entrevista por Leonardo Vinhas
Em “V”, seu novo disco, a Maglore olha assumidamente para o passado – não o da banda, mas uma época bem mais anterior, o final da década de 1960 e, principalmente, à primeira metade dos 1970. Só que o resultado não é um álbum cheio de nostalgia pelo que não foi vivido: é muito mais um olhar de resgatar o legado de um período que se parece bastante com o hoje, para assim tentar encontrar caminhos para fazer diferente no presente e no futuro.
Essa intenção transparece tanto em letra como em música. Em “V”, o quarteto baiano deixa de lado a “maçaroca” de guitarras (palavras de seu frontman, Teago Oliveira) e não apenas dá um descanso para a pedaleira como também recheia as canções com arranjos de metais e cordas, trazendo referências de samba rock, soul music brasileira, Motown, Beatles, Love e afins. Só que tudo isso dentro da proposta estética da banda, uma personalidade que se consolidou lindamente no álbum “III” (2015) e se expandiu e se fortaleceu em seu sucessor, “Todas as Bandeiras” (2017).
Na verdade, esse quinto álbum deixa mais evidente a riqueza melódica da Maglore. Dá para perceber mais facilmente que, por mais que os timbres das guitarras fossem um componente forte da identidade da banda, eles eram apenas uma embalagem bonita para algo que já era precioso. Mesmo com arranjos e harmonias mais plurais, as faixas de “V” deixam entrever mais facilmente as canções em sua essência, e o resultado é um prazer para os ouvidos.
É precipitado dizer que “V” é o melhor álbum do grupo, já que a perspectiva do tempo é necessária para esse tipo de avaliação. Mas é tentador fazê-lo, porque, ouvido na sequência, o disco tem um efeito de “elevação”. Ao resgatar sentimentos e ideias que ficaram soterrados sob camada de ódio e ansiedade em nosso dia a dia, a Maglore entrega o que só a melhor música pop consegue entregar: a sensação de que, por mais difíceis que as coisas estejam, ainda é possível encontrar e vivenciar beleza e alegria.
Em entrevista realizada por videochamada uma semana após o lançamento do álbum, Teago Oliveira explicou ao Scream & Yell como foram a gênese e o feitio de “V”, e também falou sobre como a banda – completada pelo baterista Felipe Dieder, pelo guitarrista e tecladista Lelo Brandão e pelo baixista e vocalista Lucas Gonçalves – está melhor nos palcos quando comparada ao período anterior à pandemia, sobre a possível extinção do formato banda e sobre grandes discos que foram inspiração para o momento atual do quarteto.
Durante o processo de gravação do disco, você chegou a declarar que não queria mais reproduzir a sonoridade do palco no disco, e sim passar a explorar mais os arranjos e as possibilidades do estúdio. Ouvindo o resultado final agora, fica claro que foi exatamente isso que vocês entregaram. Como você avalia essa experiência toda?
Como extremamente necessária. Assim, para a saúde mesmo da banda, sabe? Eu acho que o que mais move a Maglore em termos de se manter saudável é o desafio, tipo “putz, será que ele vai lançar um disco melhor do que o outro? Será que a gente consegue fazer algo que a gente ainda não fez, mantendo a estrutura de canção, as características das composições?” O “Vamos pra Rua” (2013) até se assemelha mais com esse último, mas o “III” e o “Todas as Bandeiras” foram dois discos que vieram com aquela coisa super da guitarra, aquela preocupação de soar “ao vivaço”, como na gravação. E chegou a hora que a gente falou: “bicho, e aí? Vamos ter que fazer a mesma coisa para soar igual ao vivo na gravação?”. Experimentamos e falamos que não, que dessa vez faríamos diferente. A intenção foi tentar fazer com que a música vencesse, e não que a gente vencesse a música. Mas na real, nem tiramos guitarras. Na verdade, eu desliguei dois pedais: o reverb e o vibrato. Sei que tinha uma identidade de guitarra nos dois discos anteriores, mas eu sinceramente acho os arranjos do “V” muito mais ricos. Foi um disco onde a gente se permitiu muito mais deixar Luquinhas mais solto como guitarrista. Toquei teclado em algumas músicas, Luquinhas e eu dividimos violão… Você viu no [documentário da Disney+] “Get Back”, tem um dos caras [Beatles] no baixo, o Paul no piano etc? Acho que esse é o tipo de coisa que vale a pena fazer dentro de um estúdio, que a gente sabe que a gente não vai fazer fora dali. Dessa vez a gente foi em prol da música mesmo, se permitiu falar assim: “olha, é uma orquestra e uns sopros, é Frank Sinatra com Jorge Ben e foda-se”, entendeu? A música tá pedindo isso, então é isso que vamos fazer. E acho também que pode ficar até mais interessante deixar a coisa diferente ao vivo.
