entrevista por Guilherme Lage
“O futuro do rock n’ roll é escandinavo ou latino-americano”, declara Raul Signorini, vocalista, guitarrista e principal compositor da banda paulistana Sick Dogs In Trouble, que lançou seu primeiro disco, “Dead Lovers”, no último 31 de maio. A declaração corajosa faz sentido quando o play é apertado e, em “Dead Lovers”, é possível notar a influência dos Backyard Babies, uma das mais célebres bandas das paragens suecas.
Esta inspiração, no entanto, é raspada com as unhas, apenas uma pitada, feita para incrementar o som da banda, não tolhendo sua originalidade. Nota-se também as influências de gente como Social Distortion, Hardcore Superstar e New York Dolls. A essência do Sick Dogs In Trouble é mesmo essa: um passeio em meio à agressividade punk permeado por melodias palatáveis do hard rock, tal como fizeram Johnny Thunders e David Johansen 50 anos antes.
As letras caminham por questões atemporais, porém mais vivas do que nunca no século XXI: o isolamento, os mil e um questionamentos da existência, os amores mortos. Nada menos do que o esperado para alguém que, como Signorini, dedicou a vida à filosofia. Em entrevista ao Scream & Yell, o vocalista contou sobre as influências, sua experiência e expectativas no mercado independente e quem o fez querer empunhar uma guitarra pela primeira vez. Confira!
Vou começar com uma pergunta um pouco boba, mas é algo que me chamou muita a atenção: Sick Dogs In Trouble é um nome muito legal! Como vocês chegaram nesse nome?
Nem existe uma grande história por trás, na verdade (risos). Lembra daquela época que existiam uns blogs que disponibilizavam links para a gente baixar MP3, os discos das bandas e tal? Tinha um blog gringo que, se não me engano, se chamava Sweet Cats In Trouble, ou algo assim, e eles disponibilizavam só banda de protopunk, glam rock, glam metal, essas coisas e eu baixava muita coisa dali. Fiquei com esse nome na cabeça durante muitos anos e quando eu formar a banda pensei: “Vou dar uma roubada nesse nome”, só que o Sweet Cats não combinava muito, então pensei: “Sick Dogs tem mais a ver.” Foi mais ou menos por aí, é bem simples mesmo.
“Better Be Alone” é a primeira faixa de trabalho e ela fala sobre isolamento. Você se considera uma pessoa mais propensa a se isolar, ficar sozinho, ou foi algo que você aprendeu a curtir na pandemia?
Sempre fui assim. Sempre tive essa tendência ao isolamento desde a adolescência. E encaro, na maior parte do tempo, isso como um defeito. Já alimentei paranoias e magoei pessoas por essa característica. Mas os anos vão passando e vamos compreendendo as coisas de outro modo. Daí que no contexto da música percebi que o isolamento também era um mecanismo de defesa importante. Não era mais uma tendência a me isolar, mas uma necessidade. Afastar. Cortar laços. Se curar. Ressignificar coisas e seguir em frente. Assim, autocuidado não é exatamente uma coisa que você consegue fazer cercado por pessoas o tempo todo. Hoje vejo dessa forma: o isolamento tem que ser encarado com equilíbrio. Quero dizer, não dá pra gente pensar “sou eu contra o mundo”, temos parceiros, camaradas, gente que se apoia, gente que tá ali se fortalecendo. E isso é fundamental. Mas também é necessário compreendermos a nossa solitude, seguir nosso próprio caminho. Se permitir ser eremita em alguns momentos.
Esse lance de juntar punk rock e hard/glam é uma coisa que me remete demais ao Backyard Babies. Esse rock sueco dos anos 90 / virada do milênio, como eles próprios ou Hellacopters, foi uma influência?
