entrevista por Leonardo Vinhas
O Velho Manco é uma banda de Jundiaí (SP) que acredita no desconforto como impulso estético. Ao mesmo tempo, a banda cita como inspiração artistas como Queens of The Stone Age, Nirvana, R.E.M. e Chico Buarque, gente que, por mais “torta” que possa ser em algumas sonoridades, sempre teve uma veia pop bem evidente.
Esse paradoxo se manifesta em “Egorama” (2023), novo EP da banda, editado de forma independente. Existe uma vontade subjacente, mas perceptível, de soar acessível. Porém, as canções se veem tomadas por um clima pesado e por diversas ambições. Ainda assim, “Egorama” é um exercício interessante de busca de identidade e de crescimento em um cenário bastante sufocado, que é o rock independente autoral.
Com o gênero estagnado pela falta de espaços para fomentar uma cena e pela mudança das “regras do jogo” da indústria musical, que confia cada vez mais em redes sociais e artistas individuais que se projetam mais como “criadores de conteúdo” que como músicos, fica difícil encontrar caminhos para expandir o alcance e ter alguma espécie de retroalimentação com o público.
Tiago Mancin (voz, violão e guitarra), Danilo Nascimento (guitarra e backing vocal), Edmilson de Souza (baixo) e Vinicius Andrade (bateria e teclados) sabem disso. E sabem que estão situados em uma cidade onde outras bandas autorais – como Do Culto ao Coma, Velodkos e outras – fazem pouquíssimos shows e realizam lançamentos esporádicos. É um cenário difícil, mas, como fica evidente nessa entrevista com o vocalista Mancin, O Velho Manco está disposto a enfrentar essas dificuldades e deixar uma marca com sua música.
Em que esse novo trabalho difere dos anteriores? Ou a intenção era justamente dar continuidade?
Ele difere dos anteriores em forma, conteúdo e técnica. Mas há uma continuidade aí relacionada ao estilo dos sons que nós fazemos, algo como uma tentativa de se imprimir uma autenticidade, que num futuro nos ouçam sem saber quem está tocando e possam chutar “acho que é O Velho Manco”. Em sua forma, esse EP se difere dos nossos outros lançamentos porque desde sua concepção a ideia era torná-lo mais sombrio que os dois singles anteriores (“Ad Nauseam” e Presente”), e certamente mais sombrio que o primeiro álbum “A Mosca” (2018). Nosso esforço foi o de construir essa sensação de estar em um local escuro absorvendo aquelas melodias, desde a arte da capa, passando pelas cores utilizadas nos vídeos de promo, na mudança das cores do logo acompanhando a capa, até as cordas que ligam uma música à outra e estabelecem, ou assim deveriam, um ambiente de tensão que diz ao ouvinte algo como “tem algo errado aí”. E ao mesmo tempo dançante ou instigante, que é parte do nosso estilo. Sobre essa obra se diferir dos demais em seu conteúdo, nós gostamos de fazer discos conceituais, e por isso cada lançamento nosso deverá ter seu conceito próprio. As composições estavam prontas e não iam entrar para nosso segundo álbum – previsto para meados de 2024 – por fugir de sua temática. Foi quando então quisemos lançar essas três músicas ao pensar no arco que as juntaria pelo elemento que têm em comum: o espetáculo do ego e seus possíveis impactos nas outras pessoas e na própria. A faixa-título e central é um mergulho em si mesmo do protagonista. As outras duas, dois possíveis resultados dessa alienação. E por fim, ele se difere tecnicamente porque, primeiro, é a primeira vez que fazemos tudo em um estúdio, com gravação e mixagem profissional, algo que até o momento era novidade pra gente, visto que absolutamente tudo o que gravamos no passado foi literalmente em uma garagem em um bairro periférico de Jundiaí. Segundo porque, consequência de terceirizarmos todo o trabalho de pós-produção, investimos mais tempo em elaborar melhor as composições, com mair preciosismo, inserindo elementos aqui e ali enquanto gravávamos ou participávamos da mixagem com o produtor musical.
O novo EP tem um ar sombrio, quase ensimesmado, e as canções não buscam exatamente a veia pop. Porém, a lista de influências que vocês citam no release é de artistas que majoritariamente buscavam essa comunicação mais imediata com o público. Imagino, então, que a influência acontece por outros caminhos, e que a intenção da banda é soar mais fechada em si, certo?