O show no Cine Joia, que virou o DVD “Maglore Ao Vivo”, foi feito com uma formação expandida, com metais e percussão. Essa e outras experiências em que vocês agregaram outros músicos colaboraram para a sonoridade do “V”? Ou o processo foi mais deliberado mesmo?
Uma das coisas nas quais a banda teve sorte foi que ela nunca se perdeu no próprio caminho. Todo disco a gente está fazendo algo diferente, agora a gente amadureceu a ponto de poder ficar numa velocidade de cruzeiro em relação à estética – até porque, se não for assim, o próximo disco vai ser o que, techno? O fato de “Todas as Bandeiras” ter tido tanta maçaroca de guitarra foi um negócio inimaginável, tinha guitarra de 12 cordas com fuzz! Era uma maçaroca que em alguns momentos parecia um som de trompete, trombone. Aí a gente começou a colocar metais no show, para reforçar essa sonoridade. Mas a gente foi mudando um pouco a nossa forma de enxergar aquilo tudo: já fomos um trio, já gravamos um disco só com uma guitarra sem overdub nenhum, e aí ficamos vendo a possibilidade de ser big band (risos). A gente vai envelhecendo e vai curtindo as coisas velhas mesmo, “The Long and Winding Road”, sabe? E por que a gente não pode fazer isso hein? Se tiver que ser uma vez só na vida, que seja logo. A gente queria encher de arranjo de cordas, ter um trio de violinos. Não conseguimos ter esse trio, mas a gente chamou o Thiago Mello, um violinista muito bom de BH, e ele falou para a gente não se preocupar, que era só eu cantar o que eu queria de violino e ele ia gravando na hora, abrindo os canais, assim na loucura total mas fluindo. Todo mundo ia se ajudando e fomos fazendo uma orquestra de um homem só.
Mesmo que alguns shows pontuais venham a ter músicos convidados, imagino que o grosso da turnê vai ser feito só com vocês quatro no palco mesmo. Eu não consigo imaginar o Maglore levando bases pré-gravadas e soltando pistas no show (risos)…
Porra, não vai rolar! (risos)
Que bom! (mais risos) Mas acho que vale perguntar como tá sendo o trabalho de adequar essas canções para o formato quarteto mesmo.
Vai ficar naked mesmo. Quando a gente gravou, deixamos as canções sem nada [de arranjos adicionais] por um tempo. Gravávamos os quatro, e só quando a gente estava satisfeito com aquilo e via que poderia ficar sem os apetrechos – sem os metais e sem as cordas – só aí que a gente adicionava. A gente só colocou quando dava para não colocar, tipo assim. Mas na nossa cabeça tá tudo rolando já. A gente tem a manha de fazer os arranjos de metais que eram originalmente arranjos de guitarra com fuzz, então de certa forma a gente descobriu um caminho para fazer a onda. É óbvio que não tem toda aquela coisa cheia [do disco], mas eu me dou por muito satisfeito com esse caminho, que é mais cru. Até temos show marcado em que seria possível levar mais músicos, mas a gente acha que não deve, porque entendemos que a galera tem que ter um pouco dessas duas experiências também.
Você falou isso e eu lembrei de uma entrevista que fizemos com a banda norte-americana Lambchop. Na época, eram 14 músicos na formação, e eles haviam gravado um disco, “Nixon” (2000), em que ainda eram complementados por cordas e metais adicionais. Foi o maior sucesso deles, mas segundo o [trompetista] Jonathan Marx contou na entrevista, a turnê foi complicada, porque os shows eram feitos com apenas sete músicos, e o público, principalmente o europeu, se frustrava porque isso deixava os arranjos bem diferentes. Então é muito legal te ouvir dizer que o público precisa se acostumar também. Aliás, em suas entrevistas, vocês sempre deixam claro que não estão dispostos a serem reféns do seu próprio público.
