Texto por Daniel Tavares
Todas as fotos por Fernando Yokota
exceto as fotos do The Killers, por Chris Phelps
De carona nas comemorações dos 50 anos no Brasil da Fórmula 1, o festival GPWeek, uma produção da 30E – Thirty Entertainment, com forte apoio do banco digital C6 Bank, aconteceu neste sábado, no Allianz Park, na capital paulista, esgotando 50 mil ingressos e inaugurando a polêmica área vip dentro da área vip. Com atrações novas e algumas mais tradicionais voltadas ao público indie, o festival, com ingressos esgotados, promete estar no calendário de grandes eventos em São Paulo e comemorar junto com o público paulista (e de outros estados), os 51, os 52, os 53, e assim por diante, anos de velocidade nas pistas brasileiras da Série A das corridas automobilísticas. Ou até se dissociar delas (até porque fora a data, o estilo e o imenso palco, com decoração que remete à uma pista de corridas), não era realmente nítida uma relação do festival com a competição. O Scream & Yell esteve no festival e agora conta como foi.
FRESNO
Pontualidade e organização foram a tônica do festival. As primeiras atrações subiram ao palco sem nenhum minuto de atraso. E, para a largada, o grid contou com os gaúchos da Fresno na Pole Position, comemorando um revival emo que teima surgir no país. O show teve bastante foco no álbum mais recente da banda formada por Lucas Silveira (vocal e baixo), Gustavo Mantovani (guitarra) e Thiago Guerra (bateria), “Vou Ter que me Virar”, lançado no ano passado, mas dando uma pincelada também em álbuns anteriores, como “Sua Alegria Foi Cancelada” (2019), com “Cada Acidente”, por exemplo, mas deixando de fora canções pedidas pelo público, como “Milonga”, do “Redenção” (2008). O presidente, que “quer acabar com a gente”, como na letra de “Fudeu”, foi várias vezes mencionado (embora não nominalmente) e não apenas em letras de músicas como “Eles Odeiam Gente Como Nós”. Respondendo ao coro que surgiu na arquibancada (“ei, Bolsonaro, vai tomar no cu”), Lucas afirmou: “Já tomou. Agora só falta ser preso”.
Mas, a maior característica do emo, estilo o qual a Fresno é um dos maiores representantes no país, não é falar de política, e sim, de emoções (o que dá nome ao estilo), descobertas adolescentes e pós-adolescentes, amores não correspondidos e amores perdidos. “Vamos voltar a falar de corno”, convidou Lucas antes das melancólicas “Diga, parte 2” e “Casa Assombrada”. Com canções encharcadas de sentimento (AKA choro) e cantadas pelos fãs, Lucas respondeu aos fãs que os chamavam de “melhor banda do Brasil”: “pelo menos temos os melhores fãs”. Ressalte-se que, naquele momento, o Allianz estava ainda muito longe de sua lotação total, então, quem tinha chegado tão cedo era realmente quem não perderia o show da Fresno por nada no mundo. O show terminou com a afirmativa de que “o emo nunca foi embora” e uma boa versão de “Eva”, da Rádio Taxi (também popular – ou até mais popular – na versão da Banda Eva).
THE BAND CAMINO
Nada mais apropriado para um festival que celebra a velocidade das corridas que uma banda com nome de carro. E na segunda posição largaram os tenessianos Jeffery Jordan (vocais e teclado), Spencer Stewart (vocais e guitarra) e Garrison Burgess (bateria). O hit radiofônico “Know It All” queimou a largada começando antes mesmo das imagens aparecerem nos telões. Ignorando o problema, a banda, que se apresentava pela primeira vez na América do Sul, fez questão de frisar o quanto estava feliz por estar no Brasil e mandou “Roses”, outra também bastante aclamada por quem os conhecia.
Jordan e Spencer dividem os vocais na maioria das músicas. Em algumas, como “Song About You”, Jordan troca o teclado pelo violão. O som é majoritariamente pop, com algumas incursões rápidas pelo rap e pouco peso. Embora seja até interessante, nem todo mundo aprovou. Muitos aproveitaram a ocasião para sentar-se e aguardar ou comer. O sol também não ajudava, ainda no meio da tarde. Num momento, Spencer até levanta a guitarra sobre o próprio corpo como se tivesse acabado de fazer um solo hendrixiano, mas, há realmente muito pouco a prestar atenção nas notas que saem de sua guitarra. Até Hanson traria um pouco mais de peso. Enfim, este não é um evento de heavy metal, mas o pop-matinê acaba cansando um pouco e empolgando menos. O show só volta a ficar realmente interessante quando a ilustre presença de um brasileiro é percebida no palco. O guitarrista Mateus Asato chega para as três últimas canções. Com experiência em fazer a diferença em concertos de artistas majoritariamente pop, como Jessie J e Bruno Mars, o aclamado brasileiro foi aquele convidado que rouba a cena.
