entrevista por Bruno Lisboa
Haroldo Bontempo é um compositor mineiro que, apesar da pouca idade, já atua há alguns anos no cenário alternativo de Belo Horizonte como guitarrista da banda Mineiros da Lua, com a qual já lançou os discos “Queda” (2019) e “Memórias de um Mundo Real” (2021), além do EP “Turbulência” (2017).
Desde seus 12 anos, Haroldo acumula composições próprias e tentativas de gravações em seu Soundcloud. Sua carreira solo foi iniciada em 2020 com o álbum “Músicas para Travessia” (2020), trabalho musicalmente minimalista (calcado na voz e no violão) e carregado liricamente pela pessoalidade.
Passados dois anos, Bontempo retoma a cena com um álbum autointitulado produzido na Ilha do Corvo, estúdio de Leonardo Marques (Transmissor), em que explora uma gama maior de sonoridades e texturas que se apoiam no samba, na bossa e no choro, mas mantendo sua verve poética pessoal.
Para esse novo trabalho o músico teve como convidados uma série de artistas da nova cena brasileira que vão desde Mariana Cavanellas (ex-Rosa Neon e Lamparina), Lucca Noacco, a banda capixaba Chorou Bebel, a rapper Nabru, além de Vinicius Mendes Rodrigues, que assinou várias linhas de sopros ao longo do álbum.
Em entrevista concedida por e-mail, Harodo Bontempo fala sobre sua relação com o universo da sua música, seu modus operandi de composição, suas inspirações e motivações, o estúdio Ilha do Corvo e muito mais. Leia abaixo!
Em seu novo disco você promove um passeio pelo erudito e o popular através de diversas vertentes musicais que dialogam em plena harmonia com seu lirismo que promove um olhar para o cotidiano de forma sentimental. Nesse sentido, como se deu a sua aproximação com o universo da música e de que maneira esta relação resultou no músico que você é hoje?
A música me laçou de várias maneiras ao longo da vida. Desde o espectro de lifestyle que cerca alguns gêneros musicais (como o rock e os rockstars e tal), as mensagens políticas das letras, até as peculiaridades dos intervalos de notas. Quando eu tinha 11 anos eu quis escrever uma música própria, não sei por quê. Nunca parei. Acordes, rimas, tristeza (ah, a tristeza), noitadas, êxtase. Tudo isso se misturou cada vez mais até que quando eu me vi estava no palco, empunhando uma guitarra com mais três perdidos que me colocaram em festivais, jornais, na boca do povo (risos). Ao longo do tempo eu fui descobrindo cada vez mais motivos pra fazer música, reconfortar alguém tão triste quanto eu, contar uma história, uma piada, ou explorar uma progressão que deixe alguém animado, que faça alguém querer dançar ou bater cabeça, eu me impressiono com isso, me excito com isso. Acho que a música é uma entidade e um campo infinito, que eu quero explorar e louvar até morrer.
Lucca Noacco, Mariana Cavanellas, Nabru e Chorou Bebel são algumas das participações especiais presentes no disco. Quais foram as afinidades e potencialidades para que pudessem contribuir para o resultado do disco?
Quando eu penso/componho uma música, eu não gosto de me prender ao que eu conheço/consigo… Gosto de tentar além e isso que me faz adorar compor em conjunto. Nesse disco foi mais pontual, tal música pensei na voz da Mari, tal música pensei num piano que pedi pro Lucca fazer, tem uma música que é do Lucca e eu quis letrar, e por ai foi. Nesse disco eu quis explorar arranjos e fazer algo expansivo, aí a vontade foi de jogar as músicas na roda, ainda mais com amigos tão talentosos.
Outro ponto de destaque no novo álbum é o uso de vozes femininas como contraponto e/ou preenchimento em grande parte das novas faixas. Quais foram as motivações e intenções que conduziram essa escolha?