Ah, não, a gente não pode! Até porque o nosso público não quer isso, entendeu? A relação tem que ser muito verdadeira. Você sabe que o Paralamas faz muito show só em power trio de vez em quando, ou só eles e [o tecladista] João Fera, sem os metais. Eu já vi show dos dois tipos e sinceramente eu não sei dizer qual é o melhor (risos). Tem um estado de execução, um estado de arranjo, que você cria para se adequar. Tem ensaios em que eu toco mesclando dois tipos de arranjo, meio que tocando duas coisas ao mesmo tempo na guitarra, para ficar muito mais próximo da sonoridade do disco. Então, de certa forma, é bem parecido. Por mais que você tenha mais harmônicos de cordas e os metais atacando, nas guitarras a gente consegue compensar. Leo comprou um harmoniserzinho, e o os harmônicos vem mais de um canto, eu toco um arranjo no meio do caminho entre uma guitarra e um violino… Acaba criando uma sonoridade única no ao vivo. Eu até tenho planos de tentar fazer uma espécie de gravação desse disco sem todo esse negócio de cordas e metais, pode ser interessante.
Outra coisa que está bem diferente nesse disco é o registro da sua voz. Me parece que você a tratou mais como um instrumento e menos como um veículo para as letras, ao ponto de explorar alguns registros e algumas tonalidades que nunca havia explorado antes.
Então, esse tópico me preocupa. Em relação à banda, arranjo ao vivo, se é com metais ou sem metais, eu não tenho preocupação, não. Mas a voz, sim. Eu tinha alguns calos nas cordas vocais, desses que vem por volume de estrada mesmo, por passar a vida inteira fumando e bebendo e gritando no show, e depois não desaquecer, aquela falta de disciplina toda. E tô ficando velho… Mas passei dois anos sem cantar e minha voz limpou toda, ficou zerada. Tive uma dificuldade enorme de afinar a voz para a gravação. Tem um vídeo de “Revés de Tudo” no YouTube e o pessoal tá me perguntando por que que eu tô cantando meio abaixado. E rapaz, era só mandinga para ver se afinava mesmo (risos). Eu não fumo mais, mas voltam os shows e com eles a dificuldade de cantar de novo, os calos vão aparecendo no mesmo lugar… “Eles” é uma música que arregaça a minha voz de um jeito que eu fico até preocupado. Não sei quanto tempo eu vou aguentar manter ela no tom (risos), porque ela começa num registro super grave e depois ela vai para um lugar lá “em cimão”, e eu vou ter que encontrar essa solução a longo prazo (risos). Porque à medida que eu for envelhecendo, algumas músicas da Maglore vão se transformando em outra coisa, a gente vai ter que mudar mesmo, e é uma mudança que pode ser meio chocante pro público. Por enquanto,ainda tá funcionando. Ainda consigo gritar tudo no tom certinho (risos). Mas daqui a uns cinco anos algumas coisas vão ter que mudar, porque fiz coisas que passam da zona de conforto, músicas de tom muito alto… Minha voz falando já é alta, então na hora em que eu canto, ela vai lá na casa do cacete (risos).
Eu imagino que a questão de contato com o público também seja algo preocupante. Afinal, depois de estar fora do palco por tanto tempo, vivendo esses dois anos desgraçados, tem muita coisa que pode estar desbalanceada. Já vi a Maglore ao vivo várias vezes, e logo que o “III” tinha saído, você em especial tinha uma grande timidez no palco. Isso foi suavizando, mas sempre dava para ver um desconforto. Só que aí vem o “Todas as Bandeiras” e você fica “on fire” no palco (risos).
