texto de Ricardo Moscarelli
Publicado originalmente em 2002 no Scream & Yell
“Quando você está feliz e se sentindo bem então você sabe que é a hora certa”
Você não é obrigado a gostar dos irmãos Gallagher. Provavelmente muita gente não gosta. Eles não são os Beatles nem os Rolling Stones e nem salvaram o rock and roll. Talvez sua missão já tenha sido cumprida. Tente ler isto sem preconceitos.
1994. Três anos depois de “Nevermind” o mundo ainda ouvia os últimos soluços do adeus à Cobain e a desintegração da cena “grunge”. A Ilha estava morna. Bons rapazes, Brett Anderson e seu Suede bricavam de Bowie e Roxy e os Stone Roses acabavam logo após o lançamento de seu segundo disco. Estava tudo morno, assexuado demais…
De Manchester, dois irmãos bagaceiras e maloqueiros aparecem com este disco do nada e iniciam uma mudança que elevava o Reino Unido (para o bem ou para o mal) novamente a capital cultural do mundo em um movimento ultrarevisionista apelidado de britpop que olhava apenas e somente para o próprio umbigo (“nós, ingleses, somos o máximo”, e, ok, dificil discordar quando eles tinham como argumento Beatles, Stones e The Who na manga) e que duraria até 1996. Por quê? você me diria… Bem…
“Definitely Maybe” é o disco de estréia mais vendido da história na Ilha pois não foi messiânico nem intelectual muito menos artístico. É filho bastardo do The Who (e não Beatles) com toda a cena “baggy” de Madchester que acabara pouco tempo antes. Onze canções tiradas do total livre acesso de Noel à loucura e emergência dos Roses e suas escalas ascendentes e seu psicodelismo anti-hippie. Tudo isso temperado com muita arrogância, ambição, “gin and tonic”, cocaína e guitarras. Muitas guitarras.
Sem muita babação de ovo e entrando um pouco no lado pessoal, este não é meu disco para relaxar nem para ouvir domingo de manhã. Tente ouví-lo antes daquela baladaça de sábado à noite, tomando uma breja e pensando se você vai conseguir beijar aquela garota (no meu caso…)… Se der vontade, e vai dar… pode acompanhar Liam Gallagher e imitá-lo… cante, encha a cara e seja feliz.
01) “Rock n Roll Star”
Só para constar, esta música ficou entre as 10 mais da revista “Q” entre as “50 most exciting tunes ever”. Para não falar muito, abrir um disco com milhões de guitarras e um “Live my life in the citieeeeeeeeeeeee, there’s no easy way out” não é nada mal. Nada mesmo.
02) “Shakemaker”
Pessoalmente é a música que mais me transmite sensação do que se passava naquele momento na Inglaterra e com os caras. “When ya happy and you feelin’ fine then you know that’s the right time…” diz quase tudo sobre esta canção meio psicodélica, meio Small Faces, totalmente alcoolizada.
03) “Live Forever”
Talvez a maior glória de Noel Gallagher até hoje e a melhor performance de Liam nos vocais. Um épico sobre o poder arrogante da juventude…”Maybe I just wanna fly wanna live dont wanna die”. Um hino para se cantar em um estádio com 50 mil pessoas ou abraçado com sua namorada num ponto de ônibus. Dedicada sempre à John Lennon. Clássico solo “guitar hero” de Noel.
04) “Up in the Sky”
Esta canção tem um clima que podia ter sido composta por Lennon/Macca e entrado no “Revolver”. Posso estar viajando. Talvez no lugar de “And Your Bird Can Sing”… É… mas ficaria sem os vocais anasalados e elásticos do Liam. Bem…deixa ela aqui mesmo.
05) “Columbia”
Brilhante introdução, riff master e ar afetado/druggy para descrever uma situação real e então até há pouco tempo ocorrida. Quer saber o quê? Uma quebradeira num quarto do Hotel Columbia no Reino Unido e a proibição eterna deles voltarem lá.
06) “Supersonic”
O single de estreia da banda. Um single quase perfeito. Quem na história da música iniciou uma banda e antes do primeiro álbum mandou uma música que começa com “I need to be myself, Cant be no one else…”. Mais arrogante e delicioso impossível.
07) “Bring it on Down”
A canção mais desbocada e mais punk do álbum. Meio Pistols, meio Jam. Não é minha preferida mas tem seu valor. Noel escracha os idiotas de plantão com “I’ll be scrapping their lives from the sole of my shoe tonight”
08) “Cigarretes & Alcohol”
Esta maravilha nasceu de uma conversa entre Johnny Marr e Noel em 1993. Marr falara que o primeiro single que tinha comprado na vida foi “Get it On” do T.Rex. Um ano depois, Noel esticou os três riffs do clássico dos anos 70 para fazer talvez a maior canção apologia da cocaína e das “delicias de se drogar”. Ah, a capa do single é maravilhosa e Noel, depois da comemoração do sucesso do single, deu entrada no hospital sofrendo de dores no peito. Outro clássico instantâneo do guitarrista e vocais insuperáveis de Liam “You might as well do the white linnnnnnne”…
09) “Digsy’s Dinner”
Uma canção tipicamente inglesa. É Kinks, é Small Faces, é (não riam) meio Blur. Se tivesse sido lançada nos anos 60, esta canção poderia ter sido lado B de “Waterloo Sunset” ou “Lazy Sunday”. O riff de abertura é matador. Irônica, engraçada é a mais “Swinging London” de todas.
10) “Slide Way”
Fiquei sabendo recentemente que Noel tomou como base a canção chamada “Cortez the Killer”, do Neil Young, para escrever esta. Nada mal para uma bela canção dedicada e escrita para uma antiga ex-namorada do guitarrista. A única canção mais (ou menos) romântica do álbum.
11) “Married with Children”
Então, sabe esta ex-namorada do Noel da canção acima? Ela aparece de novo aqui, só que retratada já no fim do relacionamento. “Your music’s shite, it keep me up all night” teria dito ela a Noel quando este acordara no meio da noite para escrever uma sequência de acordes. Acústica, calma, antítese de “Rock’n’Roll Star”. Uma perfeita canção de despedida, de fim de festa. Termina com um relaxante “Goodbye Im goin’ home” do Liam. Boa noite.