por Pedro Salgado, especial de Lisboa
No último show europeu do tour “Shake Your Money Maker” comemorando o 30º aniversário do álbum de estreia dos Black Crowes (numa digressão que vinha sendo adiada desde 2020 devido à pandemia), a audiência que ocupava metade do recinto da Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa, compunha-se de imensos roqueiros de diferentes nacionalidades e pessoas para as quais a música do grupo de Atlanta tinha um significado especial porque cresceram ao som dela.
A atmosfera já estava visivelmente aquecida após a bem recebida atuação da banda de suporte, os DeWolff, num registo de rock psicodélico (com algumas derivações para o universo estridente do Deep Purple), apoiado igualmente em várias demonstrações de virtuosismo instrumental e alguns exercícios melódicos. O trio holandês elogiou o público lisboeta no final da sua performance, numa demonstração de gratidão pelo carinho que recebeu.
Já sob o pano de fundo principal (o cenário incluía um bar e uma jukebox que passava, entre outras, músicas dos Faces), escutou-se, mais à frente, a sugestiva “Shake Your Money Maker”, de Elmore James, que acompanhou a entrada dos Black Crowes. Sem cerimônias, o conjunto americano detonou, literalmente, uma poderosa versão de “Twice as Hard” a que se seguiu o boogie, irresistível, de “Jealous Again” para regosijo do público que vibrou com as canções e com a garra de Chris Robinson, cuja passagem do tempo não diminuiu o seu alcance vocal nem a sua ginástica corporal.
“Bem vindos à Shake Your Money Maker Tour”, disse Chris. Seguidamente, a banda abrandou o ritmo após o primeiro impacto ao som da relaxante “Sister Luck” e logo recuperou o fôlego inicial com “Could I’ve Been So Blind” (uma canção descrita por Chris “sobre ser jovem, mas perceber que já não é”). O gospel chegou com “Seeing Things” e com ele o grupo assinou um dos grandes momentos do espetáculo, assente na força das palavras cantadas e na intensidade musical desenvolvida.
Outra das boas sequências da apresentação veio com a muito celebrada versão de “Hard To Handle”, de Otis Redding, passando pelo regresso em força ao rock clássico (“Thick n’ Thin”) e pela charmosa rendição de “She Talks To Angels”, onde o dedilhar sereno da guitarra de Rich Robinson deu lustro à interpretação do seu irmão Chris. A derradeira investida no álbum “Shake Your Money Maker” trouxe os temas “Strutin’ Blues” e “Stare It Cold”, onde a estrofe “Don´t you want to feel it”, cantada repetidamente por Chris Robinson a plenos pulmões, entusiasmou o público presente.
Numa noite de 19 de Outubro em que se viveu bastante o espírito do rock & roll, a repescagem de “Go Faster” (do indevidamente esquecido álbum “By Your Side”) e a cover de “Easy To Slip”, dos Little Feat (cantada por Rich Robinson) justificaram-se plenamente. A belíssima “Wiser Time” teve o mérito de suspender, por um pouco, o tempo e aquecer os corações do público, transportando-o serenamente para uma estrada americana a perder de vista, enquanto em “Thorn In My Pride” Chris Robinson cantou uma “day to day song”, marcada pelo órgão e centrada na salvação emocional e aproveitou para dançar e mostrar os seus dotes como tocador de harmônica.
Por fim chegou “Remedy” e consumou-se a euforia total das pessoas presentes no Campo Pequeno, com um desempenho sólido dos Black Crowes na interpretação de um dos grandes hinos rock dos anos 90. Uma síntese do trabalho realizado pelo grupo conjugando as suas raízes roqueiras com o gospel e à qual ninguém ficou indiferente. Quando terminou a canção Chris Robinson agradeceu à assistência e os músicos abandonaram o palco. No encore, a banda de Atlanta interpretou uma releitura bluesy de “God’s Got It”, de Reverend Charlie Jackson, concluindo a sua bela atuação de aproximadamente duas horas com um “obrigado” e uma despedida coletiva.
O show de Lisboa mostrou que as canções não perderam o frescor de há 30 anos e que o rock & roll dos irmãos Robinson continua a ter um significado muito especial para os seus fãs. Em parte pela vontade primordial dos Black Crowes de abordarem as suas raízes musicais com honestidade e noutra vertente por patentearem um nível de resistência que, apesar das mudanças na sua formação e de vários interregnos, os coloca num lugar único na história mais recente da música popular.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. As fotos que ilustram o texto são reproduções do Facebook oficial do Black Crowes