(risos) Surreal essa pergunta! A gente melhorou, velho! Sei que parece muito arrogante falar isso pra você, mas desde que a gente voltou, eu não sei o que aconteceu na banda, porque a gente voltou melhor (risos). Espero não morder minha língua, mas todos os shows que a gente fez desde dezembro até agora foram incríveis. A gente tá na fase da vida onde não fica mais preocupado com a execução. sabe? Tipo, a gente sabe que algumas coisas vão escapar do controle. A Maglore é uma banda que não tem nada eletrônico, é tudo muito real, e a gente não se preocupa tanto com essa coisa de errar. Naquela fase do “III”, eu tinha muito desconforto, sim, porque tive que virar o guitarrista principal da banda, assumir um monte de arranjo, inventar um monte de arranjo de novo para um monte de música. Eu tinha que preencher aquele espaço… e eu nunca tinha tido power trio. Na época, Rodrigo [Damati, baixista na época] e Dieder já tinham tido banda juntos, seguravam muito bem esse formato, mas para mim era um negócio meio desconfortável. Eu tenho dificuldade de me concentrar, sou um cara meio desatento com as coisas. Me concentrar em cantar as músicas, fazer os solos, e ao mesmo tempo fazer a base, e fazer com que tudo ficasse bem era um desafio, e eu passava boa parte do show tenso. Depois eu fui entendendo que se eu levasse aquela tensão ali para o palco não era bom. Melhor errar e não ficar tenso do que ficar tenso e acertar tudo. Tinha muito show em que eu acertava tudo, mas saía dali com aquela energia tensa. Não tinha aquela coisa de “uh, foi massa, caralho”. “Todas as Bandeiras” foi a volta de Léo e Luquinhas, e pelo amor de Deus, eu me sinto uma criança numa bicicleta de rodinha com os caras! Eu posso largar a guitarra e ser outra coisa ali no palco, me dedicar mais ao canto. E agora, depois de mais de um ano sem uma gig, a gente se reúne pra fazer a pré do disco novo e vê que tinha feito alguma coisa especial. Nessas horas falo sem medo de julgamento, não é que seja melhor do que outros artistas nem nada. Eu tô falando pra gente mesmo: a gente sentiu que a gente fez algo especial pra gente, que tínhamos virado músicos diferentes. E quando a gente terminou a pré, foi mais um ano até que a gente fosse gravar. Então a gente amadureceu só ouvindo aquilo ali, né? A gente nem ensaiou para gravar, foi o único disco em que isso rolou. Quando começaram os shows em dezembro, a gente pensou que ia tomar uma coça do palco, que íamos apanhar dos instrumentos, mas não. De alguma forma que eu não sei explicar, a gente ficou melhor. A banda hoje é bem melhor do que antes da pandemia. Eu acho que deve ter mexido em algum lugar meio existencial, um lance de “ô, eu tô aqui, tô vivo”, sabe? Porque, tipo assim, a gente se perguntava: será que a banda vai resistir? Será que a gente vai sobreviver a isso? Porque muita banda acabou. Banda – de rock, de MPB – é um dinossauro, um bicho em extinção na música hoje.
De fato. E que moleque vai querer montar uma banda, seja do gênero que for, hoje? O mainstream é quase todo com artistas solo. E pior: banda é um lance muito caro. Os instrumentos são caros, você tem que ter um lugar para ensaiar que ou vai ser uma casa muito grande ou então vai pagar hora de estúdio. Ter uma banda se tornou algo quase que exclusivo para a classe média alta.
Hoje em dia, para você montar uma banda, tem que ter dinheiro, velho. O problema é que a gente foi sobrevivendo sendo uma banda né? (risos) E a gente não tem dinheiro. (risos) Nossas famílias, pelo menos, não têm. Meu pai é professor de matemática, e minha mãe é assistente social. Quando a gente montou a Maglore, tinha a galera que falava muito que papai tava pagando a banda e tal. Sinto muito, mas rico e classe média alta é uma coisa que a gente não é, nunca foi. O tempo foi passando, e nesses últimos anos ficou óbvio que é impossível você não refletir que, pra viver de banda hoje no Brasil, tem que ser meio maluco mesmo. Olhando para onde tá a situação de país mesmo, e do mercado… Se um moleque que tem uma banda vier falar comigo, eu não consigo dormir com a consciência tranquila se eu der um conselho pra ele viver do sonho, da banda. A primeira coisa que eu vou falar para ele é pra ter um plano B na mão. Porque tá cada vez mais difícil. Esse modelo de música está sumindo hoje em dia, e é natural que suma, porque você tem muito mais poder sonoro num PA quando o show é eletrônico, quando você