introdução por Diego Albuquerque
faixa a faixa por Yuri Costa
Yuri Costa (@maiorfiasco) é um jovem compositor e músico do Realengo, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, que compõe desde os 14 anos e lança seus sons lo-fi no Soundcloud desde os 16: “Isso moldou toda minha experiência musical até então, voltada mais para o lo-fi, pois eu gravava tudo sozinho mesmo, lançava tudo sozinho também”, explica Yuri.
Por volta de 2017, Yuri e seu grande amigo João Autuori, além de muitos outros amigos que partiam do viés musical de produzir do jeito que fosse possível, mesmo com baixos recursos (às vezes só o celular mesmo), criaram o selo Creepmachine Records, “por onde lançamos nossas coisas e propagamos as nossas vozes reais e simbólicas para cada vez mais longe, e assim alcançarmos coisas novas”, pontua.
Três álbuns depois, alguns singles e bootlegs pela internet – e até uma recente coletânea em que artistas independentes homenageiam o cantor e compositor carioca – Yuri Costa surge nas plataformas em um formato inédito: apresentando cinco novas versões de suas canções com uma banda de apoio que conta com Beatriz Firmino (backings e flauta transversal), Eduardo Andrade (baixo), Fernando Carvalho (backings e percussão), Guilherme Meirelles (guitarra) e Yael Carvalho Torres (bateria).
O EP “Anjo Elétrico” foi lançado no dia 30/03 pela Creepmachine Records e nele Yuri mistura passado e presente, sintetizando muitas de suas ideias nessa trajetória do “ser artista” em faixas com características cinematográficas e ar de crônicas, se baseando em memórias afetivas de família e como nelas se misturam sentimentos de paz e confusão; de amor e de situações que colocam essas relações à prova.
Abaixo, Yuri Costa comenta as cinco faixas especialmente para o Scream & Yell. Ouça no streaming!
01) “Velvet” – Era 2020 e estávamos em quarentena, não podíamos sair por aí e fazer o que fazíamos desde a adolescência: shows, eventos, saraus. Eram momentos muito sombrios, em que os jornais apontavam o número crescente de mortos por conta da COVID-19 no país. Nesse contexto, e com esse distanciamento que ia para além do físico, eu comecei a refletir sobre o que era para mim cantar. Se fazia sentido mesmo, isso de expor pensamentos em letras. Assim, “sem cantos de vitória”, eu criei “Velvet”, que faz referência direta ao Velvet Underground. Minha relação com a banda começa a partir de Andy Warhol, seu trabalho com a pop art nos anos 1960, e ao ouvi-los me apaixonei pelas canções que comunicavam a estética “lo-fi” que eu tanto gosto. As vozes nem sempre afinadas e as experimentações que o Velvet Underground propunha eu conseguia relacionar com meu trabalho. Outra influência de Andy Warhol foi a relação ao pop, ao que está “na moda”, “no hype”, por este motivo uso algumas palavras em inglês ao longo da música, como “minha voz com efeitos / todos flashs em slow”, “prints de conversa”, sendo a primeira frase uma referência estética a uma fotografia em longa exposição, que acaba por deixar rastros de luz como se essa fotografia fosse vista em slowmotion. A segunda frase nem adianta estender muito, ela é o que é. A gente quer provar algo, logo printa.
02) “Tangerina” – Essa música foi composta em 2017, até hoje a toco nos shows, muita gente que ouviu gosta e acaba pedindo. Já mudei muito minha relação com ela, mas algo que nunca mudou entre 2017 e 2024 é a sensação de nostalgia que ela me traz. Ela tem um teor muito autobiográfico, e com várias referências, mas vale aqui contar a história de como ela foi criada. 2017 de certo não foi um bom ano para mim, com uma perda familiar muito sentida – a família é um tema que voltará a ser comentado em alguns outros pontos de análise das faixas – eu tive de aprender a lidar com o luto. Certo dia estava em uma sala de estudos, uma menina de cabelos azuis se sentou ao meu lado, tirou da bolsa uma tangerina (em outros estados a fruta pode ser chamada de bergamota ou mexerica, entre outros). Sempre associei a tangerina ao verão, e por sua vez, o verão à felicidade. Naquele dia eu estava triste, então me alegrei, e minha cabeça viajou por todas as memórias tristes misturadas a memórias felizes.
03) “Roxo” – Essa é sobre levar um fora. Acontece. As relações amorosas às vezes não são fáceis. O interessante é aprender com até mesmo essas dores, que afligem diversas pessoas todos os dias, e são motivos de conversas intermináveis. Também fala sobre o sentimento de quando “a ficha cai” de que você está sozinho em um relacionamento.
04) “Patrimônio” – Talvez seja a faixa que olha mais o exterior, o cenário e o caos urbano, as estátuas nas ruas, as intervenções no espaço em que todos passam, mas que por muitas vezes estão perdidos em um “não-lugar”. Também composta em 2020, traz muito do desgaste dessas relações da vida em comunidade, em que os objetos parecem comunicar muito mais que as pessoas ao redor e que estamos todos “sem pique”. Há espaço para referência à crença cristã na figura simbólica da mãe, no caso, da minha mãe, com suas extensas orações em contraponto a minha forma de me relacionar com essa forma de enxergar a vida, que é mais burocrática, menos firmada em uma fé. Por esse motivo surgem nas letras referências a departamentos e objetos em penhora. “Patrimônio” finaliza na reflexão desse patrimônio comum, que muitas das vezes não nos representa e são apropriados pela população de outra forma, não necessariamente usual, são as crianças mijando nos patrimônios criados em memórias de ditadores.
05) “Inuyasha” – Ao contrário de “Patrimônio”, “Inuyasha” é completamente autobiográfica. São parte das memórias do meu aniversário de seis anos, com um olhar mais maduro voltado ao passado. Assim, coexistem nas canções referências que podem ser facilmente acessadas a muitas crianças nascidas ao final dos anos 1990, como Power Rangers, jogo de batalha naval, Snoopy e inusitadamente Inuyasha, que foi exibida nas Rede Globo e Bandeirantes. Gosto de pensar muito em imagens como símbolo, e talvez o ponto que isso fique mais explícito é na parte em que digo “Ontem foi o meu aniversário/me pintaram de palhaço / mas veja só tenho tanto medo de palhaço / isso não é uma figura de linguagem?”, assim, me proponho a olhar para esse estranhamento com uma certa brincadeira. Sinto que é uma música que acaba pegando a galera de surpresa por passear em um canto nebuloso da memória, muitas vezes soterrada pelo cotidiano.