Enquanto Jordan agradecia mais uma vez a oportunidade de tocar no Brasil, Spencer e Burgess ainda vestiram camisas do Palmeiras. Apropriado, afinal estamos no estádio alviverde. Se tivessem vestido camisas verde-amarelas, é possível que tivessem sido vaiados, tamanha é a abjeção à camisa da Seleção hoje em dia (principalmente após os últimos acontecimentos).
HOT CHIP
Três sintetizadores no palco indicam que a partir de agora teremos uma overdose de música eletrônica. E a banda batata frita sobe ao palco com algumas ausências (Felix Taylor e Al Doyle não apareceram). Mas a presença sempre carismática de Rob Smoughton, o Grovesnor, (o que não é nenhuma raridade nos shows da banda) compensa tudo. Vestidos como tiozões em férias (com exceção de Alexis Taylor, este mais no estilo clubber, com óculos a Elton John, camisa de dinossaurinhos, colete rosa e calça brilhante), os quatro Hot Chips no palco, Rob, Alexis, Joe Goddard, Owen Clarke dividiam-se entre vários instrumentos. O quinto elemento, cujo nome vamos ficar devendo, era o único que não ficava trocando entre teclados e instrumentos de corda.
A voz de Alexis Taylor é doce e frágil, chegando a um limite perigoso em que poderia até ser considerado desafinado, mas, com uma calma a la Neil Tennant, casa bem com o som da banda. No show, os britânicos apresentaram o álbum mais recente “Freakout/Release” com os singles “Down”, que abriu o show muito bem, a faixa-título, e a excelente “Eleanor” (não, não era Rigby), intercalados pelo hit “Flutes” e seu palavrório hipnotizante.
Grovesnor mostrou um português muito bem articulado (pelo menos em algumas frases ensaiadas). “Estamos muito felizes com a nossa música no Brasil. Viva o Brasil”. Momentaneamente, Goddard também assume os vocais, em “Hungry Child”. E “Ready for the Floor” também põe todo mundo para dançar. Adiante, mãos para cima recebem “Melody of Love”, que é realmente uma canção onde domina o romantismo, sem deixar de ser um típico balanço. A funkeada “Dance”, cover das irmãs Scroggins (ESG, joias a serem sempre redescobertas) cede lugar à calma “Over and Over. Eles não perdem tempo saindo do palco para um bis e a vocalização “I’ve got something for your mind, your body, and your soul / Everyday of My Life” já bota “Huarache Lights” na arena. Os súditos da rainha só ficaram devendo em terminar o show com “I Fell Better”. Sim, estávamos nos sentindo muito melhor, mas bem que poderiam estender a festa por mais uma meia horinha. Excelente show. New Order, Erasure e Pet Shop Boys andaram para que os Hot Chip pudessem correr. E correram bem.
TWENTY ONE PILOTS
20 pilotos iriam se apresentar no dia seguinte no Autódromo de Interlagos, mas ali no estádio do Palmeiras, agora já noite de sábado, era a vez de 21 pilotos, ou melhor, apenas dois, Tyler Joseph e Josh Dun no, talvez, show mais surpreendente que o estádio já viu desde que saiu das pranchetas de seus arquitetos.
Os gritos na escuridão recebem o duo. E que som bacana eles conseguem fazer apenas com piano e bateria. Quem abre o show é o libelo anti-armamentista “Guns for Hands”. E quem consegue mesmo dormir tranquilo num país como aquele em que o duo nasceu (ou como o que o presidente que recebeu “gracejos” no começo da tarde e seus asseclas queriam?). Os dois começaram o show usando balaclavas, mas lá pela segunda música (“Morph”), Tyler tira o acessório (Josh já tinha se livrado dele) e ambos sobem no piano, de onde Josh dá um “mortal” pra trás, surpreendendo quem ainda não imaginava que esse seria apenas o começo de um festival de estripulias.
Em seguida, a banda de apoio (ainda não chegam a vinte e um) aparece para uma jam empolgante. O destaque entre eles é o baixista Skyler Acord, dominando o som com seu groove. Mais tarde, mais uns sujeitos aparecem, mascarados, pra jogar fumaça no pessoal. No telão, um carismático bebê diabinho (o do clipe de “Chlorine”, a música da vez) adquire chifres cada vez maiores. Ainda é fofinho, ora. Eles param um bom tempo olhando pro público, como se avaliando a situação, antes de Tyler continuar a música perguntando se ainda estávamos com ele.
