texto por Marcelo Costa
Após festejar os 10 anos de carreira de contratados como Jorge Ben e Jair Rodrigues em 1973, a direção da gravadora Philips verificou que em 1974 a cantora Elis Regina estaria completando 10 anos no elenco da companhia. Após os estrondosos sucessos de “Casa no Campo” e “Águas de Março” nos anos anteriores, o então presidente André Midani perguntou a Elis o que ela queria de presente e ouviu: “Gravar um disco de músicas de Tom Jobim… com Tom Jobim”. Midani não esperava um pedido desses. “Acho que eles esperavam que ela pedisse um carro, um Mercedes, e não um novo disco”, brincou Cesar em conversa com este jornalista em 2004.
Apesar do imenso sucesso de Elis, gravar um disco com Tom Jobim, a toque de caixa, era algo tremendamente dispendioso para os cofres da gravadora. O orçamento inicial não permitiria levar Elis, Cesar e Aloysio de Oliveira (produtor do disco) para os Estados Unidos, onde Tom morava há alguns anos. No entanto, diante da impossibilidade do maestro vir ao Brasil, Elis e Cesar foram para Los Angeles, onde Aloysio tinha um apartamento, e foram recepcionados no aeroporto por Tom – que os levou para tomar café em seu apartamento e, claro, para uma primeira reunião.
Há certo misticismo sobre as gravações que resultaram no álbum mítico “Elis & Tom”, de 1974, e o documentário “Elis & Tom, Só Tinha de Ser Com Você” (2022) surge agora para iluminar certas histórias que rondaram as quatro datas em que o álbum foi registrado nos estúdios da MGM, em Los Angeles, sendo que apenas em duas delas Tom Jobim esteve presente. Porém, também há exagero fantasioso ao narrar o episódio como um encontro de dois artistas que se odiavam, como muitos tentaram emplacar. Havia uma insegurança mútua na relação, típica de dois gênios se encarando, mas nenhum momento de ódio é exibido nos longuíssimos 100 minutos do filme.
Um dos documentários mais aguardados do 15º In-Edit Brasil por pessoas que apelidavam antecipadamente o material de “Get Back” tupiniquim, “Elis & Tom, Só Tinha de Ser Com Você” (2022) traz momentos sublimes do encontro mágico entre dois de nossos maiores artistas, filmados por um jovem Jom Tob Azulay e guardados por quase 50 anos. Por outro lado, o filme, recheado de material inédito imperdível de época, também frustra tropeçando na narrativa brega e exagerada e no formato equivocado, levantando a suspeita de que forças ocultas trabalharam nos bastidores batalhando interesses, o que quase pôs o filme a perder…
É só uma teoria da conspiração, pois o resultado final, apesar de um time competente na produção, não convenceu a expectativa, e olha que não precisava de muito: “Get Back”, dos Beatles, ignora entrevistas e blá blá blá desnecessário focando no que aqueles quatro músicos estavam “aprontando” em estúdio. No caso de Elis Regina e Antônio Carlos Jobim houve uma “necessidade” de situar o espectador na história dos dois artistas colocando na tela feitos deles antes do encontro (bem, o botão “antes” de Elis aparentemente quebrou, e a história dela passa por cima da gravação do disco e termina com a trágica morte da cantora, em 1982).
Ou seja, o roteiro não respeita a própria linha do tempo que o filme exibe na tela, confundindo o espectador com idas e vindas sem nexo, que apenas retardam o grande mote do documentário, que seria exibir os registros de época com Elis e Jobim em cena, e quando enfim essas filmagens aparecem (e o filme começa) já se foram quase 40 minutos de projeção. O ponto positivo, porém, é que as filmagens esclarecem o imbróglio impingido a dupla, que envolve ciúmes, egos, falta de informação e insegurança, mas nunca… ódio, resultando em um disco clássico e num filme que, apesar de todas as suas falhas, tem que ser visto, pois as imagens de época fazem brotar lágrimas dos olhos. Mas que poderia ser um filmaço, ahhhh, poderia.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.