma grande parte da família Fontaines, mas acho que é bom mudar as coisas de vez em quando. É bom manter as coisas novas.
Você disse que este disco parece mais um disco de estúdio. Em retrospecto, no primeiro álbum, há uma vibração muito ao vivo porque ele tem uma sonoridade meio punk. O segundo é mais refinado e o terceiro disco tem mais eletrônica, sintetizadores… O que podemos esperar de “Romance”? Consigo perceber alguma influência de hip-hop nos vocais de “Starbuster”… É isso mesmo ou estou imaginando coisas? (risos)
Não, é 100% isso! Acho que “Romance” é muito mais inspirado por uma mistura entre vários tipos de flows de hip-hop combinados com o estilo vocal de Grian. Acho que o álbum como um todo é bastante inspirado no hip-hop. Também sinto que é bastante sujo. Estávamos todos curtindo muito Smashing Pumpkins, Korn e Deftones e coisas assim. Então sinto que pegamos um pouco disso também. Tem sido interessante, com certeza. Sinto que já faz muito tempo desde que gravamos o primeiro álbum, e foi como se estivéssemos em uma sala tocando as músicas ao vivo e capturando esse sentimento. Desta vez, com este álbum, não nos preocupamos tanto em recriá-lo ao vivo. É mais sobre o que a música precisava e tentar expandir um pouco a nossa paleta sonora.
Acho que vocês sempre tentam fazer cada disco com uma sonoridade diferente, certo? Mas sobre o processo de composição deste álbum, o que você acha que foi feito de diferente?
O tipo de processo de escrita foi diferente para nós. Começamos a trabalhar nas ideias iniciais enquanto estávamos em turnê com os Arctic Monkeys pela América [do Norte], então esse foi o período em que estávamos todos filtrando ideias e quais músicas usaríamos… Foi realmente um momento especial, sinto que estávamos experimentando abrir shows para uma banda tão grande enquanto viajávamos pela América [do Norte]… Então terminamos a turnê e voltamos para Londres e passamos umas quatro semanas… De segunda a sexta, como um trabalho de verdade, escrevendo todos os dias e foi um processo bastante intenso, por um mês inteiro. E eu sinto que cada música traz a marca singular de cada membro neste disco. Todos os rapazes trouxeram ideias totalmente formadas, então começou menos com uma improvisação na sala e mais com uma voz singular guiando no fundo, o que é muito legal. Tem sido um tipo muito bom de expansão do nosso processo de escrita. Passamos um mês assim em Londres e depois fomos para Paris por três semanas e gravamos o disco. Foi meio engraçado entrar em estúdio com as músicas ainda não 100% terminadas. Sinto que finalizamos muitas delas ali, o que é uma novidade para nós. Em todos os outros discos que fizemos, tínhamos todas as músicas e elas estavam totalmente finalizadas, todos sabiam o que estavam fazendo. Era mais uma questão de registrar as coisas, enquanto desta vez usamos o tempo de estúdio um pouco mais para escrever e outras coisas. Então sim, foi um processo novo, com certeza.
É como se vocês já tivessem algumas músicas ou ideias para músicas, mas terminaram de escrevê-las no estúdio.
Era como se muitas das músicas estivessem talvez 90% lá, mas elas não estavam totalmente prontas, sabe? Então finalizamos ali.
Sei que a poesia é muito importante para todos do grupo, mas o quanto isso se reflete nas letras? Todos vocês contribuem?
Sinto que esse disco é muito mais singular neste sentido também. Acho que Grian escreveu todas as letras de quase todas as músicas, mas Carlos escreveu a letra de “Horseness is the Whatness” e Curly escreveu a letra de “Sundowner”. São mais vozes singulares, sabe? E cada autor tinha controle total sobre isso, o que de certa forma fica mais fácil. Se alguém tem uma visão para a música, pode levá-la do início até o fim da linha.
Nessas novas músicas, você acha que existe alguma que tenha a sua visão particular?
Acho que… “Here’s The Thing”. Ela nasceu de um improviso e foi assim: era o último dia no estúdio enquanto estávamos compondo em Londres, estávamos tocando e aquele som meio que aconteceu, a música simplesmente saiu. E foi logo antes de começarmos a gravar. O álbum todo tem aquele momento em que uma música simplesmente acontece, o que eu acho bem especial.
Eu estava checando entrevistas mais antigas e Curly disse que a banda inicialmente pensou em fazer o “Skinty Fia” como um disco duplo, mas vocês acabaram descartando essa ideia e talvez essas músicas veriam a luz do dia em um contexto diferente. Essas músicas compostas nesta época estão no “Romance”?
Não, nenhuma dessas músicas entrou neste álbum. Acho que estávamos sendo muito ambiciosos em considerar fazer um álbum duplo. Muitas dessas músicas tinham inspiração irlandesa, mais influenciadas na música tradicional de lá. Mas nenhuma delas entrou neste novo álbum. Acho que talvez podemos voltar a trabalhar com elas daqui a uns 15 anos e veremos como elas soam, sabe? Mas nenhuma delas chegou a entrar, infelizmente.
Então vocês têm um acervo de muitas músicas para escolher algo, se quiserem?
Sim, existem várias músicas que não foram incluídas em nada, então devemos coletá-las e colocá-las em um álbum de b-sides ou algo assim.
Pesquisei um pouco e descobri que você tocava em uma banda de post-rock chamada Be Curious, Kid…
Boa pesquisa! Oh meu Deus! (risos)
Ouvi três ou quatro músicas, foi tudo que consegui encontrar na internet. Achei que eram muito boas!