“Mullberry St” não é exatamente uma daquelas canções em que isqueiros (nos anos bons) ou celulares (agora) são acessos e transformam estádios em noites estreladas, mas Tyler incentiva o público a fazer uma brincadeira, quando o título da canção é pronunciado na letra, dividindo o público em setores e pedindo para levantar (“acima”) e baixar (“abaixo”) os celulares. “Gostei dessa palavra – abah-eescho”, diz ele, sobre o som do vocábulo em português que tinha acabado de aprender.
O próximo ato do teatral show é um verdadeiro luau, com uma fogueira de verdade (!) e quase toda a banda tocando instrumentos acústicos (violões, ukulele, sanfona, cajon, violino – apenas Skyler tocava seu contrabaixo). E o público canta junto cada uma das músicas dos medleys que neste momento eles entregam. Ao finalzinho, até Josh toca trumpete. A fogueira acabou. Todo o palco fica escuro. A gente sabe que estão desmontando o “acampamento” para a próxima viagem (mas não precisa espalhar). E, na penumbra, apenas o trompetista Jesse Blum pode ser visto. E ele toca a nossa “Aquarela do Brasil”, emocionando mais ainda o público. Ele próprio postaria o momento em suas redes sociais. Veja em https://www.instagram.com/p/Ck-3kmfujGT/
Tyler volta tocando um baixo, a música, com uma boa dose de peso é “Jumpsuit”, que até lembra um metalcore vez ou outra. Este foi o último show da turnê (e o último show em um bom tempo dos Twenty One Pilots). Não. Eles não vão encerrar as atividades, mas vão se dar umas férias para recuperar a energia e a capacidade de surpreender. Talvez por isso, Tyler tenha agradecido tanto e perguntou se o público queria que eles voltassem. A aclamação foi a resposta. E a resposta à aclamação foi uma completa bagunça. Tyler some. Descobrimos no telão que ele está no meio do povo. Depois é a vez de Josh, mas ele não vai sozinho. A bateria chega até ele meio que surfando na multidão.
Terminam como começaram, de máscaras, só piano e bateria. A voz de Tyler e do público. Mas ainda não é hora de acabar (dessa vez eles conseguiram enganar quem já viu centenas de “bis”). E lá vai Tyler de novo. Ele achou que estava muito estressado e foi fazer mais estripulias. Foi escalar a estrutura da house mix no centro do campo. Lá ele ainda tocou baixo também. Antes da última, Tyler agradeceu de novo e pediu pra ser trazido de volta. Praticamente implorou. Precisava pedir? Pode voltar semana que vem, cara. Na boa. O duo ainda volta para tocar no meio do público. Cada um com um tambor. E somem em meio a chuva de papel verde e amarelo.
THE KILLERS
“Nós esperamos que vocês aproveitem a estada. É bom ter vocês conosco, mesmo que só por um dia”, diz a canção “Enterlude” da banda The Killers, em comunicação direta com o público, assim como antes outros quatro músicos (ingleses) tinham dito. “É maravilhoso estar aqui, certamente uma emoção. Vocês são uma plateia tão adorável que gostaríamos de levá-los para casa”, tinham dito os quatro de Liverpool. Não é possível esquecer.
Mas ainda iria demorar um bom tanto para que ouvíssemos Brandon Flowers declamar a letra de “Enterlude”, sabidamente a segunda do setlist. A ansiedade do público era grande, e o cansaço também, principalmente de quem tinha chegado cedo. Aqui aparece o que talvez tenha sido o único ponto negativo do festival. Embora os shows tenham sido absolutamente pontuais (se algum atrasou cinco minutos foi muito), a programação deixou espaços enormes entre uma banda e outra. Claro, as trocas de palco acabam servindo de oportunidade para ir ao banheiro, comprar alguma coisa, tentar achar alguém conhecido (ou mesmo conhecer alguém). Em festivais com dois palcos, em que um show começa logo que o do palco ao lado termina, o dinamismo é bem-vindo, mas acabamos sempre perdendo alguma coisa. No entanto, não se pode exagerar nesse tempo de troca, seja isso algo imprevisto ou intencional. E uma hora entre o show dos Twenty One Pilots e The Killers é um tempo enorme. Enorme. Aí, quem estava nas arquibancadas teve a vantagem de pelo menos poder aguardar sentados.
E já que começamos a falar do que deve ser revisto numa próxima edição, falemos também das “três pistas”. Além da pista comum, da pista premium (não tão premium assim) ainda havia uma ainda mais à frente, mais próxima do palco (uma pista premium dentro da pista premium!). Não cabe a nós discutir preços (até porque cada ingresso posto à venda foi adquirido por alguém), mas esperamos que esse tipo de divisão não vire moda. Enfim, vamos falar do show. Estamos aqui pra isso.