Que nem falei antes, penso muito nas músicas para além da minha voz, ou mesmo do que eu consigo fazer. Em “Brasil, 17h” logo que eu compus eu pensei que ia ficar boa na voz na Mari… “Pirraça” foi quando estava gravada, eu ouvi e senti falta de algo, no fim esse algo era a voz da Ray e um coro masculino (feito pelo Bozi e Bebici). A parceria com a Nabru foi meio que uma brincadeira, a gente tava conversando e ela tava um pouco cansada na época do rap e falou brincando de cantar jazz, aí eu mandei a música pra ela (que até então era instrumental) e falei “então faz um vocal pra essa então” e ela mandou super bem. Não teve nenhuma pré-disposição feminista nem nada assim não, foi o jeito que ouvi as músicas mesmo. O vocal feminino e o masculino pra mim são duas potências diferentes, mas de valor equiparado.
O novo álbum surge dois anos após “Músicas para Travessia”, seu disco de estreia. Conceitualmente e estruturalmente quais são as diferenças entre ambos?
As “músicas pra travessia” foi um álbum muito íntimo e meio que de descarrego. Eu o gravei mais por insistência de amigos do que qualquer outra coisa, tanto é que a maioria das músicas é só voz e violão, bem minimalista. Esse novo eu já quis brincar mais, explorar a potência das composições, enriquecer as harmonias, dar uma de maestro aqui e ali. Foi bem legal, foram ótimos estudos. Conceitualmente é meio que a mesma coisa, discos autobiográficos… Penso futuramente em fazer álbuns verdadeiramente conceituais, que nem a gente faz nos Mineiros da Lua.
O disco foi produzido na Ilha do Corvo, estúdio do Leonardo Marques, um espaço muito requisitado. Por qual motivo você acredita que o estúdio tem se tornado abrigo para a música produzida na atualidade em Minas?
Acho que tem dois motivos principais, ambos focados na figura do Leo. O primeiro é o fato que a Ilha não é um estúdio comercial, é um estúdio com personalidade, tudo que é gravado lá passa por um filtro estético do Leo que envolve timbres, espacialidade, processos (máquinas analógicas, microfones antigos e afins), e essa personalidade do estúdio é incrível, meio que mostra que ele gosta e quer se orgulhar de tudo que ele faz ali, isso faz toda a diferença. E mesmo com esse filtro (entrando agora no segundo motivo) o Leo consegue trabalhar vários gêneros musicais, até pelo histórico dele de ter tido vários projetos (de sucesso) em campos diferentes, hard rock, indie, mpb. Eu sou suspeito pra falar… Sou fã de carteirinha, o cara rodou o mundo com uma banda de hard rock, depois gravou um disco com o Miranda, há uns anos ele gravou o Milton Nascimento… Fala sério.
Para além da sua carreira solo você também é integrante da banda Mineiros da Lua. Num exercício de comparação, quais são as diferenças quando você compõe para cada formato?
Compor sozinho é como colher uma fruta do cacho, como tirar uma cenoura da terra. Compor com os meninos é como entrar numa caverna com uma picareta pra procurar um diamante, literalmente mineirar (risos). É bem mais custoso, a gente se xinga, tem que ceder ora ou outra, mas quando a gente consegue finalizar algo é sempre especial, é impressionante. Quando eu componho sozinho é algo mais tênue, menos explosivo ou mirabolante, sou eu trabalhando com o que eu tenho né, tem a beleza aí, mas não é como buscar uma pepita de ouro dentro de outras pessoas.
João Donato é uma das referências do seu trabalho. Agora em junho você irá ser a atração de abertura para a apresentação que ele fará junto a Jards Macalé na Autêntica. Para você como é ter essa oportunidade e quais são as expectativas para esse dia em especial?
Às vezes eu me pego chorando… sobre a oportunidade realmente é uma questão de trabalho e esforço, tendo em vista que eu estou produzindo o evento junto com a Autêntica. Acho que o trabalho na divulgação e tudo nem está deixando eu curtir ou ficar sonhando, mas quando paro pra pensar que ele pode ouvir e gostar das minhas músicas eu arrepio. É uma entidade né… Quero mostrar uma música pra ele, pra ele me ajudar a terminar ela… Não sei, é onde eu quero estar mesmo, eu quero ser do tamanho dos meus sonhos, conhecer meus ídolos, tocar com eles, mesmo que precise dar a cara a tapa, me endividar, me decepcionar… Acho que eu vivo mais de sonhos do que de fatos e eu não quero mudar isso… eu quero realizar os sonhos.
