Ao vivo: Em domingo histórico, Slipknot faz a festa ao lado de outros 11 convidados de peso no Knotfest São Paulo

texto por Paulo Pontes
fotos por Fernando Yokota

Um dos mais importantes festivais da chamada música pesada no mundo, o Knotfest enfim estreou na cidade de São Paulo, após ter sido adiado por conta do agravamento da pandemia de Covid-19 (anteriormente ele seria realizado no dia 19 de dezembro de 2021). Criado em 2012 (a primeira edição aconteceu em 17 de agosto, em Council Bluffs, Iowa) pela banda norte-americana Slipknot, o festival já passou por países como Estados Unidos, México, Japão, Colômbia, Argentina e… França. Quando a organização alterou a data do Knotfest Brasil, nem imaginava que as seleções de futebol destes dois últimos países iam ser protagonistas de uma grande final de Copa do Mundo no mesmo dia em que o festival rolaria na capital paulista. Bom, isso é papo pra daqui a pouco.

Black Pantera / Foto de Fernando Yokota

Na sexta-feira, 16, quando anunciaram que o Black Pantera seria a banda de abertura do Knotfest, substituindo a banda norte-americana Motionless in White, fiquei feliz, pois seria uma excelente oportunidade de ver pela primeira um show do trio que, merecidamente, tem conquistado cada vez mais o seu espaço. Mas não deu! Devido a problemas logísticos, cheguei ao sambódromo do Anhembi já na última música (mas muita elogiou os mineiros). Por volta de 11h35, horário que coloquei os pés no Distrito Anhembi em busca do portão de imprensa do Sambódromo, a concentração de headbangers do lado de fora era gigantesca, com uma fila quilométrica, sob sol e calor intensos. Ali do lado de fora, era possível ouvir os últimos acordes do Black Pantera. Quando entrei, o show já havia acabado. Ok, haverão outras oportunidades.

Vale destacar que, apesar do deslocamento e de tentar atravessar o mais rápido possível toda aquela multidão, o credenciamento e a entrada pelo portão da imprensa (26), ocorreu tranquilamente. Entretanto, segundo alguns relatos, o público geral não teve a mesma sorte. Demora na conferência de ingressos e atraso na abertura dos portões foram algumas das reclamações de quem chegou cedo. Já que não deu pra assistir ao show do Black Pantera, o jeito foi correr para o palco Carnival Stage (o Knotfest contou com dois palcos: Carnival Stage e Knotstage) pra pegar o show do Jimmy & Rats + Oitão. Tanto a banda do ex-vocalista do Matanza quanto a do jurado do Masterchef entregam shows vibrantes ao som de muito irish punk e hardcore, respectivamente. Jimmy London interagiu menos com a plateia que Henrique Fogaça, que falou um pouco mais com o público para introduzir as canções (e ainda pediu um coro de “Oitão, Oitão”, prontamente atendido).

Jimmy & Rats / Foto de Fernando Yokota

Por dividirem um dos horários do festival, ambas as bandas fizeram shows curtos (cerca de 20 minutos cada). Do lado de Jimmy & Rats, destaques para “O temido Lobo do Mar” e “Tempo Ruim”, esta última originalmente gravada pelo Matanza. Já pelo lado do Oitão, “Tiro na Rótula”, faixa que encerrou o show, foi a responsável pelo maior número de mosh pits, ainda que com um público “modesto” — diferente do sol que batia ali. Enquanto o Oitão estava no palco, parte dos presentes já se concentravam em frente a um telão sabiamente instalado pela organização um pouco mais próximo ao Knotstage, para presenciar um dos eventos mais aguardados dos últimos quatro anos: a final da Copa do Mundo.

