entrevista por Renan Guerra
No jornalismo é bastante comum que entrevistas fiquem perdidas em HDs e caixas de e-mail sem que cheguem ao público – por uma série de fatores. Esse aqui poderia ser um caso desses: ano passado conversamos com Cat Power quando ela estava para vir para o Popload Festival e, por motivos diversos, essa entrevista acabou não sendo publicada, mas é um papo que vale a pena chegar em mais gente, pois ela nunca pareceu tão tranquila e leve ao falar sobre sua música, seu momento de vida e seu olhar sobre o mundo (ok, com exceção daquela vez que ela pediu a um jornalista do El Pais para apalpar sua barriga).
Chan Marshall, a mulher-banda por trás de Cat Power, já foi uma musa errática que fazia shows imprevisíveis e ganhou fama de ser difícil, complexa e evasiva. Em 2022, a artista estadunidense completou 50 anos de idade e lançou seu terceiro disco de material alheio intitulado simplesmente de… “Covers” – os anteriores foram “Jukebox”, de 2008, e o icônico “The Covers Record”, de 2000. Com a maturidade e a maternidade, Cat Power parece ter encontrado mais leveza e paz no cotidiano e isso se refletiu em uma entrevista leve, em que ela deu risada, se divertiu e agradeceu de forma gentil cada troca.
Em uma conversa via zoom, Chan ainda contou um pouco mais sobre a sua relação com a regravação de canções, sua amizade com Lana Del Rey (“Ela não é boa em mensagens de texto, mas ela é boa em ter longas, longas conversas”), sua presença ativa nas redes sociais, ser mãe solteira (“Meu filho está comigo em turnê desde que ele tem dois meses”) e sua relação com a maturidade: “(Me sinto) Jovem! Feliz! Bonita! Eu estou amando meu corpo, é a primeira vez na vida que eu amo meu corpo”, ela diz. Confira o papo na íntegra abaixo:
Fazer covers de outros artistas e até de você mesma é uma atividade que vira e mexe retorna na sua carreira. Há um momento em que você sente a necessidade de cantar essas canções a sua maneira?
Com certeza. E que nem quando você aprende a fazer seu café da manhã, você não vai fazer esse café da manhã sempre igual pelo resto da sua vida – a não ser que você seja realmente muito bom em fazer um café da manhã e consiga sempre se lembrar das coisas. Eu penso que (fazer covers) é parte da tradição da música, de Johnny Cash a Nina Simone, todo mundo sempre está refazendo suas canções, regravando-as. Acho que é uma parte dessa grande tradição para os cantores, compositores e músicos, estar sempre voltando, em algum ponto, ao que você fez antes.
Mas você tem algum método ou processo na hora de trabalhar sobre a canção de uma outra pessoa?
De jeito nenhum! De jeito nenhum! Absolutamente não! É como quando você está em casa ou no carro, lembra quando na passado a gente tinha o rádio? Você sintonizava o seu rádio e dizia “caralho, está tocando a minha música!”. E na vida é “ah eu quero ouvir a minha música”, então se eu não tenho o disco ou o rádio, e eu tenho uma guitarra ou o piano, eu começo a cantar e é assim que um cover começa pra mim. Eu apenas quero ouvir a minha música.
Uma dos artistas que você fez cover nesse disco mais recente é a Lana Del Rey, com quem você já tinha colaborado anteriormente. Vocês são próximas, costumam trocar profissionalmente?
[Chan ri] Não, a gente colabora no telefone e fala sobre o que estamos passando, o que nossas amigas estão passando, ela é um anjo! Ela não é boa em mensagens de texto, mas ela é boa em ter longas, longas conversas – eu não sou boa em ter longas e longas conversas, por que eu falo meio… enfim, eu sou melhor às vezes em textos. Mas eu falo uma vez por mês com algum amigo pelo telefone – não sei, tenho uma relação estranha com o telefone…
Você é uma artista que usa bastante as suas redes sociais para reverberar questões sociais e políticas. Como você enxerga a importância de artistas se posicionarem politicamente perante esse momento de tensões mundiais que vivemos?
