texto por Gab Piumbato
Meia hora que parece mais a metade do tempo, de tão rápido que as canções de “Visitor”, o segundo disco de Empath, se sucedem – mas algumas são mais lentinhas, é bom saber – o que leva logo as pessoas a pensarem em Slowdive, shoegaze e todo esse tipo de coisa – bem, não deixa de ser verdade.
Ainda assim, esse pequenino álbum – em tamanho, digo – parece comportar duas faces – a primeira, mais enérgica. De qualquer modo, a faixa inicial não dá muitas mostras do que vai vir pela frente, tudo parece muito comum, inclusive o riff, um hammer-on ou pull-of safadinho na guitarra, que já foi ouvido mais vezes do que a própria moral da canção.
Este é um dos problemas do indie rock, particularmente o que tenta comunicar sentimentos: primeiro é necessário acreditar que você é um ser humano, depois que tem sentimentos, vai vendo: e que esses sentimentos podem ser comunicados, no caso, de forma artística, e, calma: para outros seres humanos. É bom lembrar, estamos em 2022, que vão, já nem digo se identificar… mas ao menos, parar para ouvir o que você tem a dizer – você ainda está comigo neste parágrafo? é bom saber, agradeço.
Então a moral de “no consolations” cede espaço para a pancadaria de “Born 100 Times” – mal dá pra respirar – mas nessa raiva, nessa garganta se esgoelando tem um pouco de vida, sim, que parecia ausente na canção de abertura, ainda que o grande destaque vá mesmo para a bateria de Garrett Koloski – por falar em garganta, a voz de Catherine Elicson pode ser um bocadinho irritante, como a de Julia Shapiro (Chastity Belt) ou Alicia Bognanno (Bully), Alicia que mais parece ter o nome de uma personagem dos contos do John Fante.
Por falar em olhos, “Diamond Eyelids” parece apontar para algum filme, talvez francês, talvez do Almodovar, ou uma série em espanhol da Netflix, enfim, existe uma mistura de doçura com violência aqui que jamais atinge aquele ponto inesquecível, embora o minuto final, instrumental, esteja entre os melhores momentos desse álbum.
“Passing Stranger” não tem grandes descobertas líricas , aliás, o principal desta banda Empath é a energia, não necessariamente a composição verbal, mas tudo bem, vamos lá, vamos nos divertir – esta canção é melhor construída, cheia de ruídos e camadas, a famosa wall of sound, dá até para ver as luzes piscando… no entanto há algo de muito áspero na voz da Elicson, que não é aproveitada ao máximo em todo “Empath” – ela ainda não se esgoelou, o que deixa uma certa sensação de que toda essa raiva ainda não veio para fora, então ficamos apenas com algo meio indefinido.
Como “Corner of Surprise”, um punkzinho fuleiro, até com os dedos deslizando rápidos e aleatórios pelas teclas em 2x, só pra adicionar caos aos power chords, e “House + Universe” segue na mesma toada, ou melhor, pancada – como se fosse a continuação lógica – neste duo parece que estamos mesmo dentro de um show da banda, sem espaço para respirar entre uma canção e outra.
O clima muda a partir de “Elvis Comeback Special”: sai o punk, entra a nostalgia. Mas o punk já não era a nostalgia? Não, o punk era o niilismo puro, por isso os caras fizeram certo em meter todas as tralhas dentro dum navio e queimar tudo. É a arte mais niilista do ocidente, esse tal de punk, e dá vontade de dizer que o Clint Eastwood estava certo – mas isso qualquer um sabe – então o que o Elvis Presley está fazendo aqui senão permitir um refrão com “oh-oh-oh-oh-oh-oh”? Esta é a canção mais Unknown Mortal Orchestra de todas as onze de “Empath” – hora de lembrar que o baixista é Jake Portrait, que também produziu este disco.
Ainda me lembro do primeiro show de indie rock que vi em Portugal, era justamente do Unknown Mortal Orchestra, e foi bué da fixe – ou porreiro, se tu quiseres – mas devo voltar a falar em pt-br, pois lá não sabem que a roda gira e a lusitana roda – Elvis, nostalgia, mas é…
…and you look like your mom in the 80s – não sou eu quem está dizendo, é a Catherine Elicson quem está cantando e voltamos para os hammers-on ou pull-ofs do início do disco. Há um certo prazer do Empath em rimar esta técnica de guitarra com a batida da bateria, o que não chega a ser lá deveras empolgante.
Por tudo isso, não chega a ser uma surpresa que a melhor canção de “Visitor” seja a instrumental “V”, que aparentemente não tem nada a ver com o Pynchon – ao menos não ficou claro para mim. Esta sim é uma daquelas canções que vai se desenrolando lenta, um bocado enigmática e ventosa – ventava muito no Porto, mas não com essa languidez – certamente com um daqueles pedais de efeito tipo lo-fi junky, machine tape delay destroyer ou qualquer nome cool do gênero.
Ainda temos mais duas canções antes do fim de “Visitor”: “Bell”, a canção mais redondinha de todas deste conjunto, com mais um refrão cheio de interjeições – oh, não me diga!. A essa altura ninguém esperava um verso para tatuar na batata da perna – até que “Paradise” vem com um enjambement matreiro dizer que o paraíso existe, mas você só vai receber um cartão postal de lá…
“Visitor” me dá vontade de viver em 2032: Sim
Continuarei a ouvir “Visitor” pelos próximos 5 anos? Talvez não
É um dos melhores discos de 2022? Não
Há alguma chance de Empath vir para o Brasil? Só como visitante…
Para quem gosta de: Slowdive, Yowler (All Dogs), Frances Quinlan (Hop Along), power-pop, beleza, fúria e langor adolescentes
– Gab Piumbato é jornalista e autor da melhor discografia comentada de Bob Dylan em português (aqui). Também escreveu uma discografia comentada de Cat Power (aqui)
Ouvi o disco e minha percepção em relação às referências foram um pouco diferentes. Me soou um Noise-Pop / Lo-FI ao estilo DIY e alguns momentos Dreampop, de modo que em nenhum momento surgiu Slowdive. O vocal realmente às vezes lembra Chastity Belt. No geral, não agradou.