texto por Renan Guerra
Há um print de um comentário de rede social que se transformou em meme e vira e mexe circula pela internet que diz assim: “finalmente histórias de gays trambiqueiras. ninguém aguenta mais só história de gay sofrendo. queremos mais gays assim, gays empinando moto, gay dando tiro, etc”. Para atender aos pedidos desse internauta temos agora “Birder” (2023), a história de um gay assassino que, após o coito sexual, gosta de matar seus companheiros. O filme de Nate Dushku acompanha Kristian Brooks (Michael Emery), um observador de pássaros que decide passar alguns dias de seu verão em um camping nudista queer em New Hampshire. Entre jogos de sedução e noites de sexo ardente, Kristian começa a matar os personagens um a um, como num clássico slasher.
Vamos esclarecer algumas coisas logo de cara: Kristian é um observador de pássaros, mas isso é só citado no filme de forma indireta, nada desse seu fascínio passa nem perto do filosófico “O Ornitólogo” (2016), do português João Pedro Rodrigues. Para além disso, o plot de assassino à solta enquanto gays transam pode lembrar diretamente o francês “Um Estranho no Lago” (2013), de Alain Guiraudie, mas essa semelhança fica apenas na superfície. Diferentemente dos dois filmes citados acima, “Birder” não se leva nenhum pouco a sério e nem tensiona o sexo relacionado a pulsão de morte como os seus primos distantes europeus, pelo contrário, o filme de Nate Dushku chafurda na diversão camp das regras dos filmes de gênero.
Em “Birder” iremos acompanhar as interações de Kristian tanto com os integrantes do camping – seja em conversas banais quanto em surubas coletivas – quanto com a comunidade local da pequena cidade no em torno do camping, especialmente com um pai de família que veio passar o verão em pacatas pescarias pela região. Toda a construção dessa ambiência nos faz rememorar uma série de filmes clássicos de terror norte-americano e seus arquétipos típicos, porém aqui as coisas são subvertidas para esse universo queer criado pelo diretor. O policial machão vira uma belíssima e sedutora policial negra, as virgens incautas são substituídas por gays explodindo de tesão, os hormônios da juventude são substituídos pelas experimentações sexuais dos 30 anos e o assassino… ah esse é um homem branco meio psicótico como nos clássicos.
Com tudo isso, Nate Dushku nos convida a entrar nesse universo junto com os personagens, deixando de fora as perspectivas de verossimilhança e embarcando no lúdico que esse tipo de filme pede. Não espere um filme sério sobre violência e sexualidade, mas sim uma espécie de grande piada em torno das obsessões dos filmes de terror com a morte e a psicopatia. “Birder” consegue casar o bom humor com o cinema de terror, criando diálogos que nos remetem tanto aos slashers clássicos quanto aos abundantes thrillers eróticos que lotavam as prateleiras das videolocadoras e as madrugadas da televisão nos anos 90. E obviamente isso tudo fica mais engraçado pela inversão de gêneros e papéis, abrindo-se outras possibilidades de narrativas dentro do espectro do cinema queer – bebendo na fonte dos clássicos do new queer cinema ou de diretores como Bruce LaBruce.
No final das contas o aviso principal é: não leve “Birder” a sério. Ele é realmente uma brincadeira com os gêneros de terror e tem tudo para funcionar de forma divertida para quem se encanta com esse universo. Não temos aqui o grande filme do ano, mas o fato é que naqueles 90 minutos que vivemos nesse camping de nudistas as coisas são pra lá de divertidas e instigantes e, só por isso, o filme já vale a pena. Às vezes o cinema é também sobre nos esquecermos do real e mergulharmos na mais completa piração trash que a tela nos propõe.
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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.