dispara uns sons ali. A coisa tá muito focada no indivíduo, e menos no coletivo. O indivíduo é a coisa mais viral. Um grupo não é mais viral, não chega mais tanto. Mas é natural a música dar essas guinadas, velho. Não falo isso no sentido de recalque, não. É que a gente gosta de fazer disco. Mas assim: todo mundo virou para a gente e falou para não lançar um disco inteiro, que era pra lançar single, que um disco de 47 minutos é muito grande e ninguém escuta mais isso. Lançamos quatro singles e não funcionou legal, cara. Isoladamente, eles não estavam chamando atenção. Mas veio o disco e bateu meio milhão de plays no Spotify em uma semana. Sabe, o público tava querendo ouvir. A gente construiu esse público, a galera foi envelhecendo com a gente. Teve gente que tava saindo da faculdade lá por 2014, 2015, tava conhecendo a namorada no show da Maglore, e hoje esse casal aparece e pede pra levar o filhinho com um protetor de ouvido no show, tá entendendo? A onda da banda é assim, sabe, e eu acho que é isso que faz a onda ficar bonita. Digo com toda humildade do mundo que hoje eu toco mais para essas pessoas do que pra as multidões que de vez em quando a Maglore toca. Não é querendo ser arrogante, mas eu acho que eu dou mais valor a quem viajou 800 km para ver um show nosso, saca? Tem uma hora na vida em que você vai entendendo o que realmente é palpável para você se sentir realizado. E pra mim, essas coisas foram me pegando mais.
Voltando ao “V”: enquanto no “Todas as Bandeiras” as letras olhavam para o futuro, e quase todas iam na linha de “eu sei que a merda está vindo, mas nós vamos lutar e vamos fazer diferente”, nesse parece que a coisa é “as respostas estão no passado”. E não necessariamente afirmando que o passado era melhor, mas que as respostas estão lá.
A gente teve uma certa discussão sobre isso na banda. Discussão boa, não foi de briga. E a gente refletiu que o “Todas as Bandeiras” era recheado de referências modernas, ao mesmo tempo que remetiam àquela coisa dos anos 80, com chorus, rock Brasil, só que com guitarra mais modernosa e tal. E aí dessa vez a gente olhou e falou assim, “vamos desligar tudo”. Por que qual é a real das músicas pra esse disco? A gente vai ficar apontando ali para essas referências de novo e tal, ou vai ver se a gente consegue fazer uma música popzaça com tudo desligado? Será que a gente consegue soar bem só com violão, bateria, piano? Porque é muito fácil de ficar pegas quando desliga tudo, deixando tudo menos arrojado, menos indie. Agora era a hora da gente ver se as músicas da gente vão ficar pegas ou não se vão ficar batidas, se vão ser mais do mesmo etc e tal. E na parte do discurso, o “Todas as Bandeiras” é um disco que tem um frescor jovem, de desencanto, dessa coisa do desespero, das relações se quebrando e o mundo mudando e se acabando. Os jovens hoje são mais inteligentes do que os da minha geração, eu acho eles mais inteligentes, mas eles não conhecem as coisas antigas. Eles não conhecem o passado, e às vezes não conhecem parte da história. Então para mim foi muito importante nesse disco encontrar uma forma de eu tentar dizer para um monte de gente que talvez não conheça o passado que vale a pena conhecer. “Maio, 1968”, sabe como Luquinhas fez essa música? Ele pegou um jornal da época e fez. E ficou sensacional! Ele fez para a mãe dele e foi assim: pegou um jornal e leu todas as notícias que estavam naquele jornal no dia 1 de maio de 1968. Olha que porra que era o mundo ali, olha o que estava acontecendo! Por que está acontecendo tanta coisa igual hoje? Essas gerações que vêm depois da gente, é mais fácil eles nos ouvirem do que ouvirem as coisas do passado. Então a gente está trazendo isso para eles, é um serviço que eu acho que a gente tem que fazer, já que a gente gosta tanto de Beatles, de coisas tão batidas, tão óbvias, como Pink Floyd, rock clássico etc. E aí a gente decide: vamos fazer agora, mas vamos fazer de verdade. Eu me sinto muito confiante desse jeito, porque eu acredito demais nas músicas, e eu acho que a banda chegou a um lugar onde ela se permite fazer isso, de falar “vamos fazer, e se ficar brega, se ficar bizarro, a gente não lança. Se ficar essa coisa plástica, pop, sabe que não tem nada para dizer, não vamos lançar”. E se ficasse ruim, é porque elas são ruins mesmo. Mas se não ficassem ruins, era pra lançar e quem sabe trazer essas coisas do passado pra galera ir atrás e sacar.