Com certeza absoluta! Backyard Babies e Hellacopters, pra gente, no contexto dos últimos 30 anos, são as nossas maiores influências, referências. São duas bandas que todo mundo é apaixonado e super fã. Essas duas bandas nós somos fãs, mesmo! Declarados! Mas para mim todo o rock sueco dos últimos 30 anos, da Escandinávia como um todo, é a coisa mais próspera que a gente tem no mundo em relação ao rock n’ roll. Hardcore Superstar é fantástico, The Hives é fantástico, Crashdiet é super legal, Ghost é super legal, são bandas mais novas que não são dos anos 90 ou 2000. Acho sensacional até o Him que é dos anos 90, mas é da Finlândia, mas fazem um rock gótico, e a gente adora. Acho que os Estados Unidos e a Inglaterra, que dominaram o rolê do rock n’ roll durante a vida toda, estão bem caídos, acho que o futuro do rock n’ roll ou é latino-americano ou escandinavo, não tenho dúvidas disso. (risos)
Vi que vocês também são fãs de Social Distortion e isso me leva a duas perguntas! A primeira: Mike Ness sempre foi conhecido por ser um verdadeiro contador de histórias nas músicas dele. Notei isso na primeira faixa de vocês, há muito storytelling ali. É algo que você preza bastante? Contar uma história? E o Mike Ness foi uma influência nesse sentido?
É algo que prezo bastante, sim. Mas é algo para mim muito natural e o Mike Ness não foi uma influência nesse sentido e já te explico o porquê. Acho que isso está muito vinculado à minha formação, porque eu venho da área acadêmica, da filosofia, e nas minhas pesquisas eu sempre tentei fazer uma interlocução entre filosofia e literatura, que é outra paixão gigantesca que tenho. Então essa forma de compor que vem meio roteirizada, vamos dizer assim, para mim é muito natural e ela vem dessa minha formação. O Mike Ness me influencia muito, mas em outros aspectos. Talvez vai ter gente que vai querer me matar depois que ler isso, mas eu acho que o Social Distortion é uma banda de punk rock por acidente: o que vejo ali são caras, principalmente o Mike Ness, apaixonados por rock n’ roll, por rhtyhm & blues e rock n’ roll. É um cara apaixonado por Stones, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e acho que o som do Social Distortion se tornou o que se tornou, talvez muito mais por uma ineficiência técnica. Se fosse uma banda que todo mundo tocasse pra caralho, possivelmente seria uma banda tipo o Black Crowes. Por exemplo, Black Crowes e Social Distortion, muito embora pareçam bandas muito diferentes, consigo perceber que são bandas que bebem da mesma fonte e vão para caminhos diferentes. Acho que os últimos dois álbuns do Social Distortion mostram isso, eles vêm muito mais como uma banda de rock n’ roll mesmo do que exatamente uma banda punk. E o Social Distortion nos influencia nesse sentido, de fazer um rock n’ roll, punk, com backing vocals de soul e piano, tudo mais o que tem direito, que é a verdadeira banda de rock n’ roll. É mais por aí.
E o Social Distortion também é bem conhecido como ‘americana’, né? Essa junção de música tradicional e folk… será que vamos ver os Dogs com violões em algum momento?
Pelo menos em três ou quatro faixas usamos violão, mas de fundo e base, não tem nenhuma música conduzida pelo violão ou acústica. Mas é algo que, com certeza, a gente quer explorar nos nossos próximos trabalhos, porque principalmente eu e o Felipe, o outro guitarrista, a gente gosta muito da onda country. Acho que todo mundo que é fã de rock n’ roll e hard rock, gosta. Isso foi muito explorado no hard rock também por bandas como Cinderella, por exemplo, e no rock como um todo. A matriz do rock n’ roll tá muito fincada ali na música country também. A fase dos Stones com Mick Taylor nada mais é do que uma banda inglesa tentando fazer rock americano. A gente também quer se enveredar por esses caminhos de trazer uma sonoridade country rock em algumas canções, mas isso é para um futuro não tão distante da banda, pode esperar isso nos nossos próximos trabalhos, com certeza.
Você falou sobre a carreira acadêmica: como filósofo você deve enxergar a arte, não só a música, de uma maneira muito mais profunda. A arte é a representação da vida em si, não é? Vida e morte, luz e escuridão. É esse tipo de coisa que te atrai em projetos artísticos e musicais?
