texto por João Paulo Barreto
Dinossauros não impressionam mais ninguém. Mas, calma, essa constatação não é um demérito ao novo “Jurrassic Park”, ou melhor, “Jurrassic World”, uma vez que as criaturas não mais se restringem a um parque de diversões, mas, sim coexistem com humanos e outros seres no planeta Terra. No entanto, após seis filmes espaçados por um período de três décadas (se assim como eu, você assistiu ao original em 1993, parabéns: você também pode se considerar jurássico), é um fato constatar que o espetáculo visual ao vermos os seres extintos há bilhões de anos (criacionistas piram!) em carne, osso e CGI não tem mais o mesmo impacto que tinha quando surgia em tela embalado pela marcante trilha de John Williams no filme lançado por Steven Spielberg há 30 anos. O que resta, então, ao esforçado roteirista e diretor Colin Trevorrrow, que, também, comandou a parte 1 dessa nova trilogia, como opção para cativar seu público? Manter os bichos como pano de fundo e focar em uma trama de espionagem que, surpreendentemente, funciona bem no equilíbrio com o explorar dos ainda eficientes momentos visualmente grandiosos envolvendo os dinos.
E é justamente por trazer uma concretização daquilo pincelado no original, quando Newman, digo, Wayne Knight em seu personagem Dennis Nedry, tenta contrabandear amostras de DNA dino para fora do parque, ou a ideia apresentada pelo próprio Spielberg em sua continuação de 1997, “O Mundo Perdido”, quando vemos um T-Rex correr pelas ruas de São Francisco, que este novo capítulo da saga criada por Michael Crichton em seu best-seller encerra (assim seja!) bem o seu arco de seis filmes. E tal concretizar está exatamente na possibilidade de visualizar o que seria o mundo contemporâneo se as criaturas milenares ainda caminhassem entre nós.
Na trama, Biosyn é a empresa vilã da vez. Na busca por dominar o mercado alimentício com seus grãos modificados geneticamente e imunes às pragas de gafanhotos artificiais gigantes criados pela mesma, o conglomerado sequestra Maisie Lockwood, clone que conhecemos no filme de 2018 e que, agora adolescente, está sob a custódia secreta de Owen Grady (Chris Pratt) e Claire Dearing (Bryce Dallas Howard). Maisie desperta o interesse da companhia para que estudos de seu DNA sejam feitos junto a dinossauros capazes de se reproduzir individualmente. Com ela, os mercenários a mando de Lewis Dodgson (Campbell Scott, no melhor estilo vilão 007) também sequestram o filhote velociraptor de Blue, dinossauro de estimação de Grady.
Dentro desse contexto, “Jurassic World: Domínio”, apesar de manter certo destaque para a grandiloquência visual de suas cenas com os repteis digitais (os momentos em que pterodátilos derrubam um avião e atacam um tripulante que escapa de pára-quedas, ou quando Owen pilota uma moto durante fuga de velociraptores por ruas turísticas da África, são primorosos), ganha pontos na proposta de usar os animais extintos na ideia de nos fazer imaginá-los entre nós em seus mais variados aspectos e possibilidades. Em um deles, vemos um mercado ilegal de tráfico de répteis surgir no melhor estilo “bar intergaláctico de Star Wars”, quando um local repleto de maus elementos negociam os bichanos e até os colocam para brigar em rinhas. Assim, toda um novo conceito dentro daquele que escapa do esperado foco no espetáculo visual (e já banalizado) dos dinossauros surge e é até bem explorada aqui. Mas os sinais de uma combalida e quase esgotada franquia já surgem, também, mais do que evidentes.
Tendo o próprio Steven Spielberg como um dos vários produtores executivos, “Domínio” não tarda em prestar as necessárias homenagens à sua origem noventista, com enquadramentos do T-Rex remetendo à logomarca da primeira produção; ou arrumando um jeito de colocar Sam Neil empunhando uma tocha em seu figurino de paleontólogo aventureiro a desbravar o desconhecido, ou, ainda, inserindo o assustador dilofossauro, aquele que matou o pobre carteiro vizinho de Seinfeld, e cuja capacidade de expelir uma gosma venenosa através de uma barbatana em meio a um grito agudo era um dos artifícios de maior terror do filme do garoto prodígio diretor de “E.T.”.
E este ponto é um dos exemplos para o que chamei de desgaste de uma fórmula que já não tem muito mais a oferecer. A resolução para um dos momentos de tensão envolvendo a tal criatura horripilante é simples, com um agarrar de traquéia e a ameaça de Owen Grady agindo como o verdadeiro alfa do lugar. Porém, mesmo que exista o foco em atrair novas gerações ainda não familiarizadas com o que vimos ainda jovens no distante 1993, brincar com tais referências e desconstruí-las como no momento citado já não soa tão novo assim. E uma nova trilogia que surgiu em um intervalo de apenas sete anos (o primeiro “Jurassic World” é de 2015) já conseguiu esgotar tais possibilidades.
Em seu fechamento, “Jurassic World Domínio” explora de modo visualmente magnífico a metáfora da coexistência entre animais contemporâneos (humanos dentre eles) e os dinossauros, quando vemos manadas correrem em savanas e revoadas de pássaros nos céus sendo acompanhadas pelos bichos extintos. Refletir sobre o fato de que naquele conjunto imagético nós somos aqueles que se esforçam na busca pela auto-extinção torna esse encerramento ainda mais simbólico. Seria bom se tanto a franquia quanto a estupidez de nossa raça humana (para o bem ou para o mal) terminasse também aqui.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.