Ainda na penumbra, Brandon começa “My Soul Warning”, que começa calminha e se engaja num crescendo digno de abertura de show, que, de susto, ainda dispara mais um canhão de papel. O guitarrista Dave Keunig e o baixista Mark Stoermer, embora ainda listados como membros da banda, já não participam há muito tempo das turnês, sendo substituídos pelos centrados Ted Sablay e Jake Blanton, respectivamente. Duas baixas já sabidas, mas, vamos lá, ainda havia alguma esperança de ver a banda em sua formação mais clássica.
“São Paulo, foram 4 longos anos. Vocês esqueceram da gente? Vamos descobrir agora”, diz, com entonação de João Paulo II, em português o carismático vocalista. E “Jenny Was a Friend of Mine” incendeia o Allianz. Adiante, mais português, dessa vez escrito no telão. A frase “Somos Humanos” no telão servia de resposta à pergunta que Brandon faria na letra da canção que todo mundo sabia que seria a próxima, “Human”, tocada com uma intro mais longa e baseada no teclado do vocalista. Será que somos mesmo? Ou somos um “dançarino” (o que quer que ele queira dizer com isso)?
Antes do grande sucesso “Somebody Told Me”, Brando dá boas-vindas a todos a Las Vegas, Nevada. Junto com o público dançavam os lasers coloridos que saiam do palco e pintavam a parte superior das arquibancadas do outro lado. A mais nova da banda, “Boy”, dedicada a um dos filhos de Brandon, segue o hit de “Hot Fuss”, o primeiro álbum.
Sobre o resto da banda podemos dizer que o ataque e entrega de Ronnie Vannucci Jr. é grande, mas Ted e Blake são meio apagados. E nem é porque são músicos de turnê, mas porque lhes falta mesmo (principalmente a Blake, que toca praticamente o show inteiro olhando para o próprio instrumento) demonstrar um pouco mais da emoção que uma banda de rock normalmente demonstra. Vimos absurdos no show dos malucos do Twenty One Pilots, estamos vendo Brandon Flowers se derramar em emoção e carisma, estamos vendo Vannucci perder quilos de suor a cada canção. Quanto aos demais músicos no palco (backing vocals, tecladista e guitarrista de apoio) também são eficientes, sem se mostrar muito, mas isso nem incomoda tanto porque suas participações não têm tanto destaque quanto a guitarra solo e o baixo em uma banda de rock (mesmo em uma tão calcada no som synth-pop).
Continuando, tudo fica estrelado novamente no estádio para a próxima. “Obrigado por serem tão bons pra gente”, agradece Brandon. “Obrigado por sua luz”. E, “Dustfire Fairytale” começa calma e depois explode. Depois, somos convidados a rodar até amanhã na springsteenesca “Runnaways”, colada em “Read My Mind” e seguida por outra springsteenesca (esta mais ainda), “Dying Breed”. E ainda temos cascatas de fogos no fundo do palco em “Caution”, mais uma do “Imploding the Mirage”, o penúltimo álbum. Curiosamente, a banda não tocou uma sequer do mais recente “Pressure Machine”.
O médico paranaense Raphael de Oliveira e Silva disse que não podia (em sua camisa), pois estava de plantão. Aposto que é bordão de médico (!). Mas, nessa noite, Raphael pôde. Pôde e fez bonito. Ele foi convidado pra subir ao palco e tocar “For Reasons Unknown”, enquanto Vannucci tocava guitarra. Impressionantemente, o baterista, digo, oncologista, ah, baterista mesmo, tocou bem demais, impressionando (acho que já usei essa palavra… tudo bem, não há melhor mesmo) tanto a banda quanto todas as pessoas que estavam no Allianz. É então a vez de dizer que temos alma, mas não somos soldados e, só ao final, arrematar reconhecendo que tudo se deve às coisas que fizemos, com “All These Things I’ve Done”, a preferida deste que escreve e vai deixar toda a emoção desse momento só para si mesmo. Sinto.
A banda sai do palco deixando apenas um meteoro em cena (no telão, claro). É sinal de que o bis virá com “Spacemen”, sugando o finalzinho de energia do público depois de tanta música. E essa energia se transformou em pulos, palmas e ôôôs em coro. E se o festival começou com “músicas de corno”, como disse Lucas Silveira, terminou do mesmo jeito, tentando ver a fossa de uma forma menos dolorida, tentando ver o lado brilhante ao levar um belo fora, com “Another Girl” e “Mr Brightside”, que encerraram mais um festival que vai ficar na memória dos paulistas e no calendário paulistano. Restava às vítimas, os fãs dos Killers voltar para casa sem conseguir parar de cantarolar mentalmente alguma das melodias da banda de Las Vegas. “Yeeeeeeeah, you know you gotta help me out… you knou you gotta help me out…” – “Over and In, last call for sin”.
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza. Colabora com o Scream & Yell desde 2014. A fotos são de – Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/