texto de Marco Antonio Barbosa
Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 2
A última noite do C6 Fest no Rio de Janeiro (sábado, 20/05) foi reservada ao rock. Terno Rei, Black Country, New Road e The War On Drugs mostraram, cada um a seu modo bem particular, como se conformam (ou não) com os limites do estilo. Conclusão nem um pouco surpreendente: quem se conformou menos foi capaz de voos mais altos e ousados. Já o público carioca, por sua vez, também mostrou suas próprias limitações… naquela que foi a noite com a menor plateia do evento.
Ao iniciar os trabalhos pontualmente, o Terno Rei deparou-se com uma plateia que não devia superar 200 cabeças. Ao menos eram 200 cabeças bem dedicadas. Ao fim da primeira canção, um rapaz berrou: “CARA, EU AMO VOCÊS PACARALHO!”, sua declaração empolgada ecoando longe no Vivo Rio semideserto. Único nome brasileiro no line-up do C6 carioca, o quarteto paulistano não se intimidou; pelo contrário, buscou deixar claro o prazer de estar ali, diante do reduzido mas emocionado fã-clube fluminense.
O espetáculo, fundamentado no repertório dos álbuns “Gêmeos” (2022) e “Violeta” (2019), transcorreu certinho. Até demais. As sutilezas de estúdio foram reproduzidas com exatidão, Alê Sater canta fácil e bem. Como carta na manga, convocaram Lewis Evans, do Black Country, New Road, para adicionar um sax soprano em “Retrovisor”. (Aliás, o BCNR estava todo assistindo ao show dos caras, bem atrás de mim.) Mas o “problema” do Terno Rei é justamente a falta de problemas. O indie pop límpido da banda carece de composições mais marcantes e/ou uma dose extra de punch. As duas condições só se manifestam eventualmente no show, como em “Esperando Você”.
Punch não faltou ao The War on Drugs, responsável pelo melhor disco internacional de 2014 (“Lost in the Dream”) na opinião do colégio eleitoral deste Scream & Yell. O combo liderado por Adam Granduciel carrega uma tonelada de equipamentos vintage para garantir maior pressão sonora e replicar os timbres dos discos. “Vintage” também é o visual do octeto, que, com suas cabeleiras revoltas e jeans gastos, parecem ter saído de um trailer park perdido no meio-oeste ianque.
Assim como rolou com o Terno Rei, a grande surpresa do show é a falta de surpresas. A inegável credibilidade indie do The War on Drugs contrasta com a escassa originalidade nas canções de Granduciel. Na verdade, a “surpresa” é ver um grupo tão mediano e previsível (um Wilco genérico? Springsteen sem o caráter épico?) amealhar tanta consagração. Até a estética white trash desgrenhada parece derivativa. Mas a banda repassa com evidente empenho canções dos últimos três álbuns, o suficiente para agradar a torcida. Talvez seja o máximo que se pode esperar deles, e isso eles entregam.
Entre o Terno e os Drugs, tivemos o Black Country, New Road – a grande incógnita da noite. O grupo britânico está em pleno momento de transição: imediatamente depois de lançarem o ótimo “Ants Up From There” (2022), perderam o cantor Isaac Wood e descartaram todo o repertório cantado por ele. O agora sexteto se reveza nos vocais das músicas novas, lançadas no álbum ao vivo “Live at The Bush House”. E também se reveza em uma multiplicação de instrumentos pouco usuais, como baixo tocado com arco, flauta e acordeão.
Formalmente uma “banda de rock”, o Black Country, New Road fez o melhor show de sábado justamente ignorando as barreiras do gênero. O approach atual tem mais a ver com o folk setentista, o progressivo ou com a face mais orquestral do post-rock do que com os chavões indie. Todos os músicos tocam muito bem (destaque para o baterista Charlie Wayne), desdobrando-se para dar conta da complexidade das composições e das mudanças na dinâmica. Tudo conduz para o ápice de “Turbines/Pigs”, puxada pela tecladista May Kershaw: quase 10 minutos de drama e turbulência literal & figurada. Até a plateia carioca, conhecida por sua tendência à dispersão, se calou para prestar atenção.
É necessário aqui um post-scriptum sobre a polêmica levantada pelo provocateur André Barcinski, que gastou um tempo considerável no Twitter comentando a baixa audiência da etapa carioca do C6 Fest. Sim, o Vivo Rio não lotou em qualquer das três noites; previsivelmente, o público veio diminuindo entre quinta e sábado, cabendo à noite de rock o quórum mais baixo.
Há razões conjunturais e estruturais para o – relativo? – fracasso de bilheteria. Na primeira categoria, podemos citar a divulgação deficiente e corrida, o preço alto dos ingressos e a concorrência com outros eventos de perfil mais popular, como o MITA. Este repórter apurou que a única noite com venda relevante de entradas foi a primeira (Kraftwerk e Underworld) – mesmo assim, com a apressada oferta de ingressos solidários por metade do preço, desapontando os ̶o̶t̶á̶r̶i̶o̶s̶ precavidos que pagaram a inteira. O alto número de celebridades na segunda noite denunciava o esforço feito na distribuição de ingressos 0800.
Estruturalmente, é preciso dar alguma razão ao Barça. É notória a dificuldade em atrair o carioca para eventos com uma escalação menos óbvia. Com capacidade para 4 mil espectadores, o Vivo Rio é simplesmente grande demais para o contingente de pessoas interessadas em música eletrônica/jazz/indie rock na cidade. Uma solução seria realizar o “puxadinho” carioca do C6 em um lugar menor… o que excluiria a megaestrutura necessária para um show do Kraftwerk. Ou, talvez, dobrar a aposta e transformar o “puxadinho” numa edição completa, investindo em mais/maiores nomes e em mais divulgação. Porque o carioca gosta mesmo é disso: bombação. A música é sempre um detalhe.
Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 2
– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br).