por Pedro Salgado, especial de Lisboa
fotos de Inês Condeço
Na primeira noite da edição 2023 do Festival Jameson Urban Routes (o evento contempla diversos projetos musicais ligados ao hip hop, pós-punk e DJ Sets), em Lisboa, o ambiente que se vivia na Musibox era de entusiasmo. O público que lotava a famosa sala lisboeta, maioritariamente composto por jovens portugueses e muitos brasileiros, aguardava com imensa expectativa o começo das apresentações e, em particular, ansiava pelo primeiro show do álbum “Me Chama De Gato Que Eu Sou Sua” (2023), de Ana Frango Elétrico, na capital portuguesa.
O músico açoriano Romeu Bairos foi o primeiro performer da noite e, acompanhado do acordeonista Paulo Borges, iniciou seu show de 45 minutos com uma pegada folk marcada, alternando vivacidade e nostalgia e pontuando o set por doses certeiras de humor. Seguiu-se o cantor americano Eddie Chacon, que durante uma hora apresentou o seu mais recente álbum, “Sundown” (2023), e algumas faixas antigas, acompanhado de um trio competente que enveredou num soul ambiental com laivos dançantes gerando empatia com o público e alguns episódios de comunhão, em jeito de singalong.
Poucos minutos antes das 23 horas, Ana Frango Elétrico, usando um gorro, entrou em cena com os músicos Guilherme Lirio (guitarra), Sérgio Machado (bateria) e Pedro Dantas (baixo) provocando desde logo uma reação efusiva dos presentes. Qual comandante de navio, Ana posicionou-se na frente da sua armada com os teclados e sintetizadores a seu lado e começou o show com o instrumental “Let’s Go To Before Again”, imprimindo uma toada dançante que deu o tom ao espetáculo e cedo despertou os presentes, conduzindo-os à dança e gerando um aplauso posterior generalizado.
“Coisa Maluca” manteve o galope inicial e Ana aproveitou para acompanhar os passos dançantes do público que em coro entoava a canção, findo a qual deu um gole na sua cerveja, simbolizando a forma descontraída como abordou a performance. “Dela”, com sample do rapper mineiro Joca, manteve o balanço em jeito de disco tropicalista e a banda, que funcionou como uma base sólida, desenvolveu alguns momentos de virtuosismo, que simbolizaram o espírito de fruição que reinava no palco. O funky “Boy of Stranger Things” encerrou habilmente o primeiro segmento dançante do novo álbum e Ana dirigiu-se à assistência: “Boa noite Lisboa, estou apresentando pela primeira vez o meu novo disco, obrigado pelo convite”.
Seguiu-se um magnífico trio de baladas que serenou o ímpeto dançante, mas acrescentou uma carga emotiva ao show e ressoou com igual força. Primeiro, escutou-se a belíssima “Camelo Azul”, cantada a plenos pulmões pelo público, “Insista Em Mim” resultou num instante de partilha incrível e Ana Frango Elétrico pegou no microfone e aproximou-se da beira do palco para acompanhar a cantoria. Por fim, “Nuvem Vermelha” completou o lote num suave balanço pontuado por alguns requintes estilísticos nos teclados para gáudio da audiência.
“Se me dão licença vou tocar duas faixas do meu álbum anterior, ‘Little Electric Chicken Heart‘” disse, e prosseguiu interpretando com sentimento “Promessas e Previsões”, mas seria “Chocolate” a levar os presentes à loucura pela sua elevação instrumental e pela poderosa carga poética transmitida, enquanto a sugestiva “No Bico do Mamilo” recordou a validade do álbum “Mormaço Queima” (2018) com variações instrumentais interessantes e representou uma aposta claramente ganha na atuação.
A etapa final do show retomou o clima de festa total com “Debaixo do Pano” e relativamente à música seguinte Ana desafiou o público: “Eu quero ver se sabem cantar”. Estava dado o mote para o single “Electric Fish”, que foi servido com imenso groove e o poder rítmico da frase “Electric fish swimming in my mouth”, que Michael Jackson não desdenharia interpretar, ecoou pela sala lisboeta e transformou-a numa enorme pista de dança. Aos pulos, em sintonia com a assistência, Ana soltou um “Quero ouvir” que prolongou o momento de celebração.
Por último, renovou os agradecimentos pelo convite ao evento e a rendição da contagiante “Mulher, Homem, Bicho”, em clima de euforia, mostrou que a sua faceta sexy e divertida é tão significativa como a ironia que povoa parte do seu cancioneiro. Uma hora passada, Ana e os seus músicos selaram o triunfo da noite com uma vénia coletiva e no momento em que caminhavam lentamente para os bastidores, ficava a sensação de ter presenciado um espetáculo intenso em que o esprito de festa e a emotividade só pecaram pela curta duração do concerto.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.