texto por João Paulo Barreto
Menos é mais. Aquele conceito batido se aplica bem aqui. Matt Reeves, o diretor dos dois últimos filmes da franquia “Planeta dos Macacos”, apesar de ter finalizado essa nova aventura do homem-morcego com um corte de quase três horas (o mais longo de todos), conseguiu concretizar bem o conceito que abre essa crítica.
Com menos gadgets e parafernálias tecnológicas, junto a uma perceptível ausência das cenas estilo Q, o construtor em 007, que costumam apresentar essas muletas de roteiro (não que elas sejam um problema, claro), e um foco maior na atuação direta entre seus personagens centrais, Reeves trouxe um equilíbrio entre as intensas sequências de ação imprescindíveis a um filme de super-herói e uma história com profundidade que explora bem sua proposta noir-policial tendo seu protagonista como, essencialmente, um detetive.
A ideia prática aqui, aliás, é colocar o Batman mais de acordo com a premissa lançada pela reformulação trazida aos seus quadrinhos na década de 1970, época em que nomes como Len Wein, Jim Aparo, Dick Giordano, dentre outros, (e se estendendo, claro, a Frank Miller e David Mazzucchelli nos anos 1980) revolucionaram o personagem por explorar mais suas habilidades e fraquezas humanas para além da ideia excessiva de um super-herói infalível.
Esse Batman sangra; se estrepa todo ao tentar planar em fuga por sobre Gotham City; sai no braço com, e, até mesmo, leva uns murros de capangas e gangues no melhor nível The Warriors; além disso, locomove-se pela cidade em uma moto civil, além de usar um bat-móvel que parece algo dirigido por Steve McQueen em “Bullit”.
Robert Pattinson, que não precisa mais provar a ninguém sua competência dramática, aparece como um Bruce Wayne combalido, cansado, mesmo que apenas dois anos tenham se passado desde que começou sua cruzada. Além do próprio bilionário em seu desenvolvimento mais compatível com essa proposta de estudo aprofundado de suas limitações tanto físicas quanto psicológicas, os três vilões clássicos trazidos aqui têm suas aparições calcadas mais em um aspecto real e menos caricatural, algo, claro, já padrão desde Nolan, mas não menos surpreendente em sua abordagem.
Na figura de um terrorista, o Charada dá a Paul Dano o desafio de criar uma atuação na qual sua postura corporal, seus olhos e sua voz são as únicas ferramentas disponíveis na construção. A Selina Kyle de Zoë Kravitz é inserida na trama com uma motivação real para além de apenas roubar. Já o Pinguim de Colin Farrell (irreconhecível e excelente no papel), ganha todo merecido destaque, mesmo não sendo o central entre os três da galeria clássica.
Enquanto gangster de segundo escalão, o Oswald Cobblepot aparece em tela exatamente como o mero capanga em ascensão que é. Sob a proteção de Carmine Falcone (John Turturro), vemos esse destaque crescer de modo gradativo. E se o simbolismo de vê-lo com pés e mãos atados a caminhar feito a ave cujo nome o apelida, o sorriso no rosto surge por percebermos a referência à genial criação de Tim Burton e Danny DeVito há 30 anos.
“The Batman” tem uma difícil missão que é a de encarar as inevitáveis comparações entre suas inovações para o personagem e aquelas trazidas por Christopher Nolan em sua já clássica trilogia. Mas convém escapar dessa armadilha simplória. São duas propostas distintas no explorar do mesmo clássico da nona arte já tão maltratado em outras adaptações. Como dito, Reeves diferencia sua proposta por trazer sua figura central ainda mais a uma realidade crível, mas sem precisar remoer os já batidos dramas da orfandade trágica de Bruce Wayne.
O Batman-detetive, aqui, caminha entre policiais; opina diretamente acerca de investigações; utiliza, sim, as tais “teatralidade e ilusão” citadas no roteiro de Nolan, mas permanece mais fora das sombras do que escondido no meio delas. Porém, quando surge dentro da escuridão, o espetáculo visual para os fãs dos quadrinhos se deliciarem é honesto e espetacular aos olhos.
Do mesmo modo, há uma atenção perceptível para pequenos detalhes que torna denso esse foco no real. Observar, por exemplo, o som que o tecido da roupa do Batman faz quando ele move o pescoço; ou mesmo o detalhe da tinta preta aplicada no contorno dos olhos de Bruce Wayne no intuito de facilitar seu disfarce sob a máscara (algo que, visualmente, acaba por ajudar ainda mais no aparentar de cansaço do protagonista), dá ao espectador atento essa confirmação de que está diante de algo ainda inédito na abordagem do adorado personagem.
Mesmo com uma minutagem que, convenhamos, poderia ser menor, Matt Reeves construiu uma obra que se consolida desde já como outro potencial clássico, junto à trilogia “Dark Knight”, do universo cinematográfico do Cavaleiro das Trevas.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.