Popload Festival 2022 acerta na localização, erra na logística, e entrega um show absolutamente sensacional de Jack White

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

Um dos festivais mais amados no Brasil por quem pensa e ouve música fora da caixa do convencional, o Popload Festival celebrou sua 8ª edição em São Paulo quebrando um jejum de dois anos sem evento – os anos pandêmicos 2020 e 2021 – num local novo e bastante agradável, que sofreu com problemas de logística (principalmente filas para recarregar cartões para serem usados no evento e retiradas de bebidas), mas que viu grandes shows, se não no mesmo nível de históricas edições anteriores, ainda assim capazes de aparecerem nas listas de melhores performances nas votações de final de ano.

Desde quando surgiu, ainda pequeno em 2013, o Popload Festival sempre foi marcado por um line-up apurado, combinando nomes experientes (Patti Smith, PJ Harvey, Iggy Pop, Blondie) com frutas frescas no pomar pop (The XX, Tame Impala, Lorde, The Lumineers, Khruangbin, Tove Lo) e gente de máximo respeito no cenário indie (Wilco, Spoon, Death Cab For Cutie, Belle and Sebastian, Beirut, Libertines, At The Drive In, Phoenix, Raconteurs), e se o frescor ficou ausente da edição 2022 (o Balaclava Fest está ai pra isso em dezembro), a experiência e o respeito andaram de mãos dadas no Centro Esportivo Tietê.

Na segunda edição do Popload após ser incorporado pela mega T4F em 2019, a produção encontrou um lugar bastante aprazível para chamar de seu, com fácil acesso e espaço físico amplo ao ar livre tanto para que o público visse os shows sem tumulto quanto para que ativações publicitárias das mais variadas estivessem liberadas no evento. Faltou, no entanto, cuidado com a logística, e as filas imensas para recarregar cartão e comprar bebida, que marcaram a edição de 2019 (encabeçada por Patti Smith), voltaram a incomodar o público em grande parte do evento, que, segundo assessoria, bateu na marca das 14.500 pessoas presentes.

Jup do Bairro

No quesito shows, um palco principal estava disposto em uma ponta e um pequeno palco montado pela Heineken tomava o outro. Jup do Bairro deu início a festa, e se o show ficará marcado pelo ato final de grosseria que cortou a última música da artista antes de seu final (um pedido oficial de desculpas foi publicado nas redes da T4F e do festival), merece ainda mais elogios pela postura forte de Jup em cena a frente de uma formação coesa e demolidora num baile punk de favela que teve participações especiais de Mateus Fazeno Rock e Edgar além de música inédita! Assim como no Lollapalooza 2022, Jup do Bairro arrasou.

TUM

O palco Heineken, após um DJ set do capo da Popload, o grande Lúcio Ribeiro, trazia em primeira mão a estreia oficial do TUM, novo projeto do casal Luísa Lovefoxxx (CSS) e Chuck Hipolitho (Forgotten Boys, Vespas Mandarinas), dupla de credenciais de respeito, mas que ainda está se descobrindo. Guiados apenas por voz, guitarras, programações e amor, o TUM (“Não ‘a’ Tum”, por motivos óbvios, como brincou Luísa) mostrou músicas sobre Freds (?) e transas em taxi num período pré-Uber (“Segura a calcinha”, avisava Luísa) embaladas por um rascunho de indie pop que ainda carece de identidade (ficou curioso?), mas que chamou a atenção de um bom público.

Perotá Chingó

De volta ao palco principal, o duo Perotá Chingó, formado pelas artistas argentinas Júlia Ortiz e Dolores “Lola” Aguirre, fez um delicado show lounge com bateria eletrônica sem graves, percussão frágil e ausência de metaleira, distante do impacto de seu disco de 2013 ou da colaboração com Miss Bolivia (“Menos Mierda”). A latinidade das garotas teria tudo para fazer o bom público do Popload dançar, mas elas optaram pela sutileza deixando a sensação de que o grande palco do festival engoliu o som da dupla – nem André Abujamra conseguiu “salvar” o show com sua magnifica “Alma Não Tem Cor”, ainda que sua presença tenha sido um alento.

Brisa Flow

Enquanto isso, no palco menor, Brisa Flow fazia um show de palco principal, com som forte, recados certeiros e muita vibe boa – tanto ela quanto Number Teddie, jovem de Manaus que lançou um disco adolescente que você deveria ouvir, “Poderia Ser Pior” (2022), se apresentaram no Popload um dia depois de amanhecerem no line-up do Lollapalooza 2023. No caso de Number Teddie, o show no palco Heineken (com programação e uma guitarrista), no entanto, pareceu desfocado, confuso e ainda sem punch, mas tinha muita gente presente cantando canções como o hit indie “Eu Deveria Ter Comido Seus Amigos”. Dois nomes para ficar de olho.

Number Teddie

Escalados a três dias do evento para substituir o indie pop do Years & Years, que cancelou sua participação no festival, Fresno e Pitty pareciam deslocados no line-up (e na história mais indie do Popload), mas fizeram um show celebrado pelo público, que vestiu a carapuça emo e abriu o coração primeiramente para Lucas Silveira, que mostrou canções novas da Fresno como “Vou Ter Que Me Virar” e “Já faz Tanto Tempo” além de “Cada Acidente”, que contou com participação improvisada de Lio Soares, da Tuyo. Pitty marcou presença em “Casa Assombrada”, da Fresno, e engatou os hits “Máscara” e “Na Sua Estante”, cantados em uníssono pela plateia.