Oh, legal! É tão engraçado que você tenha achado essa minha outra banda. Cara… faz um tempo que não ouço esse nome! (risos)
E também descobri que você gosta muito do estilo de bateria do James Gadson, que tocou com Bill Withers, e também do Levon Helm, da The Band. E também sei que você ouve outros artistas como Little Sims e, como você disse, música tradicional irlandesa. Como todas essas diferentes influências moldam seu estilo de tocar?
James Gadson é uma grande inspiração para mim. Ele é o baterista mais legal de todos os tempos. Tem o álbum ao vivo no Carnegie Hall do Bill Withers e é uma loucura, sabe? Ele (Gadson) dá muita importância ao groove e ao sentimento, em vez de ser um músico chamativo. Acho que não sou um músico muito bom tecnicamente falando, mas essa coisa de se focar em fazer a música e se sentir bem com ela em vez de ficar se mostrando é uma grande inspiração para mim, com certeza.
É quase como se você tocasse para a música, certo? E você tocou naquele estilo math-rock antes, coisas bem rápidas e chamativas. E agora parece que você está mais concentrado em tocar o que é necessário para música, de uma forma mais fluente. A bateria soa maior e funciona muito bem no contexto da canção.
Isso, sim! Sinto que isso é algo que nós, como banda, sempre tentamos fazer, sabe? Não deveria ser sobre o que você está tocando ou quão bom você é; trata-se de servir a música em sua plenitude. Para mim, o tipo de música tradicional irlandesa também ressoa com esse tipo de pensamento. É tudo uma questão de emoção por trás da música e acompanhá-la até seu ponto máximo. É algo realmente importante. E com o math rock e coisas assim… foi um período que tive, durante meus vinte e poucos anos, em que eu gostava muito de “metal” [Nota do Editor: Tom faz o sinal roqueiro dos chifrinhos com as mãos e ri]. Mas ainda acho muito legal, com certeza.
Já que você falou sobre música irlandesa, você também lançou uma coletânea com algumas músicas tradicionais com seu próprio selo, o Skinty Records. Você tem planos de lançar outras bandas ou mais compilações por meio dele?
É meio estranho… Lancei essa compilação há talvez um ou dois anos e aprendi muito sobre como não lançar um disco. Cometi muitos erros (risos). Mas sim, sinto que recentemente tenho me concentrado mais em marcar e fazer shows. Organizei um festival há um tempo atrás em Londres, com um amigo meu chamado Campbell, que dirige um clube folk em Londres chamado Broadside Hacks. Fizemos um festival de música irlandesa que durou quatro dias. Chamamos o Spider-Stacy (Pogues) para fazer um show de aniversário de 40 anos e também recebemos muitos artistas tradicionais. Estou me concentrando mais nesse lado da música tradicional irlandesa. Espero lançar outra compilação algum dia, mas talvez quando estiver menos ocupado.
Talvez quando a agenda do Fontaines D.C. estiver mais livre…
Exatamente. Está um pouco agitado agora.
Bom, minhas últimas perguntas são do tipo “por favor, venha para o Brasil”…
Adoraria fazer isso! Esperamos que no próximo ano, dedos cruzados para que aconteça.
Gostaria de saber se você gosta de alguns artistas, músicas ou escritores brasileiros. Você ouve algo do Brasil?
Sim. É meio estranho, pois venho da costa oeste da Irlanda, um lugar rural muito pequeno, mas meu pai montou uma espécie de banda de samba quando eu era muito jovem. Foi meu primeiro tipo de experiência como baterista. Tínhamos esse tipo de banda de samba da comunidade local. Muitos irlandeses tocavam samba com batucadas e todo esse tipo de coisa, então essa foi uma das minhas primeiras experiências musicais e foi assim que comecei a tocar bateria. Tenho uma afinidade real com o samba, suponho. É ótimo!
Vocês têm algum vídeo ou gravação disso? Eu gostaria de ouvir!
Sim, está em algum lugar no YouTube. É muito ruim, mas está lá se você procurar (risos).
O que importa é a intenção!
Exatamente, exatamente! Mas sim, sinto que isso foi um grande ponto de partida para mim como baterista, com certeza. Foi ótimo.
Nota do Editor: Tom Coll é natural de Crimlin, região de Castlebar. O pai de Tom estava envolvido com pipe bands (grupos musicais tradicionais que contam com flautistas e percussionistas) e por meio do Crimlin Community Arts, montou uma banda de samba chamada Batafada. Foi aí que Tom, então com 12 anos, começou a tocar bateria. Apesar de ter começado como uma mistura das gaitas de fole irlandesas com batucada similar a de escolas de samba, hoje em dia o grupo faz um som mais tradicionalmente irlandês. Mas dá para ouvir uma amostra do som que Tom Coll participou abaixo:
Então vocês estão pensando em vir ano que vem para o Brasil, certo?
Espero que sim! Eu realmente não olhei para a programação do próximo ano porque este ano está sendo muito difícil, mas espero… Quero dizer, eu adoraria tocar na América do Sul. É um lugar onde nunca estivemos, então adoraria fazer isso sim!
Vocês já fizeram turnês com bandas como Idles e Shame e ambas já estiveram no Brasil para fazer shows. Então estamos esperando por vocês agora!
Eu sei, não sei por que ainda não fomos! É tão irritante isso (risos). Mas está em aberto!
OK, acho que meu tempo está quase acabando, então… só gostaria de agradecer pela entrevista. Foi muito bom conversar com você e estou muito animado para ouvir o novo álbum que chega em agosto, certo?
Isso, 23 de agosto!
OK, espero ver você em breve no Brasil.
– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br.