Penso que isso se sobrepõe ao artista. O artista é sempre uma forma de se conectar com esse desconhecido, com essas texturas indefinidas das pessoas, uma espécie de médium desse indefinido, e o artista está sempre tentando traduzir isso que todos estamos sentido de forma natural. E nisso há essa sensação de que os artistas poderiam falar porque estão atrelados a algo que nos conecta enquanto humanidade, e é por isso que nós amamos música, amamos arte, dança, nós somos muito conectados enquanto humanidade. Eu entendo que é completamente normal que o artista reverbere essas coisas para outras pessoas que não são artistas ou mesmo que não se enxerguem como artistas. Eu não me via assim, me sentia desconfortável em me associar a isso, parecia academicista, parecia de uma classe distinta, algo assim, mas com a minha maturidade eu fui vendo que todos nós temos esse “coração de artista” e isso é parte de porque nós amamos ensinar, cozinhar, dançar, cantar, festejar, ficar em silêncio, seguir em frente.
Nesse sentido, nas suas redes você acaba recebendo algum tipo de retorno negativo, de uma parcela do público, por causa desses posicionamentos? Ou é uma rede mais segura e de apoio?
Sempre! Eu sempre recebia muito e aí eu não podia publicar nas minhas contas durante semanas ou elas ficavam suspensas, isso aconteceu diversas vezes. Começou a acontecer dos bots apagarem o contexto das coisas, criarem meios de me desconectar de pessoas, e isso acontece com poetas, pensadores, músicos, universitários, ativistas, às vezes aparece que eu dei unfollow neles, ou que os bloqueei, ou mesmo os comentários deles são apagados. Mas eu acho que nos últimos tempo isso até mudou, pois na pandemia, como o nosso presidente dos Estados Unidos, nós tivemos todos aqueles problemas, e o Black Live Matters, a pandemia num todo, em escala internacional, isso fez o mundo ainda menor e mais difícil para esses – seja lá quem eles são – essas pessoas, e agora eles estão numa fase que enchem a minha rede com pornografia. Eles enviam imagens que possivelmente estão ligadas ao tráfico internacional de pessoas, parece uma coisa cada vez pior, é horrível!
Indo para outro lado e falando sobre a sua maturidade: você celebrou esse ano 50 anos de idade. Para você essas datas tem algum simbolismo especial? Como você se vê nesse momento? Pois também são quase 30 anos de carreira.
Jovem! Feliz! Bonita! Eu estou amando meu corpo, é a primeira vez na vida que eu amo meu corpo. E ser uma mãe! Eu estou aprendendo a realmente buscar essa felicidade ao acordar todos os dias de manhã e ser capaz de trabalhar, deixando todas as coisas acontecerem, vendo aquilo que me amarra e apenas saindo disso, seguindo em frente com graça e leveza, sendo cada vez mais eu mesma.
Nesse novo momento, qual a sua relação com a ideia de fazer longas turnês e viajar o mundo? Sua visão das turnês mudou após a maternidade?
Meu filho está comigo em turnê desde que ele tem dois meses e, pela primeira vez, eu fiquei longe dele dois meses no último verão. Eu tinha conseguido um trabalho abrindo os show do Garbage e da Alanis Morissette, na época eu tinha tipo 30 dólares na minha conta, e ainda bem que o pai dele veio de Nova York e ficou com ele e foi uma coisa, pois ele estava começando o primeiro ano escolar. E agora, enquanto eu estou em turnê, meu filho já está no segundo ano de escola e eu volto pra casa em novembro apenas e aí volto para a realidade, isto é, a minha realidade, com essa dualidade de ser uma mãe solteira enquanto tenho esse tipo de trabalho. E eu sou abençoada de ter o pai dele presente e colaborando, é uma coisa muito boa e eu sou muito grata a isso.
Faz mais de 20 anos desde que você veio para o Brasil pela primeira vez, de lá pra cá, você voltou em diferentes momentos de sua carreira. Você tem alguma expectativa para esse retorno?
Oh meu deus… [Chan respira um pouco, reflete] Sim, eu espero viver um momento maravilhoso, sabe? Ver as pessoas, esse país lindo, as pessoas lindas! E todas essas histórias, sabe, vocês passaram por muita merda no país de vocês e eu entendo demais isso, eu acompanho o que acontece e gostaria de estar mais presente no Brasil.
Eu entendo, mas será muito bom dessa vez!
Sim! Jack [White] vem matador; o Pixies; vai ser maravilhoso, muito divertido. Eu estou muito feliz de voltar!
Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.