entrevista por Bruno Lisboa
Quatro anos após um debute incendiário, o excelente (e presente em diversas listas de melhores do ano) “Mulamba”, de 2018, e shows que chamavam a atenção antes mesmo do disco sair, o sexteto curitibano está de volta com seu segundo álbum, “Será Só Aos Ares”, via PWR Records, selo que busca potencializar mais mulheres por meio da música.
Como era de se esperar, Amanda Pacífico (vozes), Cacau de Sá (vozes), Érica Silva (voz/ guitarra/ violão/ synths e Beats), Naíra Debertolis (voz/ baixo/ synth bass), Caro Pisco (bateria) e Fer Koppe (cello) amadureceram o som da Mulamba nesse período explorando uma gama ainda maior de sonoridades, mas mantendo em voga as características principais da banda: letras pungentes e intensidade melódica.
“Será Só Aos Ares” foi produzido pela integrante Érica Silva ao lado de Leo Gumiero e conta com as participações especiais de Luedji Luna, BNegão e Kaê Guajara. Em entrevista concedida por e-mail, Caro, Cacau e Érica listam as afinidades que uniram o grupo, falam da importância de se posicionar politicamente, amadurecimento musical, participações especiais, o processo de gravação do novo álbum, volta aos palcos e muito mais. Leia abaixo!
Como se deu a formação da Mulamba? Quais foram as afinidades que fizeram com que vocês se unissem?
Caro Pisco: A banda se formou em 2015, para fazer um show em comemoração ao aniversário de Cássia Eller. Era pra ser apenas um tributo, mas a resposta do público foi tão inesperada que decidimos seguir fazendo covers de outras artistas brasileiras e no meio disso resolvemos botar no repertório músicas autorais. Em 2016 lançamos “Mulamba”, “Provável Canção para Estimada Natália” e “P.U.T.A”, que viralizou na internet. Em 2017 apresentamos nosso primeiro show autoral e no final de 2018 lançamos nosso primeiro disco. Sobre as afinidades eu poderia dizer que foi o café com bolo antes dos ensaios, mas resumir nisso é muito pouco. A parte mais bonita de ter se encontrado há 7 anos atrás foi perceber que a gente queria se divertir, fazer um som, somar com outras pessoas e crescer não só profissionalmente, mas como pessoas também. É legal olhar pra trás e ver que estamos construindo um caminho muito legal.
Infelizmente ainda vivemos numa sociedade onde a democracia burguesa, o patriarcado e valores retrógrados dão as cartas, num jogo no qual as minorias sofrem de forma diária. Nesse sentido, é nobre pensar que a Mulamba tem uma atuação pontual, ao fazer do seu fazer artístico um contraponto a dura realidade que nosso país vive. Em tempos difíceis como os nossos, qual a importância de deixar demarcado de que lado vocês estão?
Cacau de Sá: Primeiramente, nobre é uma palavra muito forte e é ela também que define, na sociedade atual, quem cabe ou não, já que há muito tempo nos referimos aos poucos ricos do mundo por esse adjetivo. Então não gosto de pensar por esse ângulo, gosto de pensar que somos e acreditamos no que nos impulsiona, só mais um grão de areia num areal que cansou de séculos de opressão, escravidão e descaso porém conscientes que é somando forças que se muda minimante algo e essa mudança pode começar na gente também.
Quatro anos separam o primeiro disco e “Será Só Aos Ares”. Numa percepção inicial acho que dá pra dizer que o primeiro é um trabalho mais raivoso e pesado (no bom sentido da palavra) enquanto o mais recente é mais leve, apostando numa gama de sonoridades. Mas vocês fazem isso sem abandonar a verve política / social das letras. Fazendo um paralelo, quais foram as diferenças mais substanciais que fizeram com que essa guinada sonora acontecesse?
Cacau de Sá: Acho que tudo né, porque nada é igual o tempo todo. Amadurecemos, entendemos e desentendemos coisas, ideias e ideais. Fizemos o que sentíamos necessário fazer no primeiro disco, de forma orgânica e dessa mesma maneira se dá e ganha vida, “Será Só Aos Ares”. Como tudo que é etéreo, efêmero e está em constante mutação, nós também.
