Texto por Renan Guerra
“Downton Abbey” (2010/2015) era uma espécie de novela à inglesa com rigor e sisudez típicos apresentando as complexidades que uma família rica tinha para administrar um suntuoso castelo em novos tempos, no caso, o início do século XX. A série se tornou um sucesso mundial e tem entre seus fãs nomes completamente diversos, como a Rainha Elizabeth II e a presidenta Dilma Rousseff. O sucesso foi tamanho que uma versão para o cinema estreou em 2019 e ganhará uma sequência que chega aos cinemas brasileiros entre abril e maio desse ano.
Paralelamente à “Downton”, o roteirista e produtor Julian Fellowes já vinha trabalhando em “The Gilded Age” desde 2016. Entre mudanças de produção (a série seria da NBC e acabou indo para a HBO) e atrasos em função da pandemia da Covid-19, “The Gilded Age” estreou em janeiro de 2022 via HBO e HBO Max com 9 episódios exibidos toda segunda-feira. A season finale foi transmitida agora em março e a série já foi renovada para uma segunda temporada.
Mas vamos destrinchar melhor o universo que ronda essa incursão de Fellowes em terras norte-americanas: “The Gilded Age” se passa na cidade de Nova York, em 1882, e concentra suas tramas centrais na discussão entre aqueles que já formam a sociedade aristocrata nova-iorquina (o “old money”) e os novos ricos que começam a conquistar a cidade (o “new money”).
Como figura central do old money temos a casa de Agnes van Rhijn (Christine Baranski) e sua irmã Ada Brook (Cynthia Nixon). Em frente a casa das irmãs surge um novo palacete habitado pela família Russell – Bertha (Carrie Coon) e George (Morgan Spector). Acrescente à trama central a chegada de uma sobrinha de Agnes, vinda do interior, Marian Brook (Louisa Jacobson), e sua dificuldade de lidar com os trâmites sociais da alta sociedade de Nova York. Assim como era em “Downton Abbey”, os funcionários das mansões também tem função fundamental na história: os acontecimentos da cozinha e as vidas de cozinheiras, damas de companhia, mordomos e chefs é tão importante quanto a trama principal.
No final das contas, há uma boa gama de personagens e diferentes subtramas que vão ganhando camadas a cada episódio, entre fofocas, segredos e reviravoltas. Tudo isso tem a embalagem refinada da HBO, mas funciona da mesma forma que os nossos folhetins latinos. “The Gilded Age” é basicamente um novelão clássico com traições, romances, mocinhas e tramas vilanescas e isso é excelente. Há quem use “novela” como um termo menor, quase pejorativo, mas dar conta de uma história de folhetim é trabalho difícil e Julian Fellowes faz isso bem demais em sua nova série.
Além de sua trama bem estruturada, o grande trunfo de “The Gilded Age” está em seu elenco feminino de peso: Christine Baranski e Carrie Coon estão soberbas em seu posto de vizinhas arquirivais. Cynthia Nixon surpreende positivamente em seu papel de solteirona caridosa. Louisa Jacobson (que é filha de Meryl Streep) consegue dar conta de sua mocinha água com açúcar sem transformá-la em uma chata. Já Taissa Farmiga traz leveza para o papel da filha adolescente do casal Russell.
Além disso, há duas excelentes surpresas: Denée Benton e Audra McDonald. Quando se fala em produções de época, é comum que sejam relegados papéis menores ou mal-escritos a atores negros. Nesse caso, Benton, uma atriz vinda da Broadway e que estrelou o sucesso “Hamilton”, fez questão de que sua personagem não fosse subaproveitada em função de personagens brancos, tanto que ela trabalhou em contato direto com os criadores da série para garantir um bom desenvolvimento para sua personagem, Peggy Scott.
Peggy é uma jovem negra do Brooklyn que sonha em ser escritora e que, pelo destino, acaba se aproximando de Marian Brook e suas tias. Mais do que isso não podemos revelar por aqui, pois Peggy é uma personagem de mistérios e que são revelados aos poucos. O que importa dizer é que ela e sua mãe Dorothy Scott (Audra McDonald) crescem bastante no desenrolar da trama e ganham nuances que devem se desenvolver ainda mais na segunda temporada.
Com ritmo leve que consegue mesclar de forma sábia os momentos de drama e de humor, “The Gilded Age” é um refinado folhetim, que consegue nos prender com os temas mais banais: um jantar que dá errado; um encontro entre socialites que se odeiam ou uma fofoca maldosa que se espalha pela alta sociedade, tudo é motivo para a trama se desenrolar e nos causar alvoroço. Nisso tudo, tópicos como raça, gênero e sexualidade acabam entrando no combo de forma sagaz e inteligente numa série que é entretenimento de alta qualidade. Já estamos ansiosos pela segunda temporada!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.