Argentina e França protagonizaram um grande jogo de futebol, naquela que talvez tenha sido a melhor final de Copa que eu, particularmente, presenciei — ainda que em partes. Assim que o show dos paulistanos da Oitão acabou, fiz o mesmo, Messi já havia marcado o primeiro e estava 1×0 para a Argentina. Quem me conhece sabe que sempre torci muito pela seleção albiceleste (alguns chamam isso de “desvio de caráter”), então, foi incrível ver Ángel Di María marcar o segundo e direcionar o jogo para uma boa vitória ainda no tempo normal; ledo engano. No intervalo da partida, fui rumo ao Carnival Stage aguardar um dos cinco shows presentes na lista dos que eu gostaria de ver em 2022: Trivium. Enquanto isso, os telões do palco transmitiam simultaneamente o Project46 quebrando tudo lá no Knotstage. Mesmo que à distância, deu pra acompanhar o final da apresentação da banda paulista, que literalmente colocou a galera pra bater cabeça. Na penúltima música do setlist, o vocalista Caio MacBeserra desceu ao pit para dividir o microfone com a galera em “Foda-se (Se Depender de Nós)”.

Project46  / Foto de Fernando Yokota

Poucos minutos depois, eis que o Trivium sobe ao palco liderado pelo excelente vocalista e guitarrista Matt Heafy, vestindo uma jaqueta que “escondia” o que já dava para perceber ser a camisa da seleção brasileira. Sem dúvidas, a banda norte-americana fez uma das melhores apresentações do evento. Em alguns momentos Matt tentou se comunicar em português com a plateia, com frases como “canta comigo”, “e aí, São Paulo”, “foda pra caralho”, entre outras. A abertura do show ficou por conta da faixa que dá título ao mais recente disco do grupo, “In The Court Of The Dragon” (2021). O set, ainda que curto (oito músicas), deu espaço para faixas de seis dos dez discos de estúdio do quarteto. Em determinado momento, Matt provocou a plateia comparando os shows da banda na Argentina e no Brasil. Enquanto isso, no Catar, a França empatava o jogo com dois gols de Mbappé, deixando a final com tons ainda mais dramáticos. A concentração do público para ver o Trivium era imensa, todo mundo cantando, pulando, abrindo rodas e respondendo com muita energia. É inacreditável que essa tenha sido apenas a segunda vinda da banda para o Brasil (a primeira ocorreu lá em 2012). Que voltem muito mais vezes.

Trivium / Foto de Fernando Yokota

No Knotstage, o Vended, banda que tem em sua formação filhos de dois dos integrantes do Slipknot (o vocalista Griffin Taylor e o baterista Simon Crahan são filhos de Corey Taylor e Shawn Crahan, respectivamente), já se preparava para fazer seu show, mas no meio do caminho tinha o telão da Copa, agora com muito mais gente acompanhando a disputa Messi X Mbappé. Fiquei por lá. A grande maioria dos headbangers presentes no Sambódromo do Anhembi (pelo menos os que acompanhavam o jogo) estavam torcendo pela seleção de Lionel e por Lionel. Isso era perceptível nas reações de cada lance. No final do tempo regular: 2X2. E o número de pessoas só aumentava, inclusive na arquibancada em frente ao telão.

Vended / Foto de Fernando Yokota

Na prorrogação, vieram os gritos pelo gol de Messi, que ainda teve drama e demora na confirmação. Pouco tempo depois, algumas pessoas (timidamente) comemoraram o gol de Mbappé. Hora dos pênaltis. No Carnival Stage, o Sepultura já estava pronto para fazer seu show. Mas era final de Copa do Mundo. Como diria o Capitão Nascimento: “Ninguém vai subir”. Pelo menos não até o apito final. Quando as cobranças de pênaltis estavam para começar, o show do Vended já havia acabado. Com isso, os segundos antes de cada cobrança devem ter sido os momentos mais “silenciosos” do Knotfest. O silêncio foi quebrado a cada gol, na defesa de Emiliano Martínez e deu espaço a uma explosão de gritos quando Gonzalo Montiel fez o gol que deu o tricampeonato para a Argentina. Foi uma festa, com direito a cantos de “Ei, Mbappé, vai tomar no cu!”. Antes da Copa, o francês deu declarações no mínimo polêmicas sobre o futebol da América do Sul. Naquela que provavelmente foi sua última Copa, Messi levou o título de melhor jogador e deu para o torcedor argentino um tricampeonato aguardado por 36 anos. Dia histórico no Sambódromo do Anhembi. Dia histórico na Argentina. Dia ainda mais histórico para um jogador que vai ficar pra história. Voltemos ao metal.

