Cinema – Com foco na cena capitaneada pelos Strokes, “Meet me in the Bathroom” se esquece de algo importante: a música

texto por Luciano Ferreira

Nova Iorque. Londres. Manchester. Seattle. Nova Iorque. Seguindo essa sequência de cenas musicais, a conclusão é de que tudo começou e terminou em Nova Iorque. Pensando em cenas, até o momento, a conclusão está certa. Desde meados da década de 70 (com o advento do punk rock e a posterior cena new wave/no wave) até os Strokes, o rock (entendido em seus diversos formatos) tem alcançado o seu pico quando surge alguma cena musical, seja ela criada de forma artificial (pela imprensa) ou natural.

O documentário “Meet me in the Bathroom” (2022) se concentra na que pode ser considerada, até aqui, a última cena musical a dar um novo fôlego ao combalido gênero musical que, para muitos, insiste em não morrer. E, pelo que se percebe no documentário, que se baseia no livro homônimo de Lizzy Goodman lançado em 2017, os Strokes foram os grandes culpados por esse sopro de vitalidade para o gênero na virada do milênio.

O que o documentário dos diretores Will Lovelace e Dylan Southern mostra não é exatamente o surgimento da cena musical de Nova Iorque, mas como a banda de Julian Casablancas foi catalisadora da cena – assim como o Nirvana havia sido décadas antes – e responsável por fazer com que vários artistas que já estavam ali, no underground, emergissem a partir do barulho provocado pelo quinteto, e muitas outras se formassem a partir daquela faísca inicial, que acendeu um barril de pólvora, mais uma vez ratificando a ideia de que, “eu também posso fazer isso, eu também quero fazer parte disso, é isso que eu quero”. E fortalecendo ou criando uma cena.

Strokes

Interpol, LCD Soundsystem, Liars, The Moldy Peaches, The Rapture, The Strokes, TV on the Radio e Yeah Yeah Yeahs. São esses nomes que surgem na tela durante os 105 minutos do documentário. E nesse momento que surge a pergunta: foi exatamente isso que vimos? Melhor: Vimos todas essas bandas com a mesma profundidade? Com a mesma preocupação? Não!

Embora até surjam outros nomes para além desses, o filme parece ter uma preocupação ou direção clara de focar em determinadas bandas/situações, aqui nos Strokes (o que faz bastante sentido), em seguida no Yeah Yeah Yeahs, Interpol e The Rapture/LCD Soundsystem. As outras bandas citadas logo acima, e também as não citadas, surgem como meros coadjuvantes, orbitando (assim como até mesmo as com maior exposição) os Strokes. Esse não é o único, mas é o grande ponto negativo do documentário.

Desejando ser não apenas um documentário musical, mas também um registro do cenário político-social da época, temas como o “Bug do Milênio”, o Napster e o compartilhamento de arquivos de MP3, o “11 de Setembro”, a Guerra do Afeganistão e o esvaziamento de certas áreas da cidade de Nova Iorque pós 11 de Setembro surgem como pano de fundo para a então eletrizante cena musical da Big Apple. Na verdade, são jogados na tela como tentativa de contextualização do período. O mesmo acontece quando Lovelace e Southern tentam contextualizar a música da época apresentando as imagens de premiação do Blink 182, Offspring e Linkin Park.

A abertura e o fim com poemas de Walt Whitman, declamado pelo ator Ed Begley, tentam dar um tom poético e emocional ao filme. Nos versos do poeta novaiorquino há uma ode à ilha de Manhattan. Em se tratando de um documentário musical, seria mais condizente uma música dos Strokes, do LCD ou do Interpol.

Algo não está certo quando em um documentário musical pouco se fala sobre música ou se usa a música ou trechos de suas letras. E se a intenção é fazer algo poético, é no mínimo estranho que nada de poético seja mostrado na trajetória das bandas, que são mostradas numa espécie de ascensão e queda (ou o inverso – caso do LCD Soundsystem), cada uma em um devido grau: a queda pela superexposição, a queda pela pressão e cobrança, a queda pelos excessos. É uma sensação melancólica com a qual o documentário opta por construir a partir de determinado ponto. Uma espécie de pós alguma coisa.

A euforia e a agitação inicial dão lugar a uma sucessão de momentos até mesmo deprimentes. Sim, eles fazem parte na trajetória de muitas bandas, mas a maneira como tudo é juntado em tela acaba gerando a sensação de “Ok, vocês agitaram a cena musical de uma cidade e se espalharam pelo mundo, mas vocês pagaram o preço por isso, vocês passaram”. Não é um resumo consciente que o documentário busca fazer, mas que surge de forma gritante nas entrelinhas.

Yeah Yeah Yeahs

Rico por trazer farto material audiovisual do período e por ser, talvez, o registro mais abrangente sobre a cena musical daquela época, “Meet Me in the Bathroom” esquece de falar sobre o que deveria ser o foco, a música, e não se aprofunda em nada ao que se propõe, nem mesmo nos Strokes. Sofre ainda de um problema de ritmo e de coerência com o tempo em tela de que deveriam ter seus atores, elegendo protagonistas, coadjuvantes, figurantes e até mesmo um vilão, Ryan Adams, que tem mais exposição do que algumas bandas.

Em um dos poucos momentos realmente de maior interesse, o documentário mostra a eufórica e vitoriosa primeira turnê dos Strokes e do Yeah Yeah Yeahs pela Inglaterra, para, em seguida, mostrar quão desastrosa foi a do Interpol. É pouco, muito pouco!

Se feito ali nos primeiros anos da década de 00, “Meet Me in the Bathroom” teria um impacto e uma justificativa para sua falta de foco e ausência de perspectiva. Feito mais de duas décadas depois, mais parece um amontoado de imagens de arquivo jogadas na tela, feitas de forma amadora e sem preocupação em situar quem acompanhou ou não a cena musical nova-iorquina dos anos 2000. O material sobre o qual o filme se debruça é rico, mas o resultado final fica aquém do que poderia ser.

 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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