texto por Gabriel Pinheiro
West Heart é um clube privado e exclusivo. Seus membros são pessoas endinheiradas, herdeiros que, geração após geração, seguem as tradições de seus antepassados naquele espaço idílico. A passagem do tempo, mais do que expor possíveis rachaduras nas residências ali construídas, expõe outras marcas, mais simbólicas e, por isso mesmo, de maior extensão e profundidade. Basta uma observação superficial para perceber que as aparências enganam. Os muros de West Heart escondem alguns segredos. E muitos pecados. “Os pecados de West Heart” é o primeiro romance de Dann McDorman, publicado pela Intrínseca com tradução de Jaime Biaggio.
Para começar, estamos diante de um romance policial. Em jogo, há um detetive, um grupo de moradores muito suspeito e um corpo que será encontrado no lago. Às vésperas de um feriado em 1970, o detetive Adam McAnnis chega à West Heart convidado por um antigo amigo, filho de uma das famílias fundadoras daquele espaço. No momento de sua chegada, ainda não há crime ou suspeitos – ao menos, não suspeitos de assassinato. Mas nada é por acaso. Por trás desta suposta visita, McAnnis observa atentamente cada peça que forma aquele jogo de tabuleiro em pleno funcionamento.
Me corrijo: estamos diante de uma espécie de anti-romance policial. Dann McDorman é um profundo conhecedor das regras e padrões que foram historicamente criados e desenvolvidos pelos maiores nomes do gênero. De Agatha Christie a Patricia Highsmith, de Edgar Allan Poe a Sir Arthur Conan Doyle. São muitos os detetives que povoam o nosso imaginário e Dann McDorman parece conhecer com detalhes cada um deles. Afinal, qual a primeira regra – a mais essencial – que aqueles que desejam quebrar as regras deve ter em mente? Conhecê-las profundamente.
Pois é justamente isso que o autor faz neste livro deliciosamente inventivo. “Os pecados de West Heart” é, ao mesmo tempo, romance policial, manual de escrita e um dedicado ensaio sobre este gênero literário. Tudo isso de uma maneira surpreendentemente fluida. “Você tem uma ideia de como a trama vai se desenrolar, prevê as pistas falsas e os becos sem saída, os artifícios que o autor vai ter que usar para tentar ocultar a verdade bem diante dos olhos do público, como uma carta sobre uma lareira; só espera que as regras do gênero sejam seguidas, pois não há fraude maior que um livro de mistério que trapaceia.”
Num olhar ousado, com muitas doses de ironia e bom humor, McDorman brinca com os clichês, sem negá-los. Todos os elementos de um clássico whodunit – recurso narrativo onde um processo investigativo é posto em cena na tentativa de se descobrir quem é o culpado por determinado crime – estão ali. O pulo do gato está na maneira como ele encadeia cada um deles e, sobretudo, em como se dirige ao leitor para apresentá-los. Se toda história de mistério é um jogo entre autor e leitor, Dann McDorman leva esse jogo a um novo patamar, nos tornando ainda mais cúmplices daqueles crimes que se desenrolam ao longo de suas páginas, além de peças ativas em sua resolução.
– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel.