entrevista por Leonardo Tissot
Após mais de uma década em produção, o documentário “Freakscene: The Story of Dinosaur Jr.” começa a chegar ao público. Lançado em 2021 na Alemanha e no Reino Unido, e em março passado no Japão, o filme do diretor — e cunhado do guitarrista e vocalista J Mascis — Philipp Reichenheim (na foto acima ao lado de J) foi lançado em circuito comercial e streaming nos Estados Unidos no começo de junho.
Na segunda quinzena deste mês, o filme integra o panorama internacional do In-Edit Brasil, com duas exibições em São Paulo (SP): a primeira no dia 19/06, às 18h, no CCSP – Sala Lima Barreto, e uma segunda sessão no dia 25/06, às 16h, na Cinemateca Brasileira (mais informações aqui).
Em pouco mais de 80 minutos, Reichenheim soterra o espectador em imagens de arquivo, paredes de som e entrevistas conduzidas por ele com os três integrantes originais da banda — além de Mascis, Lou Barlow (baixista) e Murph (baterista) — e convidados como Kim Gordon e Thurston Moore (Sonic Youth), Bob Mould (Hüsker Dü), Henry Rollins (Black Flag), Kevin Shields (My Bloody Valentine), Frank Black (Pixies), Kurt Vile (que coproduziu o mais recente álbum do trio, “Sweep It Into Space”), Megan Jasper (da gravadora Sub Pop) e até mesmo o ator Matt Dillon, que dirigiu clipes do grupo.
Desde o início da carreira de J como baterista na banda Deep Wound até a formação do Dinosaur — o “Jr.” só viria alguns anos depois —, passando pelas dificuldades de relacionamento que levaram à implosão do grupo nos anos 90, até o retorno da formação original em 2005 e ao show em celebração aos 30 anos do trio em 2015, “Freakscene” é ao mesmo tempo completo e resumido.
Apesar de abordar todas as fases da banda, o diretor não entra em grandes detalhes de nenhuma delas. O filme é acelerado e cru como um solo de guitarra de Mascis, mas peca pela superficialidade e falta de contexto em diversos momentos. Embora seja um documento fiel à trajetória do grupo, é difícil imaginar que alguém que nunca ouviu falar no Dinosaur Jr. (e até mesmo o fã casual) tenha uma compreensão completa sobre a história da banda, como o título promete.
Ainda assim, um dos destaques do filme é a abordagem honesta a respeito das dificuldades de relacionamento entre os integrantes, especialmente J e Lou — com direito a imagens de uma briga que ambos tiveram no palco nos anos 80 —, o que levou o segundo a criar sua própria banda, o cultuado Sebadoh.
Murph, o batera boa praça, revela que nunca entendeu direito por que a banda não conseguiu se tornar ainda maior do que é. “Éramos uma boa banda, mas J e Lou tinham dificuldades na hora de socializar. Pra mim isso era fácil”, comenta ao longo do filme.
Em 1993, Murph se disse cansado e avisou a J que queria sair do Dinosaur. O guitarrista respondeu que tudo bem, “se você não está se divertindo mais”. O baterista respondeu na lata: “Essa banda nunca foi divertida”.
Com a queda de popularidade do rock alternativo na segunda metade dos anos 90, J resolveu tirar o time de campo. Depois de formar família e viver um período caseiro, a banda retornou em 2005 e não se separou mais desde então, tendo lançado cinco novos álbuns até aqui.
“Freakscene: The Story of Dinosaur Jr.” também está disponível para aluguel e compra nas plataformas digitais, porém com restrição para diversas regiões, incluindo o Brasil.
Alguns dias após a estreia nos EUA, Scream & Yell conversou com o diretor Philipp Reichenheim, que falou a respeito da produção e lançamento do filme, as dificuldades para finalizar o documentário e por que é tão difícil entrevistar J Mascis.
Philipp, como foram as estreias do filme em Nova Iorque e Amherst?
Foram muito, muito divertidas. A primeira foi no Brooklyn, na Opera House, e incluiu um set ao vivo do J. Ele tocou quatro músicas e fizemos um bate-papo antes do filme. Foi fantástico, vendemos todos os ingressos, tinha 600 pessoas lá. E em Amherst foi particularmente doido, com a banda toda lá, sob o mesmo teto, assistindo ao filme na sua cidade natal. Também teve um longo bate-papo com todos os membros da banda e eu, e foi muito divertido e emocionante. Foi muito louco pra mim ter todos eles juntos lá, falando sobre o filme e sobre os conflitos dentro da banda, todo mundo livre para falar o que quisesse. Eles estavam muito animados e até falando que o filme foi terapêutico para eles, teve um efeito positivo.
E pode me falar como a ideia desse projeto surgiu? Ano passado tive a chance de entrevistar o Murph e ele me contou que o filme já estava sendo feito há uns 10 anos. É isso mesmo?
É, não tínhamos um prazo definido para finalizar… Em 2009, eu e o J decidimos, após fazermos um DVD ao vivo da banda, com entrevistas e materiais bônus: “ei, que tal fazermos um documentário sobre o Dinosaur?”. E levou um tempão até conseguirmos levantar a grana. Até que encontrei meus sócios da Rapid Eye Movies, na Alemanha, e eles fizeram tudo acontecer. Em 2018, recebemos o financiamento e o filme ficou pronto em 2020, exatamente quando o lockdown começou em Berlim. Terminamos o filme e aí, bum, não podíamos mais sair de casa. Então foi meio louco. Além disso, levou um tempo para o filme começar a integrar as mostras dos festivais de cinema. Não queríamos participar de muitos festivais via streaming, então não foi fácil por algum tempo. Mas no ano passado lançamos o filme nos cinemas no Reino Unido, Japão e Alemanha. Agora estamos trabalhando com a Utopia para o lançamento nos Estados Unidos e outras partes do mundo, e estamos animados que o filme finalmente está saindo na terra natal do Dinosaur Jr. Estamos recebendo um ótimo retorno do público. As pessoas estão lembrando da energia da música barulhenta. Fizemos o áudio do filme ficar bem alto, então quando você vê o filme no cinema tem uma turbina de barulho 5.1 rolando o tempo todo.
O quão difícil foi conseguir imagens da banda? Os caras tinham bastante material guardado ou você teve que pesquisar muito?
Foi um conjunto de coisas… Claro, fiz muita pesquisa ao longo dos anos e a banda me cedeu seu arquivo. Também tivemos o apoio de um fã da banda aqui de Massachusetts, que também é meio que um colecionador de vídeos de música, e ele conhecia muita gente que tinha material original também. Foi ele que identificou a pessoa que tinha as imagens da briga do J com o Lou no palco, em Connecticut.
É uma cena e tanto.
É, também acho. Foi muito louco. O Lee Ranaldo também cedeu material de uma das primeiras turnês da banda com o Sonic Youth, durante a divulgação do “EVOL” (álbum do Sonic Youth). Então tive sorte de ter diversas fontes incríveis de material, inclusive fotografias do Johnny Vegas e o incrível trabalho da Maura Jasper nas capas de discos. Fiquei muito feliz que conseguimos fazer tudo funcionar e que as pessoas parecem ter gostado. O filme está passando em 80 cinemas aqui dos Estados Unidos agora.
Me conte um pouco sobre a sua relação com o J. Quer dizer, ele é seu cunhado, e sua irmã Luisa inclusive aparece no filme. Mas você já conhecia o Dinosaur Jr. antes de eles se casarem ou o relacionamento deles fez com que você conhecesse a banda e se interessasse a ponto de fazer um filme sobre eles?
Eu era fã do Dinosaur desde o início. O primeiro álbum foi lançado aqui na Alemanha e eu o amei de primeira. Foi a trilha sonora da minha juventude, de certa forma, além de outras bandas barulhentas. E eu amava a banda. Tive sorte de conhecer o J por meio da minha irmã, em 1993. Eles eram apenas amigos na época, e eu e ele nos conectamos rapidamente. Fiz a capa do álbum acústico do J, “Martin + Me”, fiz alguns vídeos do Dinosaur e DVDs ao vivo, então temos uma longa história de amizade e colaboração criativa. Aí, em 97, ocorreu de ele e a minha irmã se tornarem um casal. Eles ainda estão juntos, têm um filho e estão muito felizes. Ele apoia o projeto 1.000%. Apesar de, às vezes, ele ter falado “acho que você nunca vai terminar esse troço”. Mas aqui estamos.
E como foi fazer um filme a respeito de alguém que faz parte da sua família? Foi um desafio a mais ou colocou algum tipo de pressão sobre você? Quer dizer, o J se envolveu diretamente no filme, disse o que poderia ser usado ou não, ou o quanto você poderia explorar os conflitos da banda? Enfim, ele te deu liberdade total ou você teve que obter a aprovação dele?
É, isso é uma maldição e uma benção. Por um lado, me desafiou a ser super profissional em diferentes níveis, desde a questão dos contratos e do licenciamento até o conteúdo em si. Mas o J não demandou nada. Ele não pediu para olhar nada antes ou assistir a uma prévia do filme ou nada do tipo. Ele basicamente assistiu quando o filme já estava pronto, o que foi um grande risco para mim. Acho que demos nosso melhor, então eu pude apresentar o filme a ele com orgulho. Quando ele assistiu, gostou do filme de cara. Mas aí saímos novamente em turnê e precisamos adicionar algumas cenas. Fora isso, tive liberdade total. Foi um longo caminho, mas curtimos muito.
Senti que o filme é praticamente uma história oral da banda. Quer dizer, você não usou um narrador, não tem nada explicado detalhadamente ou mostrado de uma forma mais tradicional. O filme é basicamente composto pela banda e os convidados falando a respeito do Dinosaur. Fiquei com a impressão que alguém que nunca ouviu falar da banda talvez saia da sessão sem entender totalmente qual é a deles, que é necessário algum conhecimento prévio para compreender tudo. Foi sua intenção fazer o filme para quem já é fã da banda?
Como os personagens e a música da banda são tão únicos — eles não são narcisistas de forma alguma — acho que tentamos deixar tudo um pouco mais cru, do ponto de vista do conteúdo. Acredito que o filme explique as questões mais importantes que as pessoas precisam saber, mas também deixa muitos pontos abertos à interpretação, com a música falando por si mesma. Ainda é um documentário sobre música, mas decidimos deixar o filme um pouco mais misterioso. É a banda como ela é. Eles não são o Foo Fighters, sabe? Ouvi elogios de muitas pessoas que não os conheciam, gente de 85 anos de idade que viu o filme e adorou. Então, o que um documentário transmite para cada indivíduo é um pouco uma questão de gosto pessoal. Deixamos o filme com um volume muito alto e bastante cru, e acho que foi uma boa decisão para o tipo de banda que eles são.
Você conseguiu incluir diversos convidados para falar a respeito da banda, desde a Kim Gordon (abaixo) até Thurston Moore, Frank Black e Matt Dillon, entre outros. Quem foi a pessoa mais difícil de conseguir? E teve alguém que você gostaria de ter entrevistado mas não conseguiu?
O mais difícil de convencer foi meu próprio cunhado (risos). Ele não curte dar entrevistas. E apesar de passarmos muito tempo juntos — somos muito próximos, falamos sobre qualquer assunto — foi difícil convencê-lo a fazer as entrevistas. Só consegui fazer duas entrevistas com ele ao longo dos anos. E tenho que dizer, gostaria de ter feito mais entrevistas a respeito de alguns temas do filme. Poderia ter jogado mais holofotes sobre alguns assuntos. Outra pessoa que não consegui foi o Gerard Cosloy, chefe da Homestead Records nos anos 80, e o cara que meio que descobriu o Dino e lançou o primeiro disco deles. Acho que ele está na Matador agora. Mas nossos caminhos nunca se cruzaram, o que é um pouco triste. Além dele, o Nick Cave — quase nos conhecemos uma vez. Há muitas pessoas que, de repente, podemos ter uma chance de falar com elas, mas aí as coisas mudam e acaba não rolando. Então, diria que o próprio J e o Gerard foram as maiores dificuldades.
É engraçado você dizer isso, porque em muitas entrevistas do J que já assisti, ele meio que murmura algumas palavras e é difícil entender o que ele quer dizer. Então, é interessante ver que você também teve essa dificuldade.