Sepultura / Foto de Fernando Yokota

O Sepultura, como é de praxe, fez um showzaço. Logo na abertura a banda quebrou tudo com “Isolation”, faixa do disco “Quadra” (2020). Depois das duas que vieram na sequência, “Refuse/Resist” e “Means to an End”, Andreas Kisser se dirigiu ao público para agradecer e dizer que tinha amigos que estavam no backstage para algumas jams que rolariam durante o show. O primeiro a subir no palco foi Scott Ian (Anthrax e Mr. Bungle) para tocar “Cut-Throat” ao lado do quarteto brasileiro. Ainda teve Matt Heafy (Trivium) em “Slave New World” e Phil Anselmo (Pantera) em “Arise”. Este último pouco colaborou com a execução da faixa, apenas gritando no refrão. Valeu só pela presença. “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots” fecharam mais um puta show no Knotfest.

Resolvi trocar o show do Mr. Bungle, que ia rolar no Knotstage, por uma visita ao Knotfest Museum, local que contou com grandes filas durante quase todo o festival. Como a imprensa entrava sem pegar fila, resolvi arriscar. Logo na porta, uma “guia” — provavelmente norte-americana —, me perguntou em inglês se eu gostava de “Psychosocial”, faixa presente no álbum “All Hope Is Gone”, quarto de estúdio do Slipknot. Após minha resposta positiva, ela, gentilmente, disse que iria colocar a música para rodar enquanto eu (e outras pessoas) visitava o museu. No interior do espaço, uma série de itens ligados à banda, como máscaras e macacões utilizados nas primeiras turnês, instrumentos, premiações — inclusive um Grammy —, contrabaixo do falecido Paul Gray, um par de baquetas e um tênis de Joey Jordison, entre outros. Além disso, era possível tocar guitarras signatures dos integrantes e tirar uma foto em um acionador de explosivo, diretamente ligado ao clipe de “The Devil And I”. Valeu a visita, mas, segundo alguns relatos, me custou um grande show do Mr. Bungle com Mike Patton e companhia. Enfim, a vida é feita de escolhas.

Pantera / Foto de Fernando Yokota

Tempo para uma água e uma barrinha de cereal na sala de imprensa (muito bem localizada, por sinal, ponto positivo para a organização) e hora de conferir o chamado Tributo ao Pantera, liderado por Phil Anselmo. Anteriormente, o show também teria o baixista Rex Brown, mas ele precisou se afastar pois testou positivo para Covid-19. Em seu lugar foi convidado Derek Engemann. Completaram o time o baterista Charlie Benante (Anthrax) e o icônico guitarrista Zakk Wylde. Não poderia ser diferente, até porque Zakk sempre foi cogitado para, em uma eventual reunião da banda, assumir a função que era de Dimebag Darrell. Tinha tudo para ser um grande caça-níquel, mas, contrariando algumas previsões, foi um show bem honesto, em que cada música foi executada primorosamente pelo quarteto. A banda priorizou os discos “Vulgar Display of Power” (1992) e “Far Beyond Driven” (1994), mas também trouxe clássicos de outros discos, como “Cowboys From Hell” (1990) e “Reinventing the Steel” (2000). Rolou até um momento de homenagem a Dimebag e Vinnie Paul, com imagens nos telões ao som de “Cemetery Gates”. No final, o tributo ao Pantera reuniu, provavelmente, o segundo maior público do Knotfest, ficando atrás apenas do Slipknot.

Pouco antes do início do show, um cara parou do meu lado e mandou: “Daqui não tá ruim não, véio! Vai ter que me aguentar do seu lado”, se referindo à vista do palco. A camiseta era do “Cowboys From Hell”. O boné também era do Pantera. E ele cantou cada frase, “solou” junto com Zakk e curtiu um grande show de metal. Hora de dar uma corrida até o Knotstage para prestigiar o Bring Me The Horizon. Fora o Slipknot, com certeza esse foi o show que contou com o público mais diverso em relação à faixa etária, com a prevalência de muitos jovens e adolescentes. O carismático vocalista Oliver Sykes se comunicou praticamente o show todo em português, ainda que com alguns erros aqui e ali. Foi bem legal ver essa interação. Vale lembrar que ele é casado com a brasileira Alissa Salls e, atualmente, mora em Taubaté.