Cara, eu penso que sim. O primeiro registro histórico que nós temos enquanto civilização, enquanto cultura, ele não é pela escrita. A gente demorou muito tempo para dominar a escrita, essa habilidade de nos expressar através da escrita. Antes a gente já fazia isso através da arte: pintura, escultura. Eu acho que esse é o papel fundamental da arte, número 0, sabe. É fazer uma captura, um retrato do momento que a gente vive. Por isso tenho bastante dificuldade com a coisa do realismo fantástico, para mim não faria sentido nenhum falar sobre espada, duende, arco-íris, dragão, acho que isso não diz nada. Acho que a arte tem esse papel, ela precisa ter esse papel engajado no mundo. Da gente falar sobre a nossa realidade, seja ela social ou pessoal. Muito embora o pessoal também seja social, afinal a condição humana é universal ou universalizante. Isso pra mim é o fundamental, eu me atraio e busco fazer uma arte que vai nos lançar no mundo com os problemas reais do mundo, seja no sentido mais íntimo ou no sentido social. E nesse mesmo sentido também tenho muita dificuldade com aquelas expressões que soam muito revival, como uma cópia de uma fórmula que já foi explorada 1 milhão de vezes. É óbvio que a gente não vai reinventar a roda, não é sobre isso, mas acho que a gente também tem que ser fiel aos nossos tempos. Acho que o rock precisa se modernizar, em vários aspectos. É interessante, é importante, porque diz respeito ao momento que a gente está vivendo. Só fazendo a captura do momento que a gente vive, a gente vai ser capaz de refletir sobre ele e de encontrar respostas pra ele. Se a gente ficar falando do passado ou do fantástico, ou remetendo a ele, o que não é só em questão das letras, é também em questão de instrumentação, arranjo, acho que isso não vai nos levar a lugar nenhum. A gente vai cair muito mais na coisa do entretenimento do que da arte mesmo. A arte tem que ser provocativa, te fazer escutar uma canção e pensar ‘putz, eu tô passando por isso também, e qual é o caminho?’ A arte tem que apontar caminhos para o futuro, seja no aspecto pessoal ou no aspecto moral, pois existe uma responsabilidade moral muito grande, no sentido social. Pensar o que queremos da indústria fonográfica, do nosso cenário cultural como um todo, a arte tem que nos lançar pra frente. Não acho que a gente tem que ser cabeçudo e super reflexivo o tempo todo, escrever músicas sempre super elaboradas, não é por aí. A gente precisa fazer “rock n’ roll all night and party everyday’, também é importante o entretenimento, faz parte. Só não acho que a gente deva se enebriar nisso, a gente precisa ter outras preocupações que são mais sérias. A gente tem que expressar isso, senão, sinceramente, acho que a gente não está fazendo arte, está reproduzindo. “Estamos fazendo a Monalisa 10 vezes”. A primeira é foda, a segunda já tem menos impacto, a terceira, menos. Na décima, ninguém tá nem aí. Acho que um dos problemas da falta de popularidade do rock, claro que existem milhares, mas um é isso. Tudo soa sempre como uma grande repetição em todos os sentidos possíveis. É um desafio tentar fugir disso, mas se você não se colocar o desafio, não vai fazer.
E falando de guitarra, Raul, quem foram as pessoas que te inspiraram no instrumento? Que você olhou e pensou: quero aprender a tocar essa porra!
Com certeza, o sujeito que me fez falar essa frase foi o Johnny Thunders, que era o guitarrista do New York Dolls, que depois fez uma carreira solo fantástica. Mas depois, claro, fui agregando outras influências, então um guitarrista americano que eu sou apaixonado é o Johnny Winter, amo, é um guitarrista de blues, mas que toca o blues com uma agressividade fantástica. O blues do Johnny Winter às vezes soa até hard rock em determinada fase da carreira dele, é um guitarrista muito agressivo, que eu acho incrível. E os guitarristas ingleses do final dos anos 60, início dos 70. Eric Clapton, o próprio Keith Richards, esses caras eu amo, todos que levaram a guitarra blues pro rock n’ roll e fizeram isso com bastante autenticidade me influenciam muito. De maneira geral gosto muito dos guitarristas que são pré-Eddie Van Halen, que são guitarristas que estavam muito amarrados à forma blues de se tocar guitarra. Do Eddie Van Halen pra frente, muito embora eu ache fantástico, tem umas coisas maravilhosas, já não curto tanto. Vai numa onda de guitarra com ponte Floyd Rose, aquela técnicas de taping, two hands, essa onda eu já não sou muito fã. Já vai mais para a guitarra metal. Na minha opinião existem duas escolas de guitarra: existe a escola blues e a heavy metal, e eu tô muito mais próximo da escola blues. Para mim, meu top 3 é Johnny Winter, Eric Clapton e Keith Richards, mas tudo começa lá com o Johnny Thunders.