Pois é, sabe, o lance do J é que ele precisa de tempo para responder, e nem sempre as pessoas dão a ele o tempo necessário. Aí os entrevistadores acham que ele não gostou da pergunta e fazem outra. Aí, quando o J está pronto para responder, já seguiram em frente com outros questionamentos. Às vezes o jeito dele é meio estranho, mas como ele mesmo já disse, entrevistas são uma forma anormal de trocar informações, e isso diz tudo que você precisa saber sobre ele.
Você tentou contato com outros membros da banda, como Mike Johnson, George Berz e até o Van Conner, dos Screaming Trees, que tocou com o J por um breve período? Ou a intenção era realmente focar apenas na formação original?
Tentamos contato com o Mike Johnson por diferentes meios, mas nunca recebemos uma resposta. Não sei explicar por quê. Quando o projeto começou, eu sabia que o foco principal seria na formação original, que a história teria um começo e um fim com esses caras. Quando percebi que o Mike não daria sinal de vida, nem tentei falar com o George, porque pensei que haveria um desequilíbrio, de certa forma. Então coloquei o J e o Murph para falarem sobre essa fase. Realmente não tive nenhum retorno do Mike, embora eu o tenha conhecido anos atrás, quando ele estava na banda e fiz meus primeiros trabalhos com eles, em Hamburgo e Amsterdã, em 1995.
O filme já foi lançado na Europa e agora nos EUA e Canadá. Você tem planos de lançá-lo na América do Sul e outras partes do mundo?
Tenho certeza que sim. O lance é que começamos a lançar o filme em setembro passado, na Alemanha. Aí, em outubro, o lançamos no Reino Unido e, em março, no Japão. Mas definitivamente vamos lançá-lo em todos os lugares onde existam fãs do Dinosaur Jr., isso é certo. Agora temos a Utopia lidando com a distribuição mundial do filme, que está se espalhando rapidamente. Neste ano ou no próximo “Freakscene” deve rodar o mundo, incluindo Brasil [nota: quando a entrevista foi feita, as exibições no In-Edit Brasil ainda não haviam sido confirmadas], Austrália, Nova Zelândia, Europa e Ásia. Tem até gente da Rússia escrevendo pra gente — tipo, não os fãs do Putin. Então, estamos animados com a quantidade de fãs que ficaram sabendo do filme e querem assisti-lo. É muito louco, porque como cineasta, você tem esperança que o filme seja bem-sucedido, mas quando isso realmente ocorre, é muito doido ver como a imprensa e os fãs estão interessados. Tudo indica que o lançamento nos EUA está indo bem, então estou muito feliz.
Ótimo. E em relação a mídias físicas, como DVD e Blu-Ray, algum plano?
Sim, já lançamos um Blu-Ray na Alemanha com muitos extras. Temos três horas de conteúdo no disco e acho que vamos lançá-lo nos EUA também. Há materiais bônus como um show inteiro do Dinosaur na Alemanha em 1987. O Mark Lanegan, que faleceu recentemente, foi entrevistado algumas vezes, e eu guardei o que ele falou para os extras. Ele faleceu apenas cinco dias após eu terminar de editar esse material. Então é triste que ele não tenha tido a chance de assistir. No geral, há uns 10 minutos a mais de entrevistas com convidados e a banda, além de dois shows completos, então ficou bem legal.
No que você está trabalhando agora? Vai fazer mais algum documentário sobre música?
Sim! Estou prestes a começar um documentário chamado “Riot Zone”, sobre a banda punk eletrônica Atari Teenage Riot. O Alec Empire (fundador da banda) é o meu amigo mais antigo e foi meu vizinho. Ele começou a carreira dele aos 12 anos de idade. Eu o filmei desde o começo, então tenho praticamente a carreira toda dele registrada. Há uma grande história a ser contada aí, a respeito da era de ouro do punk eletrônico e da cultura de raves dos anos 90. Eles eram incríveis. Saímos em turnê com o Rage Against The Machine e o Wu-Tang Clan nos Estados Unidos, e o Atari era enorme no Reino Unido e no Japão também. Houve tumultos, eles foram presos após shows, está tudo registrado em imagens. Era uma vibe muito, muito punk. E, é claro, há outros protagonistas dessa história que vão aparecer no filme também, como Aphex Twin e Prodigy. Então, vai ser um grande documento sobre os anos 90. Fora isso, também escrevi um thriller há uns dois ou três anos que gostaria de filmar.
– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo