texto de Davi Caro
Há quem diga que o cinema de horror vem passando por uma espécie de entressafra. À medida que novas produções prezem por inovações em suas tramas e desenvolvimento de personagens (à moda dos filmes recentes de Jordan Peele, com “Corra!”, de 2018, como destaque; ou “X” e “Pearl”, lançados pela A24, que elevaram o perfil de Mia Goth ao status de superstar), velhas franquias vêm sido revisitadas e, na medida do possível, revitalizadas com graus diferentes de sucesso – caso de “O Massacre da Serra Elétrica” (2023), que continua a trama do original de 1974 sem conseguir sequer arranhar o primor da obra prima de Tobe Hooper. E é notável o quão, ao longo dos últimos anos, esta última categoria (que se encaixa bem no recentemente popularizado conceito de “legacyquel”, onde uma mitologia ou universo de personagens é retomado e modernizado) vêm perdendo força, principalmente quando colocada em comparação com filmes originais, desafiadores e memoráveis em sua coragem e capacidade de subversão de valores já estabelecidos e gastos. E, infelizmente, talvez não exista melhor exemplo deste esgotamento e desgaste quanto “O Exorcista: O Devoto” (“The Exorcist: Believer”, 2023), dirigido por David Gordon Green.
Gordon Green, os mais atentos devem se lembrar, foi um dos responsáveis pelo ressurgimento de velhos personagens sendo trazidos de volta às telas na tentativa de apelar para novos públicos; afinal, seu “Halloween” (2018) praticamente lançou esta tendência aplicada ao cinema de terror, e conseguiu o impensável feito de ser o único dos filmes da saga de Michael Myers capazes de fazer frente ao aterrorizante thriller concebido por John Carpenter em 1978, ignorando todas as outras sequências feitas nesse ínterim. Porém, o golpe de sorte não durou para sempre, e os dois longas que deram sequência, “Halloween Kills” (2019) e “Halloween Ends” (2022) se perderam na mesma mediocridade que significou a derrocada do assassino com a máscara de William Shatner no imaginário pop. Alçar o mesmo diretor a uma nova produção, que também ignora outros filmes que se passam no mesmo universo em favor de uma nova narrativa, poderia desde o início significar uma decisão arriscada. A boa notícia é que tal aposta resultou em um filme em muitos momentos hilariante; a má notícia é que tal efeito não parece, em qualquer momento, proposital.
É válido afirmar que, cinco décadas após a chegada do primeiro filme – dirigido por William Friedkin – muitos dos elementos introduzidos então tenham se tornado clichês no que diz respeito a contos relacionados à possessão demoníaca. Portanto, citando um velho cantor de Manchester, interrompa se já tiver ouvido isso antes: duas jovens amigas de escola, Angela (Lidya Jewett) e Katherine (Olivia O’Neill) um dia desaparecem após se embrenharem na floresta próxima ao colégio que frequentam. Três dias de nervosismo assolam os pensamentos dos respectivos pais, o viúvo Victor (Leslie Odom Jr.) e o casal Miranda (Jennifer Nettles) e Tony (Norbert Leo Butz), até que as duas crianças reaparecem, sem qualquer explicação, dentro de um celeiro a mais de 50 km de distância.
Sem qualquer memória do que ocorreu ao longo do período, e trazendo estranhos ferimentos, as meninas passam a demonstrar comportamentos estranhos que vão de agressões aos pais até profanidades dentro de igrejas (Katherine, assim como os pais, é cristã – Victor não possui religião). Desesperado para se livrar do obscuro mal que parece ter tomado conta de sua filha, este último acaba, por meio de uma vizinha enfermeira, entrando em contato com Chris McNeil (Ellen Burnstyn), autora de um livro no qual relata o inferno vivido durante a possessão da própria filha, Regan, da qual tem estado distante. Contando com a ajuda da experiente idosa, o grupo deve correr contra o tempo para extinguir a maléfica entidade que, cada vez mais, parece tomar conta das duas inocentes.
É sintomático que toda a apresentação da trama discorra dentro de pouco menos de uma hora. Excetuando um interessante, porém supérfluo, flashback de Victor com a falecida esposa no Haiti, pouco ou nada na primeira metade do filme deixa de soar familiar, mesmo que vagamente. Se escorando em soluções formulaicas e passagens que miram no aterrorizante e acertam no incoerente, o restante da história transcorre em momentos que se aproximam do entediante; tirando um ou outro susto, pouco é memorável em uma série de momentos que parecem requentados e forçados. A presença de uma praticante de hoodoo (Okwui Okpokwasili) indica uma subtrama interessante na qual a percepção de possessões e os rituais adotados em casos assim poderiam tomar mais protagonismo – tudo se perde graças a inclusões apressadas e mal-explicadas, em favor de encaixar um pastor evangélico sem qualquer experiência com exorcismos e um padre incompetente em uma história que poderia ser mais curta e melhor adaptada.
