texto por Paolo Bardelli
O trio The Pipettes foi um lampejo luminoso dos anos 00 e o álbum “We Are The Pipettes” uma brilhante estreia certamente inspirada nos anos 60, mas que em todo o caso marcou aquele (distante) 2006 (nota do editor: “Pull Shapes” é um single incrível!). Se passou batido por você na época, dê uma chance a esse álbum.
Rose Elinor Dougall foi uma das três Pipettes que seguiu em carreira solo em 2008 (Gwenno Saunders, que substituiu Julia Clarke-Lowes na época do primeiro disco, ainda tentou levar o grupo adiante com a irmã Ani num segundo álbum, de 2010, que não manteve o brilho da estreia) e, agora, se junta a Graham Coxon (Blur) no projeto The WAEVE.
É preciso dizer desde já: a maravilha deste primeiro álbum homônimo do duo parece dever-se sobretudo a Rose Elinor Dougall, que canta e toca piano e um sintetizador modular ARP 2000. Isto pode ser dito analisando seus três discos solo –”Without Why”, de 2010; “Stellular”, de 2017; e “A New Illusion”, 2019 –. três peças verdadeiramente marcantes que, confesso, fui ouvir só agora para escrever esta crítica, e que apresentam um indie-rock destemido, tendendo para o pop de câmara, mas em tons grandiosos, ligeiramente experimentais, enfim, três álbuns que merecem ser explorados.
Do outro lado, temos o Graham Coxon que conhecemos tão bem, seja como guitarrista e compositor (e eventual cantor) do Blur, seja em sua carreira solo, que já atingiu o número considerável de uma dúzia de lançamentos. Conhecendo as marcas tradicionais da musicalidade de Coxon é perceptível que pouco dela dá as caras em “The WAEVE”. Todavia, talvez seja um equívoco investigar um novo projeto como se fosse a soma natural de duas partes solistas, mas o fato a ser destacado é que The WAEVE é uma grata surpresa.
Trata-se do encontro de duas almas, artística e humanamente (os dois também estão vivendo um romance) e o resultado é frutífero. Pegue “Felt Mountain”, do Goldfrapp, coloque um baixo pós-punk que sustenta boa parte do som, acrescente os arpejos sinistros que podem ser encontrados em “Third”, do Portishead, junte a maleabilidade do Talk Talk mais linhas de sax bem dosadas (tocadas pelo próprio Graham, um dos primeiros instrumentos que ele tocou como um jovem músico nos anos 80) presentes em praticamente todas as faixas, o que dá um certo colorido jazzístico a um pop muitas vezes orquestral a lá Burt Bacharach (que descanse em paz) e você terá uma ideia suficientemente precisa do que é The WAEVE.
Essa é apenas uma tentativa de dar uma certa coordenada para que você, caro leitor(a), encontre esse caminho iluminado, mas espere mais, porque The WAEVE não se deixa enjaular em trilhos definidos, pois utiliza uma multiplicidade de linguagens buscando comunicar-se à sua maneira pessoal: solene, evocativa, graciosa.
Rose canta com muito mais frequência entre as 10 canções do disquinho, Graham faz algumas partes solo (“Kill Me Again” e “Alone And Free”, que remete ao tema de Twin Peaks), mas mais frequentemente dobra os vocais ou faz alguma intervenção, e tudo bem, porque se é verdade que o brilho do álbum goza da voz de Dougall, os desvios esporádicos de Coxon dão aquela variedade que torna a sucessão das peças ainda mais precisa.
“The WAEVE”, o disco, é certamente um álbum que necessita de atenção, não vai funcionar se você estiver ouvindo-o de maneira distraída, porque ele é repleto de camadas tanto quanto é sensível (com exceção da rápida “Someone Up There”). Portanto, não é um disco adequado para esses tempos agitados e multitarefa, o que justamente aumenta seu valor. Porque o seu encanto é o do tempo dilatado, dos projetos, do futuro, dos sonhos, das horas dedicadas a pessoas ou paixões (ou a audição de álbuns) com cuidado, dedicação e empenho. Algo agora obsoleto, tomado como somos, passando rapidamente deste para aquele outro estímulo.
“The WAEVE” nos manda parar e admirar o horizonte, e é uma sensação linda.
Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell.