texto por Paolo Bardelli
Quando jovem, eu era muito cético em relação ao que se chama “primeira impressão” ao conhecer alguém: como uma boa pessoa racional, eu acreditava que a “primeira impressão” era um elemento pelo qual você não deveria se influenciar, porque não há como conhecer um ser humano nos cinco primeiros minutos (alguns vivem a vida inteira do lado de uma pessoa sem conhece-la de verdade), afinal existem diferentes fatores que podem influenciar tal julgamento e as relações humanas não podem ser submetidas a lógicas “produtivistas” de economia de tempo, etc. etc., numa série de raciocínios conscientes para tentar desmantelar um sentimento inconsciente e irracional que, gostemos ou não, existe.
“Não há segunda chance para causar uma boa primeira impressão”, diz uma máxima que, como dois milhões de outras, é atribuída a Oscar Wilde, e que enfatiza essa tendência humana bastante difundida. E que com o tempo – admito – aprendi a apreciar cada vez mais, um pouco por experiência de vida, outro tanto por razões estatísticas. Na verdade, descobri que as atitudes que uma pessoa manifesta nos primeiros minutos em que a conhecemos são estatisticamente as que mais a descrevem melhor porque basicamente se uma pessoa está mal-humorada é quase sempre provável que também seja nesses cinco minutos, assim como é mais provável que seja comparado a um de caráter intimamente jovial. Estatística pura. A percepção imediata, aquela pela qual eu não queria ser influenciado, acabou sendo a certa ao longo do tempo, e cada vez com mais frequência. Ainda assim, um simples achado empírico. A minha, é claro, não pode ser generalizada, mas nem mesmo descartada a priori como uma experiência subjetiva.
E como essa “primeira impressão” funciona na música? Aqui também se diria que para conhecer (e avaliar) bem um álbum é preciso ouvi-lo várias vezes (imperativo categórico para todo bom crítico), mas o fato de lidar com isso em um momento de velocidade na produção e difusão de música nova tanto quanto na constante “descoberta” de tesouros antigos outrora inacessíveis, tudo isso disputando o mesmo espaço de tempo, faz com que a dedicação à escuta de um disco e sua passagem para outro possa nos levar a dar um juízo aproximado de imediato, e autocondicionante na sequência, no sentido de que talvez deixemos de lado um álbum que não nos impressionou muito e que foi suplantado – na nossa atenção (motivada por valores pessoais e/ou “imposição” da própria mídia, redes sociais e outros) – pelo novo lançamento subsequente.
Algo mais ou menos assim aconteceu comigo em relação ao último trabalho solo de Damon Albarn, “The Nearer The Mountain, More Pure The Stream Flows” (2021): ele saiu numa clássica sexta-feira em que todos os lançamentos são liberados, especificamente no último dia 12 de novembro. Eu imediatamente ouvi uma vez pela manhã e depois conclui – muito prematuramente (afinal era um estado social…) – que era “um álbum de música ambient com uma pequena orquestra sintética, provavelmente não ao nível de Blur, The Good the Bad & the Queen e seu solo anterior, mas bem-vindo de volta Damon. Melhores canções: ‘Polaris’ e ‘Daft Wader’”. Deixei passar, e obviamente esqueci que os dois álbuns que mais amo na vida me deixaram meio atônito nos primeiros dias e aos poucos cresceram para se tornar parte de mim (no caso, “Disintegration”, do Cure, e “Kid A“, do Radiohead).
Com “The Nearer The Mountain, More Pure The Stream Flows” aconteceu algo semelhante e interessante: apesar de tê-lo posto de lado, sem que eu percebesse, me vi voltando a ele, como se seguisse a voz de uma sereia enigmática, cada vez com mais frequência. Talvez também por seu humor desvinculado da contemplação ambient: é provavelmente o álbum certo na hora certa, visto que nos encontramos mais uma vez – infelizmente – em fase de isolamento pandêmico, as pinceladas de Albarn olhando para os vulcões da Islândia, em um brilhante retiro ártico dourado, se apegam melhor do que outras músicas ao nosso perfume atual, entre pianos nus e música ambient contemplativa. Mas provavelmente há mais: é um disco profundo, que só pode ser descoberto mergulhando nele. Um pouco ao contrário de sua estreia solo, “Everyday Robots” (2014), que parecia estratificado logo de cara, mas que no longo prazo soava um álbum um pouco difícil, este “The Nearer” é uma donzela a ser cortejada por mais tempo, mas que reserva grandes satisfações.
Não há nada de novo aqui: é inegável que você precisa se concentrar na música, que nunca pode ser apreciada de passagem, muito menos sem se aprofundar, sem entendê-la completamente, algo que muitas vezes nos esquecemos em tempos de streaming selvagem, mas que o canto dessa sereia enigmática me ajudou a lembrar, e estou feliz que Albarn tenha me lembrando disso com “The Nearer The Mountain, More Pure The Stream Flows”.
Na realidade, mais do que apresentar meus dois centavos sobre esses tempos em que somos atropelados constantemente pela oferta de música, eu queria escrever uma resenha sobre esse novo disco lindo de Damon, e fui protelando justamente porque ele sempre me mostrava diferentes facetas que eu tinha medo de perder até que, entretanto, saiu a resenha de Francesco Giordani sobre o álbum no site (italiano) TristeSunset, e achei que ele tinha dito tudo que eu queria dizer, o que me fez por fim desistir de escrever. De fato, ainda mais exaustivo foi o status de Giordani no Facebook ao apresentá-lo, que só posso relatar na íntegra:
“Damon Albarn pede ajuda aos Poetas e convida-nos a voltar ‘às próprias coisas’, como diziam os Sábios, ou à fonte do que somos (sempre fomos) e que nos é mais próprio, junto à margem onde o rio, que sempre corre dentro de cada um de nós, fica mais límpido e transparente, se tentarmos refletir sobre ele.
Acho que é uma maneira muito sábia de explorar o que nos aconteceu nestes dois anos, mas apenas se formos capazes de voltar à origem sem nos afogar nas correntes da retórica, muito perigosas, da “pureza” ou do narcisismo. O que não é nada óbvio.
De resto, Albarn confirma-se como um grande Inatual e por isso um perfeito contemporâneo nosso. Como observou Agamben (que, além do desacordo que nos divide, não deixo de mencionar): ‘A contemporaneidade é uma relação singular com o próprio tempo, que adere a ele e, ao mesmo tempo, dele se distancia; mais precisamente, é essa relação com o tempo que a ele adere por um deslocamento e um anacronismo. Aqueles que coincidem demais com a época, que se encaixam perfeitamente com ela em todos os pontos, não são contemporâneos porque, justamente por isso, não podem vê-la, não podem manter o olhar fixo nela'”.
Aqui está o que eu não tinha percebido em “The Nearer The Mountain, More Pure The Stream Flows”, ele sendo desatualizado e contemporâneo como uma dupla face da mesma moeda. A primeira impressão nunca teria me feito entender, mas neste caso nem mesmo a centésima escuta: Giordani era necessário, que quando escreveu pela primeira vez para Kalporz (o site que eu edito) imediatamente me pareceu um filósofo gentil.
Dessa vez foi a impressão certa.
Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell
que texto bonito. O álbum me tocou também e achei maravilhoso o conceito artístico