Mais ou menos. Embora nós tenhamos ouvido bastante de outras pessoas que nós somos uma banda que faz música autêntica, com um estilo que elas dificilmente encontram lá fora algo similar ao que fazemos, ao mesmo tempo não queremos entediar as pessoas que nos ouvem com algo que soe estranho demais ou erudito demais. Longe disso, diria até que algumas de nossas composições tem um apelo quase pop. Uma de nossas maiores referências, o Radiohead, são o que são porque conseguiram atingir o limiar entre o mainstream e a banda de nicho. Eles têm refrães e versos com melodias “catchy”, mas também outras com métricas difíceis de ser cantadas pelo público médio. Eles têm instrumentais dançantes, empolgantes com ciclos e frases curtas – ou complexos, com vários acordes, ritmos sincopados e timbres peculiares. A nossa idealização de música boa é simplesmente de música que se quer ouvir, seja imaginando uma cena, divagando sobre um assunto ou pulando e dançando animado, enquanto a ouve. Ao mesmo tempo, temos aquela intenção de educar o público a ser mais criterioso na escolha de seus entretenimentos individuais, então a busca eterna é achar esse equilíbrio que o Radiohead, em nossa concepção, conseguiu. Agora se formos falar de composição de letra e poesia, nós somos devotos da acidez e do desconforto – o nome da banda vem de um personagem criado em uma das faixas do primeiro disco, um cara ranzinza, esteticamente ranzinza. Então não queremos trazer boas notícias, não temos boas notícias pra dar a ninguém, é bastante comum que as pessoas sintam em várias de nossas músicas uma certa frieza a depender do assunto em que estamos colocando luz sobre. A teoria é que se envolvemos um texto com melodias e arranjos que dizem o contrário do que o texto diz, cada elemento puxa o outro para sentidos opostos e a emoção se contradiz gerando novo sentimento. E isso é fascinante. Ao mesmo tempo, pode resultar em afastamento de ouvintes que querem escutar músicas sobre amores, saudades, felicidade, e ficar bêbado nos fins de semana. Em suma, todas as referências que citamos no release nos influenciaram e influenciam basicamente em método de composição, em linguagem musical utilizada e atitude frente ao público.
Se o cenário rock já virou nicho, o que dizer do rock independente de cidades do interior. Qual é o caminho para uma banda como O Velho Manco: investir na movimentação local ou procurar espaços em outras paragens, ainda que a um custo muito maior?
Excelente pergunta, a qual se eu tivesse uma resposta objetiva seríamos pessoas mais felizes. Embora tenhamos quase dez anos de existência, nosso primeiro álbum vai fazer cinco esse ano, e tivemos a pandemia que bloqueou todo nosso trabalho por pelo menos dois anos e meio. Então, tecnicamente, somos uma banda jovem. Mas o cenário atual, como bem o descreveu, não deixa de ser desolador em vários aspectos. O que tentamos fazer nesse momento é diariamente gerenciar a apresentação de nosso conteúdo nas redes, tomando diferentes direções o tempo todo. E sendo mais direto ao ponto, nesse momento nós queremos compor e, mais importante, tocar para o público, seja em bares ou locais públicos com espaços mais amplos. Iniciamos em nossa cidade natal, Jundiaí, mas já estamos começando a expandir os shows para cidades vizinhas. A nossa meta é certamente tocar em lugares e festivais grandes, em São Paulo e outras cidades maiores, que inevitavelmente dão mais valor a bandas independentes. E em algum momento vamos ter que expandir nossa atuação sim, a um custo maior. Esse será nosso próximo passo. Por ora, vivemos o agora e acreditamos muito na união entre as bandas independentes, então temos montado nossos próprios pequenos festivais ou participado dos que acontecem em nossa região, sempre com o discurso de que precisamos de alavancar audiência, e que há sim qualidade a se encontrar nos streamings da vida. É só que se demanda um esforço de busca, a quem quer ouvir coisas boas e novas.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Sou suspeito porque além de gostar do som, torço para vossos sucesso.
Espero que o público com o tempo dê valor aos temas, às ideias, criatividade e ao som .
Se posso dizer algo por mais clichê que seja.
Acreditem e batalhem.