entrevista por Leonardo Vinhas
Em sua oitava edição, o Oxigênio Festival continua na missão de integrar diferentes vertentes estéticas e gerações de fãs do som underground. Punk, hardcore, metal, ska, emo, surf e até indie sempre deram as caras nas sete edições do festival (2006, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2022), e não será diferente em 2023, com um line-up que vai dos pioneiros norte-americanos do emo do Samiam até o Granada, banda quase lendária da cena alternativa brasileira.
Outros nomes de peso incluem Rancore, Blind Pigs, Dead Fish e os internacionais Chelsea Grin e The Slackers. Há espaço, ainda, para várias bandas iniciantes, e boas surpresas que já circulam há algum tempo, como Molho Negro e Sapo Banjo.
Mais uma vez, o festival acontece no Aeroclube Campo de Marte, em São Paulo, em dois dias (26 e 27 de agosto), com organização da Gig Music e do Hangar 110 – ingressos aqui. O Scream & Yell conversou com Rafael Piu, fundador da Gig e um dos idealizadores do festival, sobre essa edição vindoura e, principalmente, sobre o que faz um evento desse porte continuar existindo, contrariando a lógica financeira e desafiando a pasmaceira do roqueiro padrão. Papo lúcido e animado, como você pode conferir a seguir.
Esteticamente, o festival tem essa proposta do som veloz e pesado, tendo o hardcore como a base, mas abrindo espaço para muitas variantes. Levando em conta essa amplitude, você ainda diria que o Oxigênio conversa com um nicho?
Eu considero um festival de nicho, sim. Acho que a gente está muito com o pé nessa música underground. Querendo ou não, nada ali é de grande mídia. Ano passado a gente teve o Di Ferrero, esse ano tem a Day Limns, mas acho que a gente não tem nomes que são mega conhecidos no sentido de alcançar todo mundo. E sim, está tudo nichando cada vez mais. No metal, você tem o death metal, black metal, doom metal… A gente tem um guarda-chuva e dentro dele tem o hardcore, o skacore, o ska, o punk… Mas todo mundo que tá dentro desse guarda-chuva acaba se conversando bem, acho que sempre rola uma certa simpatia pelos outros sons.
Vendo pelos headliners, o festival conversa com um público mais velho. Ano passado a gente teve o Helmet, que apesar de super influente para muitas bandas do meio, não é conhecido por um público mais jovem. Poderíamos dizer o mesmo do Samiam e do The Slackers nesse ano. Mas sempre tem muita gente jovem no festival. O que cria essa ponte de gerações no Oxigênio?
É exatamente essa a nossa missão. Eu e meus parceiros, que trabalham com outras bandas, conversamos muito sobre lineup, e conceitualmente temos essa ideia de trazer bandas que deram origem a outras. Pega bandas como Bullet Bane e Menores Atos: eles foram influenciados pelo Helmet, ou por bandas que foram influenciadas pelo Helmet, sacou? A mesma coisa o Samiam. A gente tenta resgatar um pouco do que são as referências para depois conversar com o que tem de atual. O desafio do segundo dia dessa edição de 2023 é esse: pega o Chelsea Grin, que é uma banda bem jovem, e que conversa com a galera mais nova do metal. Eu tenho certeza de que eles são influenciados por um monte de bandas, entre elas o Samiam. As bandas nacionais são a essência do nosso festival, e também são grandes responsáveis por trazer o público mais jovem. E nisso, a gente consegue mostrar algum cara mais antigo que influenciou essa turma. E fazendo isso a gente vai ajudando a renovar essa cena, que eu mesmo considero bem envelhecida. Eu vejo a cena jovem do funk, do próprio sertanejo, do pop, é muito mais forte que a nossa. O rock sempre foi música de jovem, mas parece que não está mais assim.
É quase acadêmica essa discussão do rock ter perdido a capacidade de se comunicar com o público jovem (risos), e do roqueiro ter se tornado uma pessoa muito intransigente. Talvez no underground não seja tanto assim, embora eu tenha lá minhas dúvidas. Seja como for, no Oxigênio tem um espaço para novidades que não é tão presente em muitos festivais de rock. Mas como é a movimentação que atrai o festival? Quais os caminhos pelos quais a cena se move e forma público?
A gente divide um pouco a coisa. Na primeira parte, as primeiras três, quatro bandas, são bandas de qualidade, mas que ainda não conseguiram emplacar. A gente leva muito em conta o engajamento que elas têm, mais até que o próprio som, nesses casos. Por exemplo, tem uma galera que faz um maior corre, trabalha mídia social, vai distribuir flyer na Galeria do Rock… Esse corre é a essência do rock, sabe? Então a gente procura essas bandas, que vão curtir tocar no festival, que vão correr atrás, vão divulgar. Às vezes, nem compensa financeiramente para essa banda estar no festival, mas ela quer fazer essa movimentação acontecer. E aí, daqui a dois ou três anos, essa banda pode estar lá em cima, e vai lembrar com carinho a atuação dela no Oxigênio. E tem uma segunda categoria de banda que é aquela que está tocando em várias cidades, está lotando show, é muito pedida pelo público. A gente leva em consideração o que o público pede, muitas vezes. A gente tem também uma facilidade que é o Hangar 110, que é uma das produtoras do festival e que traz sempre muitas ideias. A Gig Music, minha produtora, também trabalha com muitas bandas e consegue visualizar quem está fazendo um bom trabalho, quem vai atrás pra fazer acontecer. As redes sociais também são um parâmetro. Sei que ali são só números, mas a gente também fica de olho nisso. Parece simples falando, mas não é. É difícil conciliar tudo isso, a gente gosta de muita banda, temos bandas amigas que muitas vezes ficam de fora… Mas não tivemos grandes problemas, está funcionando pra todo mundo. Pouquíssimas vezes repetimos bandas, e isso é muito legal.
É muito difícil garantir a viabilidade financeira de qualquer evento com a proposta underground. O Oxigênio tem uma “sede” muito boa no Campo de Marte, acontece há várias edições, e segue vigente. A que você atribui a longevidade do festival?
(risos) Se você apresentar o festival para algum especialista em investimento, ele vai dar risada da tua cara (risos). É o que a gente gosta de fazer, e não é muito distante do que a gente faz no dia a dia, já que a gente está sempre fazendo show de punk rock, hardcore, essas coisas. É difícil falar disso, mas tem umas três edições que a gente não ganha um real. É que não é só pelo dinheiro, né? Quando você tem um projeto, você não visa somente o lucro, ou não visa o lucro a curto prazo, pode estar pensando em como a coisa vai ficar em um ano, dois… Claro, tem algum patrocinador que vai lá e aporta uma verba que nos ajuda, mas o Oxigênio não é rentável. Nem é um investimento saudável. inclusive (risos). É o que a gente conhece, o que a gente sabe fazer. É como o escritor que escreve e publica vários livros e não ganha nada: ele está ali esperando o livro que vai virar um best seller, ou o que vai atrair atenção pelo nome dele, ou ele apenas tá fazendo a arte dele. De repente a gente tá só fazendo a nossa arte. Mas é uma loucura, cara. Eu mesmo fico doente por umas duas semanas depois do festival. Doente mesmo, já cheguei a ir pro hospital… Não dá pra explicar, mas a gente gosta muito. É muito legal ver a felicidade da galera no festival. Parece piegas, mas não tem preço. É muito daora.
Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural. Colabora com o Scream & Yell desde 2000, onde também assina a coluna Conexão Latina. É também colaborador eventual dos sites Music Non Stop (Brasil) e Zona de Obras (Espanha).