E supondo que esse intento tenha se cumprido, que alguém mais jovem tenha ouvido, achado do cacete e decidido ir atrás disso, quais seriam os discos que você recomendaria para ele fuçar?
Pensando assim nas referências desse disco, eu diria já de cara que em “A Vida É uma Aventura”, a primeira música do disco, eu queria fazer como naquela versão de “A Voz do Morro” (Zé Keti) feita pelo Luiz Melodia no [disco] “Mico de Circo” (1978). É bem essa vibe. A lírica do disco é toda mais individual, mas tem “A Tábua de Esmeraldas” (de Jorge Ben, 1974), que é sempre um grande disco. E o “Mind Games” (de John Lennon, 1973). Tem uma coisa de Wilco nesse disco, de deixar os instrumentos mais crus, que é bem do “Sky Blue Sky” (2007). É óbvio que aqui estou dando exemplos de coisas que influenciaram a gente, não estou dizendo que a gente é tão competente quanto eles (risos). São coisas que moveram a gente. O “Sky Blue Sky” não é velho, eu sei…
Tem 15 anos, já. Pra algumas gerações, é velho sim. (risos) E esse último, “Cruel Country”, também tem essa crueza nos instrumentos. Talvez até mais.
Pois é! Tanto que quando a gente ouviu, a gente ficou: (faz cara de espanto) “nossa!”. O som é muito diferente do nosso, mas o caminho utilizado é de ir mais na raiz. Eles vão a lugares de artistas de referência que eu não conhecia, ou seja, eles estão fazendo comigo o que estou fazendo com a galera (risos). Eles são de outra geração, mas o “Cruel Country” é um discaço! Óbvio, ele tem menos vigor do que um “Sky Blue Sky”, mas tem o seu lugar, os caras tem outra fase da vida, e é incrível.
Será que esse não é um zeitgeist? Afinal, tem muitas bandas que estão nesse momento de depurar o som, de voltar ali no essencial, no básico dos instrumentos. Vocês fazendo isso, o Wilco, o último dos Strokes… Até esse último do Midnight Oil, “Resist”, que saiu nesse ano e é ali, no basicão. Talvez seja um movimento, consciente até, de voltar e depurar o som por estar vendo mesmo que a sonoridade atual tem tanto artifício.
Eu não sabia disso. O “Cruel Country” saiu agora, enquanto o disco da Maglore está pronto há um ano (risos). Mas agora que você está falando, me parece que seja uma coisa que meio que pegou as bandas, que elas estão começando a pensar dessa forma. E tem que ser, né? Porque se a gente não faz isso, vai fazer o que? Vai ficar eletrônico também, fazer o mesmo som que está rolando em todo lugar? Pô, não sou bom nisso, até gostaria de fazer, mas não sou bom. O máximo de caminho que a gente vai é um Radiohead, que já uma fritação, uma coisa muito louca, e eu adoro, é super moderno e tal etc. E assim, a gente faz música pop, mas aí quando você para pensar, Maglore não é pop hoje. Não é pop, velho, esse som já foi pop. Mas hoje é alternativo, porque hoje em dia o pop é outra coisa, né?
Essa é uma discussão mais acadêmica, né? Talvez a Maglore seja pop enquanto formato de canção, estrutura de composição, duração, essas coisas. Mas não é pop no sentido mercadológico.
Não é popular. É tipo canção pop sem ser popular, né? Estamos num limbo, então fodeu, mas seguimos fazendo.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
“Ter uma banda se tornou algo quase que exclusivo para a classe média alta.”
Ah,se não fosse o quase,hein,rsrs.Eu entendo a intenção,mas se tem uma coisa que nunca vai morrer é o conceito de banda.Como sempre digo,sempre que tem alguém que alardeia algo é sinal de que não vai acontecer!
Eu tenho uma banda que vai lançar seu primeiro disco já já e te adianto que nenhum de nós é classe média alta,se somos classe média já é muito e ralamos muito para comprar equipamentos porque acreditamos.Então,Leonardo,não venha com essa teoria por favor,respeite as bandas novas.