Pitty e Fresno

Sempre enigmática no palco (a gente nunca sabe se ela vai estar afim ou se vai se esconder), Cat Power surgiu com um repertório de covers seus e de outros num show que casaria lindamente num teatro, mas que também fez bonito no Popload ao juntar Lana Del Rey (“White Mustang”) e Frank Ocean (“Bad Religion”) com as felizmente irreconhecíveis “(I Can’t Get No) Satisfaction” (Rolling Stones) e “New York, New York” (Frank Sinatra). Ainda teve lado b do White Stripes – “I Want to Be the Boy to Warm Your Mother’s Heart” – dedicado a Jack White, as maravilhosas “Metal Heart” e “The Greatest” além de um momento singelo de distribuição de set lists para os fãs no gargarejo.

Cat Power

Daí em diante já ficou difícil atravessar as filas até o palco Heineken, o que se por um lado vitimou sets bem recomendados de Badsista e Rincon Sapiência, por outro garantiu uma boa posição para ver os dois shows principais do Popload 2022. Antes, porém, teve Chet Faker, com seu bedroom indie pop que, como sabiamente definiu o amigo Rodrigo James, lembra aquelas playlists “Música para Concentrar no Trabalho”, que você ouve, mas nunca presta atenção. “O show do Chet Faker é uma playlist inteira destas. Eu acho que nem olhei para o palco. Sei que ele estava lá, de pantufas, e fez o show. Mas pra mim era música ambiente”, definiu James. Perfeito. Depois de correr da pancada rápida de chuva, nem olhei para o palco também.

Chet Faker

Então veio Jack White. Nas internas, todo mundo falava com desdém da apresentação do dono da Third Man Records, que é dado a exageros enquanto busca ser Robert Plant e Jimmy Page no mesmo corpo e tem uma carreira solo meio insossa (ele lançou dois discos em 2022: quem aqui ouviu mais do que duas vezes levanta a mão), mas que, é preciso reconhecer, tem uma carreira de luxo de bons serviços prestados ao rock safra anos 2000. Só que, memória seletiva, a gente nunca lembra dos bons serviços, só dos discos chatos, o que foi bom para baixar a expectativa e deixar todo mundo de queixo caído. Serião: Jack White fez um show sensacional!

Jack White

Acompanhado de uma banda espetacular (impossível não lembrar de Meg White ao ver Daru Jones fazendo pausas, colocando interjeição, interrogação e o cacete a quatro em sua condução monstruosa na bateria), Jack mostrou suas canções solo garageiras, que ganham vida ao vivo (com uma banda dessas até Galinha Pintadinha soaria intensa), além de números do White Stripes (“Dead Leaves and the Dirty Ground”, “Icky Thump”), The Dead Weather (“I Cut Like a Buffalo”) e Raconteurs (“You Don’t Understand Me”). O trio final, que mereceria até tatuagem para ser eternizado, juntou “Fell In Love With a Girl”, a sempre arrasadora improvisação de “Steady as She Goes” e o hino “Seven Nation Army”. Daqueles shows para não esquecer.

Jack White

Com a honraria de encerrar a 8ª edição do Popload Festival, um dia após enfileirar 38 canções num show histórico no Rio de Janeiro, o Pixies entrou em cena evitando interação desnecessária e se dedicando ao que sabe realmente fazer: barulho, melodia, barulho. Como um reloginho no pulso de um relojoeiro, o quarteto soa redondinho ao vivo, ainda que, sim, as canções da segunda fase da banda (sem Kim Deal, mas com a simpática e adorável Paz Lenchantin), incluindo a do disco novo, “Doggerel”, percam em gênero, número e grau para as da fase clássica, e de que a sensação de trem desgovernado de outras épocas tenha dado lugar a um passeio mais seguro em marcha lenta. Mas é um bailão indie, e não tem como não se emocionar.

Pixies

Ídolos de uma geração que ficou surda de tanto ouvir “Doolittle” em disc-man (eis aqui uma testemunha auditiva da história) e, no caso de alguns, fez muito bom uso da influência, ver o Pixies ao vivo é sorrir vendo o dublê de mágico David Lovering atacar seu kit com elegância, Joey Santiago envenenar melodias pop com solos portentosos e Black Francis berrar como um louco. Ainda que a segunda metade, com Frank Black trocando a guitarra pelo violão, tenha sido levemente inferior, é hino atrás de hino: “Gouge Away”, “Wave of Mutilation”, “Head On”, “Isla de Encanta”, “Gigantic”, “Cactus”, “Caribou”, “Hey”, “Cecilia Ann”, “Hey”, “Mr. Grieves”, “Debaser”, “Planet of Sound”, “Vamos”, “Here Comes Your Man”, “Ana”, “Where Is My Mind?” e a cover de Neil Young, “Winterlong”, com Frank já sem voz, colocando ponto final num show burocraticamente incrível.

Pixies

Em um balanço geral, o Popload Festival soou levemente desconectado de 2022 – ainda que a curadoria do palco Heineken tenha se esforçado, ele não era propriamente um “paaaalco” –, mas entregou bons shows para indies velhos celebrarem a vida pós pandemia. Ponto de encontro anual entre fãs de música alternativa de todo o país, o Popload Festival tem um público fiel de respeito (15 mil pessoas) e bom trânsito no mercado publicitário, mas atua num território de competição feroz em que, segundo Francesca Alterio, diretora da T4F em entrevista, “poucos festivais vão sobreviver”. A torcida, agora, é para que o festival chegue a 9ª e a 10ª edição (daí a gente dobra a meta para 20) fazendo o que sempre fez, que é unir o bom e o novo num mesmo local repleto de gente bonita, elegante e sincera. Não é fácil, mas eles sabem fazer isso muito bem.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

Todas as fotos por Fernando Yokota exceto a última, por Camila Cara / Divulgação Popload Festival

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