Acredito que a música é fruto do seu tempo. De forma irremediável e indissociável. Pensando nisso pergunto: quais intenções vocês alimentam a partir do novo disco? Qual é a mensagem a ser propagada?
Cacau de Sá: Mais uma vez acho capcioso a gente intencionar algo. Acho que na real, seguimos o que sentimos e vivemos e não só no nosso tempo. O passado também é alimento e importa muito entender minimamente esse real passado. Já sobre a mensagem, quem sabe um olhar pra dentro, voltar pra casa, cuidar de si, olhar pro outro com menos frieza e quem sabe, seguir mais leve o tem que seguir.
BNegão, Luedji Luna e a Kaê Guajajara fazem parte do time seleto (e diverso) das participações especiais do disco. Como se deu o convite / aproximação e quais as contribuições foram dadas por esse trio para o álbum?
Caro Pisco: Tudo é uma questão de momento e proposta. Por exemplo, desde que se deu a concepção de “Bença”, Mulamba já pensava a canção com Luedji interpretando parte da letra. “Barriga de Peixe” veio ao encontro com a potência da artista Kae Guajajara que não só interpreta como também compõe junto. BNegão, que é também compositor de parte da letra de “Bagatela”, é também uma referência do rap brasileiro.
Musicalmente, as canções de vocês requerem ouvidos atentos, pois vocês apostam numa produção cuidadosa, que valoriza cada instrumento. Quais os “segredos”, se assim podemos dizer, para conseguir atingir esse fator? Como se deu o processo de gravação de “Será Só Aos Ares”?
Érica Silva: De uns tempos pra cá, estou sempre refletindo sobre o menos é mais, sobre experimentar e permitir ter mais respiro, pausa e espaço nas músicas. Dá pra ver que falhei miseravelmente (risos), porém de uma forma positiva, porque na minha cabeça muitas coisas funcionam em camadas. Visualizar a instrumentação é uma dica bem importante, tentar entender o todo o que cada música pode melhor se beneficiar. Os instrumentos podem ser vistos como tempero, ou como uma dessas camadas que comentei anteriormente. Sim, bem parecido com o ato de cozinhar e criar um prato, pois todo o prato começa com uma base, aquele refogado/sofrito bem caramelizado que adiciona muita profundidade ao sabor final, aquilo que a gente de fato “enxerga no prato”, isto é, os sólidos e líquidos e os temperos e texturas. Tem sempre lugar pra tudo, mas pensar esses espaços é a chave, equilibrar os volumes e sacar o que é possível, o que é “cantabile” pra cada instrumento e seus possíveis sotaques.
O processo de gravação começou com uma imersão em junho de 2021, onde fui gravando tudo até ter uma pré-produção bem estruturada do disco, entre refletir, escolher, estudar, ensaiar e criar conseguimos estruturar 11 músicas em 10 dias. A gente já gostava muito de como soava e até de fato ir ao estúdio eu ia acrescentando coisas, melhorando as edições e sempre mostrando pras gurias opinarem e estudarem a distância. Quando sentamos para gravar fizemos alguns ensaios dentro do estúdio mesmo pra afinar os últimos detalhes e dar aquela lembrada em conjunto e partirmos pra gravação. Gosto muito de gravar pelo menos toda a “cozinha” ao mesmo tempo (bateria, baixo e guitarra). Assim já temos takes com bastante unidade e bem humanos. E vamos preenchendo de acordo com as disponibilidades das pessoas e no finalzinho vem os retoques finais, temperos, muuuita edição pra encontrar os respiros e toda a pós-produção.
Por fim, como tem sido o retorno aos palcos? Como tem sido os shows dessa nova turnê e a receptividade do novo material?
Cacau de Sá: Estamos voltando aos poucos, assim como quase tudo no Brasil e no mundo. Acho que cautela é importante na atual cena mundial. O retorno aos palcos é gradativo e vem sendo degustado com muita responsabilidade, atenção e cuidado. O trabalho vem tendo um bom retorno do público e o que se reafirma talvez, nesse novo momento, é que Mulamba ama show ao vivo e o poder de tudo que acontece nesse santuário da arte que é o palco num cara-a-cara com as pessoas.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Fábio Setti e Tamara dos Santos.
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