Eu também adoro New York Dolls, dá pra notar a influência até na estética de vocês…
Tem uma galera que acha a gente com um visual hard rock farofento (risos)
É porque não conhecem New York Dolls…
Até curioso você falar isso, porque a gente sofre um pouco com o deslocamento, muito embora a gente não se importe com isso, a gente acaba se divertindo. A galera que é mais punk acha a gente muito glam, muito hard rock, muito farofa. E a galera que realmente é hard rock, farofa, acha a gente muito agressivo, muito punk. E isempre que a gente foi defrontado com isso, a primeira coisa que passava pela minha cabeça era “vocês não conhecem New York Dolls, caralho! Vocês não conhecem Hanoi Rocks!?” (risos), Mas é só uma tiração de sarro, uma zoeira que a gente gosta.
E para finalizar, Raul, o que você acha que as bandas e o público podem fazer para manter a cena independente viva?
Existem diversas respostas, mas de cara penso em duas. Primeiro para as bandas: elas precisam se profissionalizar. A gente precisa subir o nível de qualidade, a gente precisa subir a régua. Acho que as bandas precisam de muito ensaio, nunca é demais. Ensaia pra valer, grava um material de qualidade, prezar por uma boa produção. Tenta guardar uma graninha, vai economizando de pouquinho em pouquinho, é foda para todo mundo, é difícil, mas é para você conseguir comprar um equipamento mais legal, ter seu equipamento bom. E por que eu digo isso? Porque eu acho que o que levou as pessoas, o público geral, ao afastamento da cena independente, foi a baixa qualidade que as produções se tornaram. Então às vezes você ia assistir um show e a metade da banda tocando bêbada, a outra tocando drogada, num lugar meio insalubre com microfone apitando, um amplificador com som de abelha do caralho, a banda tocando tudo meio que no foda-se. Aí você ia ouvir a banda em casa e a gravação também não era aquelas coisas, e isso foi afastando o público. Agora é o momento que a gente precisa se profissionalizar, se levar mais a sério. Acho que as bandas precisam disso! Sei das dificuldades, mas vai tentando fazer de pouquinho em pouquinho. Entender um pouco da dinâmica do que é o music business, do que é o marketing musical, dar a importância que isso merece. E o público precisa pagar por isso, essa é a verdade. Isso precisa ser financiado e o financiamento disso passa pelo público. Então assim, a galera precisa colocar a mão no bolso pra comprar uma camiseta, o merch de uma banda, ir no show. Não ter medo, se a banda for lançar um álbum exclusivo no Bandcamp, ir lá e pagar 5 dólares, 3 dólares pra ouvir o álbum novo da banda, porque a coisa se retroalimenta. A banda está profissionalizada, o cara vai no show e se sente mais à vontade de pagar o merch de uma banda que tá mandando bem. Com a grana desse merch a banda vai conseguir usar esse dinheiro para fazer uma gravação de maior qualidade, comprar um equipamento novo. A coisa precisa se fomentar financeiramente e acho que isso é dever do público. Começar a financiar isso melhor, de coração e mão mais aberta. Quando falo das bandas se profissionalizarem, não é só no sentido de qualidade. A galera precisa começar a viver disso ou ter um complemento de renda significativo com a banda e só o público que pode fazer isso. É só a galera entender que música não é de graça, pra banda chegar aqui e tocar não é de graça, tudo isso custa e eu vou fazer minha parte e pagar. Claro que guardado as devidas proporções e diferenças, o Guns N’ Roses só se tornou o que é porque a galera ia lá e comprava o disco. Tem que fazer isso. Bandas, se profissionalizem! E público, consuma, pague, porque é importante.
– Guilherme Lage (fb.com/lage.guilherme66) é jornalista e mora em Vila Velha, ES.
Não é ruim, mas é bem água com nada.
Se esse é o futuro do rock, f…