Faixa a faixa por Haroldo Bontempo
01) Esperança – A música de abertura do álbum é um “choro canção”, a sonoridade toda passa um sentimento de esperança, que era o que eu queria sentir após o fora que eu levei e descrevo na letra (risos). A estrutura segue a lógica de umas músicas do Cartola, inicia com a progressão com sopro, depois a mesma progressão com canto e termina com a mesma progressão com banda completa.
02) Pirraça – Nessa eu juntei duas coisas que estavam guardadas. A letra do refrão tinha feito há vários meses, e os acordes do refrão também, mas como coisas separadas. No refrão eu uso intervalos de 4ª e 5ª, tal qual o blues americano, que é um intervalo que fica mais na cabeça, mas coloquei várias notas a mais pra abrasileirar (risos). Quando juntei letra e acorde do refrão o resto da música saiu fácil, daí pensei no Chorou Bebel pra complementar minha voz e um coro masculino bem sutil no refrão.
03) Ensaio Sobre a Culpa – Essa eu pedi ao Elias (meu parceiro nos mineiros da lua) uma letra pra colocar em uma harmonia que eu não tava conseguindo letrar, ele me mandou, eu tirei umas coisas e ficou do jeito que está. Gosto muito dela pois o teclado wurlitzer que toquei, junto com a batera, deu um ar meio The Doors pra música (risos). The Doors meets bossa.
04) Brasil 17h – Canção de protesto do álbum, eu pessoalmente considero a letra política, mas bem sutil mesmo, ocupa um lugar ali entre o sentimental e o social. O instrumental foi bem inspirado no Tom Jobim e João Gilberto, logo quando compus ouvi a voz da Mari Cavanellas nela… Acho que foi destino mesmo, pois quando enviei a música ela amou e topou na hora.
05) Blues Chilango – O Juan Wauters lançou esse álbum em 2019 (até vi um show em BH dele, onde ele tocou com o Arthur Melo e o Sessa), e é um dos meus álbuns favoritos. Tive essa vontade de regravar essa música em especifico, que fala do cotidiano.
06) Quando Ela Vai, Quando Ela Vem – A início essa era instrumental, foi a primeira que gravamos e foi gravada ao vivo. Na época eu tava conversando muito com a Nabru e um dia ela brincou comigo falando que o rap cansava muito e as vezes ela viajava de cantar jazz, ai eu desafiei ela a gravar um vocal pra essa música!
07) Lamento de Solidão – Composição do Lucca Noacco, meu parceiro de música que está em todos os meus discos, ele me mostrou essa composição num ensaio pra gravação do meu primeiro disco, na hora me veio a letra do verso. Depois pedi ele pra gravar a música, ele deixou, passou uns meses eu terminei a letra e gravamos. O dueto com a Mari foi de última hora, gravei o vocal da música e não estava satisfeito, precisava de complemento. Aí aproveitei a ida da Mari pra gravar “Brasil, 17h” e ela topou gravar um vocal a mais.
08) Menino Espuleta – Fiz essa pro meu irmão mais novo. Menino é de sagitário (risos), tem energia de sobre e vive fazendo arte. Foi numa das canseiras que ele dava mais novo que eu fiz essa música, depois fiz uma atuação da gente dando uma bronca nele (risos)
09) Viação Sertaneja – Viação Sertaneja é a linha de ônibus que eu pego pra ir pra Pompeu, onde minha mãe mora. Quis passar o sentimento de ficar olhando a paisagem na janela, aquela coisa se repetindo com poucas mudanças e com elementos interioranos, como o acordeom, não consegui alguém pra tocar viola. Aí gravei um bandolim também.
10) Victor, Miguel e Marina – Essa música eu escrevi há vários anos depois de passar por uma depressão pesada, pensava muito em suicídio e quando compus ela foi quando venci isso, ela se chamava “Janela” e a versão no Soundcloud termina com som de uma janela fechando. Alguns anos depois voltei a ter um quadro depressivo e quando meu primeiro sobrinho nasceu eu recebi um novo sentido de viver, uma alegria inexplicável, logo vieram mais dois, daí regravei a música, toquei todos os instrumentos, e renomeei pro nome dos meus sobrinhos.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Artur Lahoz.
Parabéns Haroldo, e obrigada por poder ouvir o seu trabalho musical.
Que harmônico aos ouvidos !
De Minas para o mundo!
Abços e sucesso.