Isso sem contar a presença completamente desnecessária do amigo e vizinho de Victor, sob o vazio pretexto de “suporte moral”. Em um filme diretamente conectado com o conceito de exorcismo (e que traz a palavra “Exorcista” em seu nome), é no mínimo estranho não haver um especialista sequer à vista em qualquer momento da trama. A inclusão pífia da mãe de Regan é completamente desperdiçada: qualquer um que imagine sua participação como sendo decisiva para o clímax sairá desapontado e, quiçá, ultrajado com a plasticidade e a falta de noção com as quais o personagem de Burnstyn, outrora vital ao lado dos padres Merrin e Karras, se esvai em favor de recursos preguiçosos e digressões que não levam a lugar algum.
Em meio a isso tudo, é importante salientar as atuações das duas protagonistas: a linguagem corporal de Katherine e Angela, e a forma com a qual a postura das meninas muda ao longo da trama é um dos únicos elementos que se salvam em uma produção confusa e que não parece entender a própria história. O restante das atuações se deslocam, como um pêndulo, entre o indiferente e o exagerado, com poucos momentos de brilho: ainda que a já citada enfermeira (vivida pela talentosa Ann Dowd) consiga trazer um pouco de gravidade ao papel mesmo com suas apressadas passagens, o mesmo não pode ser dito de Leslie Odom Jr., que parece não ter real consciência do perigo que sua filha corre ao longo de grande parte do filme, apenas para brilhar contra a inexpressividade somente próximo do clímax. Em algum lugar entre os dois extremos, a (em momentos) surtada participação da também cantora Jennifer Nettles como a mãe de Katherine traz resultados interessantes, ainda que não ao ponto de conjurar um desempenho memorável em qualquer nível.
Falando em (i)memorável, os efeitos especiais, sejam práticos ou digitais, são um show de horrores à parte: ainda que hajam alguns relances de boas ideias e referências ao longa de Friedkin, quase nada se sobressai. Uma das mortes mais grotescas do filme, e que também poderia funcionar como um aceno ao original, acaba se perdendo em um final com cortes rápidos e resoluções que em pouco ou nada condizem com a densidade da história que o filme pretende contar. Ao misturar diferentes crenças e preceitos religiosos, “O Devoto” não faz jus a nenhum e, pior, pode contribuir para a perpetuação de estereótipos do tipo que todos já deveriam ter aberto mão há muito tempo – o que deveria ser perturbador se torna, em um sacrilégio máximo, puramente constrangedor e até risível.
A maior insatisfação, porém, chega na conclusão do filme: fazendo o possível para evitar spoilers, é triste perceber que nenhum, ou quase nenhum dos personagens do filme fez qualquer diferença para o resultado final, tamanha a inconsistência da narrativa para consigo mesma. Referências preguiçosas e retornos previsíveis de personagens que servem como fan service raso podem agradar a alguns poucos, mas nem de longe salvam “O Exorcista: O Devoto” de ser mais do que um filme medíocre. Em comparação com os outros lançamentos da franquia, este talvez seja o pior em muitos anos; mesmo o incompreendido e frenético “O Exorcista II: O Herege” (1977) possui alguns admiradores tardios, e o tenso “O Exorcista III” (1990) vêm angariando sucesso cult entre audiências mais receptivas. É difícil, no entanto, sequer imaginar o mesmo benefício sendo concedido a este, com David Gordon Green conduzindo a própria fórmula em direção a sua exausta, dolorida, moribunda conclusão. Mesmo o fã mais devoto (trocadilho não intencional) faria melhor ao ficar longe, por mais compelido que seja pelo poder que somente uma sequência a uma das grandes obras primas do cinema pode exercer. Um título melhor poderia ter sido “O Exorcista: O Indigno”.
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– Davi Caro é professor, tradutor, músico, escritor e estudante de Jornalismo
Fora a ingrata da mãe da Reagan, sem um pingo de noção chama os padres que morreram por sua filha no original de “patriarcados’…..
Ridículo
chamou um espírita, uma padre, um pastor,uma mulher que estáva expulsando demônio em nome da filha dela e no final o demônio foi embora sozinha, AFF posso nem falar que é ruim, em respeito as filmes ruins kkkkkkk surreal