Literatura: “Moçambique com Z de zarolho”, de Manuel Mutimucuio, destaca leveza e um bom humor de fazer rir durante a leitura

texto por Gabriel Pinheiro

E se um projeto de lei alterasse, de um dia para o outro, o idioma oficial do seu país? País este onde convivem diferentes dialetos locais e uma língua, até então oficial, imposta pelo antigo colonizador, que você, a duras penas, dedica horas diárias de estudo? É o que imagina Manuel Mutimucuio em seu novo romance, “Moçambique com Z de zarolho”, recém lançado pela Dublinense.

Hohlo é empregado doméstico. Mais do que isso, é o despertador da família do deputado Djassi: a rotina do lar só tem início a partir do momento em que o funcionário adentra a casa pela manhã. Vindo do interior do Moçambique, de Ndindiza, Hohlo busca oportunidades na capital, Maputo. Mas esbarra na barreira da língua: se fala de forma fluente o idioma changana, tropeça no português, a língua oficial da nação africana. Por isso, se dedica aos estudos noturnos, apesar do cansaço do trabalho e das distâncias percorridas em ônibus cada vez mais cheios. Dominar o português é o primeiro passo para o sonho de ascender socialmente. “Ele falava changana puro de Gaza, sem qualquer contaminação do português, mas tinha dificuldades igualmente notáveis quando se expressava na língua oficial da nação”.

Se a língua imposta pelo antigo colonizador, Portugal, ainda encontra barreiras entre a população do país, um projeto de lei aprovado pelo parlamento moçambicano vira tudo de cabeça pra baixo: a partir de agora, o idioma oficial da nação é o inglês. A suposta língua universal, adotada por alguns dos países mais desenvolvidos do globo. O gesto é, também, uma tentativa de rompimento com a memória colonialista de outrora. Mas, que outros colonialismos não se escondem na adoção forçada da língua oficial do mercado financeiro e tecnológico global?

Acompanhando dois personagens, Hohlo e Djassi, Manuel Mutimucuio descortina a maneira como essa mudança brusca e definitiva se impõe sobre classes sociais opostas. “E como sucesso reproduz sucesso, não devia surpreender ninguém que sejam as mesmas elites a tirar partido do advento do inglês como a nova língua franca de Moçambique”, conclui o editorial de um jornal contrário à nova realidade.

Com este romance breve e singular, Manuel Mutimucuio tensiona questões como o colonialismo, a desigualdade social, o racismo e o histórico comum a tantos países no que diz respeito à imposição linguística. Apesar de dado como natural, não é bem assim o funcionamento de um idioma. Em países com histórico de domínio colonial, quantas línguas e dialetos de povos originários foram soterrados para que a língua do dominador ascendesse e fosse entregue às gerações futuras como oficial?

Ainda que lide com o peso dessas questões, “Moçambique com Z de zarolho” traz como marca uma leveza impressionante, marcado por um bom humor de fazer rir durante a leitura, talvez por, em alguma medida, nos identificarmos com diferentes questões apontadas por ele. Sobretudo por nosso denominador comum no que diz respeito ao passado colonial. Como diz Reginaldo Pujol Filho na orelha do volume, o romance nos “ajuda a lembrar que somos tão (e muitas vezes mais) próximos de Moçambique do que de Portugal”.

– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel



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