Bring Me The Horizon / Foto de Fernando Yokota

Oli já iniciou o show perguntando ao público: “Estão prontos para uma festa?”. A resposta foi extremamente positiva. No palco, relativamente simples, muitas luzes e vários efeitos visuais deram um tom colorido aos telões. Em vários momentos da apresentação, Oliver fez um pedido para os fãs: “Eu preciso de um mosh pit ‘mais grande ‘, São Paulo!”. As faixas de destaque foram “Mantra”, “That ‘s Spirit”, “Parasite Eve” (puta refrão marcante) e “Sleepwalking” (a mais pedida pelos fãs). Pouco antes do Bring Me The Horizon encerrar seu show, atravessei novamente todo o sambódromo para chegar no Carnival Stage a tempo de pegar o início da apresentação do Judas Priest. Aos 71 anos, é impressionante a aula de técnica vocal que Rob Halford dá no palco. Dos falsetes ao gutural, o cara mostra que ainda é um verdadeiro “Metal God”. O setlist foi matador, indo de “Electric Eye” até “Living After Midnight”, passando por clássicos absolutos: “You’ve Got Another Thing Comin’”, “Turbo Lover”, “Painkiller” e “Breaking the Law”, só para citar alguns. Foda!

Judas Priest / Foto de Fernando Yokota

Após mais de 10 horas, chegava o momento dos donos da festa darem as caras (ou seria as máscaras?) no Knotstage. As gravações de “For Those About to Rock” (AC/DC) e “Get Behind Me Satan and Push” (Billie Jo Spears) serviram como prelúdio para que Corey Taylor (voz), Mick Thomson (guitarra), Jim Root (guitarra), Sid Wilson (DJ), Alessandro Venturella (baixo), Shawn “Clown” Crahan (percussão), Craig Jones (pickups), Jay Weinberg (bateria) e Michael Pfaff (percussão) subissem ao palco. Era hora de Slipknot. A destruição sonora começou com “Disasterpiece”, seguiu com “Wait and Bleed” e abriu espaço para uma das mais recentes, “All Out Life” (2018). Mas antes desta, Corey se dirigiu ao público para demonstrar sua felicidade em estar de volta a São Paulo e perguntar como todos estavam se sentindo. O set seguiu com “Sulfur”, “Before I Forget” e chegou na única música do novo e excelente álbum (The End, So far, de 2022), “The Dying Song (Time to Sing)”.

Lá pela metade do show, Corey chamou todos de família e disse que essa família tinha um código. Na sequência, mandou “If you’re 555, then I’m…”, o público, em uníssono, completou: “666”. Era a deixa para “The Heretic Anthem” (uma das preferidas deste redator). É fantástica a forma como o vocalista tem o público nas mãos e, ao mesmo tempo, consegue dividir muito bem os holofotes com os outros integrantes do grupo que sempre dão um show de performance. As máscaras ajudam, claro, mas cada um sabe exatamente o que fazer para atrair os olhares da plateia. “Spit It Out”, lá do álbum de estreia, foi a última antes do bis e contou com o já clássico momento em que Corey manda todos se abaixarem para pular apenas quando ele disser “jump the fuck up”. Sempre funciona perfeitamente bem. Após uma breve pausa, os nove voltam ao palco para mais duas pedradas: “People = Shit” e “Surfacing”. Fogos de artifícios são lançados acima do Knotstage e todos saem do sambódromo ao som de “‘Til We Die” com a certeza de terem experienciado um show impecável, em um festival que tem tudo para voltar em outras edições para o Brasil. Que não esperem quatro anos para isso. Enfim, domingo histórico!

Slipknot / Foto de Fernando Yokota

– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash, assina a Kontratak Kultural e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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